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Aumento de juro pode gerar nova crise na zona do euro

Os desequilíbrios e os conflitos entre os países do Norte e do Sul da Europa que compõem a zona do euro são entraves à sobrevivência da moeda única, avaliam especialistas. A receptividade à união, que acelerou a transferência de recursos das nações ricas às mais pobres, na forma de investimentos bilionários, deu lugar ao ressentimento provocado pelo enfrentamento da crise, pautado por medidas duras de ajuste, impostas pelas economias mais fortes às mais frágeis. Há a sensação de que o euro quebrou as nações ao sul. E, neste cenário, há um grande vilão para os demais 18 parceiros de bloco: a Alemanha.

YORGOS KARABALIS/AP/17-6-2015 Protestos. Gregos fazem manifestação em frente ao prédio do Parlamento de Atenas, na Grécia, contra o programa de austeridade imposto ao país Do ponto de vista da Alemanha, força motriz do bloco, o euro foi um projeto mais político do que econômico. Depois da queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, os alemães – vistos com uma certa desconfiança pelos franceses, que receavam a arrogância de um novo poderio econômico depois da reunificação – viam na integração uma forma de acalmar os vizinhos.

O período de integração, porém, coincidiu com a agenda de reformas capitaneada pelo ex-chanceler Gerhard Schröder, que visava ao aumento da produtividade alemã. Cruciais foram as mudanças trabalhistas, que flexibilizaram regras e direitos e criaram um amplo setor de salários baixos, absorvendo milhões que antes viviam desempregados.

Segundo Heiner Flassbeck, vice-ministro das Finanças quando o euro entrou em circulação, as mudanças promoveram um arrocho salarial, elevando enormemente a competitividade dos produtos da Alemanha, que virou um gigante exportador. Numa área que usa a mesma moeda, se alguém vence, alguém perde.

– A Alemanha exportou o seu desemprego para o sul da Europa – sustenta Flassbeck.

Para o economista Hans Werner Sinn, autor do livro “O junho negro”, sobre o verão catastrófico para a União Europeia (UE) com o Brexit, a crise dos refugiados e a política expansionista do Banco Central Europeu (BCE), o euro deveria ter nivelado as economias. Mas teve efeito contrário: – O Sul da Europa continua sofrendo com o desemprego em massa. Economias que eram importantes antes do euro entraram em decadência. Na Itália, houve uma queda da produção industrial de 22%; na Espanha, de 25%. Até na França (que já deu início à reforma trabalhista) houve uma queda considerável.

Grécia, Itália, Chipre, Portugal e Espanha exibem as mais elevadas taxas de desemprego da região, todas de dois dígitos, chegando a 22,1% na Espanha e a 25% na Grécia. Na Alemanha, é de 6,4%. De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os jovens do Sul são as peças mais vulneráveis no xadrez do desemprego em massa. Só na faixa etária de 18 a 25 anos, são 40 milhões de desempregados.

– Uma geração perdida sofre com a falta de perspectivas – afirmou Theodoros Parakevopoulos, assessor econômico do partido grego Syriza.

REFORMAS AJUDARIAM O SUL O economista Marcus Brunnenmeier, porém, afirma que não passa de desculpa transformar a Alemanha em vilã. Embora o ajuste alemão tenha tido consequências negativas, ele sustenta que as demais nações surfaram na onda da bonança, sem se preocupar em fazer ajustes que elevassem sua própria competitividade e lhes garantissem espaço fiscal para investimentos e para sustentar um estado de bem-estar.

Na hora da crise, pagaram a fatura mais alta, diante do risco de insolvência: Grécia, Itália, Chipre, Portugal e Espanha são cinco dos seis países com maior endividamento da zona do euro, com indicador acima de 100% em relação ao PIB.

– O que falta a alguns países do Sul são reformas e mais flexibilização do trabalho. Os países ainda não chegaram onde queremos, mas muitos, como a Espanha, superaram o pior da crise e já voltaram a crescer – pondera Brunnenmeier.

Mesmo com reformas, é tão grande o hiato entre as nações, que Hans Olaf Henkel, ex-presidente da Federação da Indústria Alemã, defende uma receita radical: – Para que o euro sobreviva, precisa ser reformado. A solução é a divisão em euro-norte e euro-sul. É o único meio de combater a crise, o desemprego em massa e evitar que os populistas de direita assumam o poder.

A Alemanha também foi acusada pelos países do Sul de ser intransigente na negociação do pacote de ajuda, exigindo sacrifícios fiscais que impuseram severas perdas sociais às populações. Acabou criticada até mesmo pela França, que com ela forma o “eixo rico”.

– A situação da Grécia só poderia melhorar se houvesse uma redução da dívida – diz Parakevopoulos.

Os alemães se opõem a resgates. O programa de compra de títulos do BCE, que aliviou as economias regionais, é criticado pelos ortodoxos. Dizem que a instituição está cada vez menos independente e mais subserviente ao “Club Med”, como chamam o lobby forte do Sul.

Os embates dificultam a ação das instâncias políticas da UE em busca de um diagnóstico para os problemas e de uma solução concertada.

– A UE não tem respostas para os problemas dos países do euro – conclui Sinn. -BERLIM- O crescimento dos partidos populistas na Europa e os rumores de uma nova crise no euro, que desta vez começaria na Itália, geraram um debate sobre a sobrevivência da moeda única do bloco. Gropp acredita que o euro continuará firme e forte. Mas diz que os países em dificuldade têm prazo curto para superar seus problemas. O Banco Central Europeu (BCE) deve aumentar os juros, diz, o que levará a uma explosão do custo dos financiamentos dessas nações, podendo causar uma nova crise, se reformas não forem feitas Quinze anos após a entrada em circulação do euro, os países do Sul da Europa têm feito um balanço negativo, por quê? A economia italiana encolheu em 0,5% no período.

A economia italiana sofre com estagnação, dívida pública e crise dos bancos. Mas esses problemas não foram causados pelo euro. Pelo contrário, sem o euro a situação seria muito pior para o país, que pagaria juros muito mais altos. O maior problema dos países do Sul da Europa é a queda da produção industrial, causada pela perda de competitividade com a falta de reformas.

Como a Alemanha se tornou a mais competitiva depois do euro? Na conversão das moedas nacionais em euro, o marco alemão foi calculado baixo demais, tornando os produtos alemães mais baratos para o mercado europeu. Isso explicaria isso?

Pode ser. Mas a economia alemã vai bem hoje por causa de reformas estruturais feitas pelo então chanceler Gerhard Schröder, há mais de dez anos. Na época, a Alemanha era chamada de a lanterna da União Europeia. O país tinha cinco milhões de desempregados. A reforma mudou até a aposentadoria, mas o mais importante foi a flexibilização do trabalho.

Ou seja, a criação de um setor de salários baixos, que não existia antes.

Também. Mas essas pessoas que voltaram ao mercado, embora ganhando muito pouco, estão mais satisfeitas pois não estão paradas em casa. Há uma forte dinâmica de pessoas que começam a trabalhar em empregos sem seguro social e passam para vagas regulares. A reforma fez aumentar a competitividade e o desemprego caiu drasticamente.

Por que os países do Sul da Europa não copiaram o modelo alemão?

Eles começaram mais tarde. A Espanha começa a sentir os efeitos positivos, voltando a crescer. É verdade que o desemprego ainda é dramático. Não quero negar os problemas, que são graves, mas não foram causados pelo euro, e uma saída da união monetária poderia abalar ainda mais a economia do país. Os países do Sul da Europa não se esforçaram para realizar reformas por causa dos juros muito mais baixos do que pagavam antes. A crise financeira de 2008 piorou a situação. Os estados começaram a se endividar para resgatar bancos, gerando um círculo vicioso. Qual seria o custo de deixar o euro? Os custos seriam tão altos que deixaram claro ao governo de Atenas que não há outra saída, a não ser atender às exigências da troika (Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia). O primeiro efeito seria uma desvalorização dramática da moeda nacional. A dívida externa da Grécia cresceria em proporção igual. Já a saída da Itália abalaria toda a zona do euro, com efeitos talvez para a economia global. Acho que nem os populistas levariam em conta esses riscos, caso cheguem ao poder.

Mas a dívida aumentou e o problema dos bancos continua…

Uma ajuda aos bancos, na Itália ou na Alemanha, vai contra as novas regras da União Europeia. O caso é complicado. Quando lembramos do Lehmann Brothers (um dos primeiros a quebrar na crise de 2008), a lógica seria que os governos não devem deixar falir os bancos que são relevantes para a economia. Sei que o governo italiano definiu um pacote de ajuda ao banco Monte dei Paschi. Mas o problema não está resolvido porque a crise é em todo o setor bancário. O problema foi causado por créditos não pagos, falta de cautela dos bancos. Não tem a ver com o euro.

A falta de liberdade dos países em desvalorizar a moeda seria outro problema do euro?

Este é um problema real porque o euro reúne países muito diferentes, como a Grécia e a Alemanha. Há pessoas que sugerem a divisão dos países em “euro Norte” e “euro Sul”, o que não acho viável. Quando foi decidida a criação do euro, há 25 anos, com o Tratado de Maastricht, foram cometidos erros, como unir em uma moeda economias tão diferentes. Mas abolir a moeda não é solução. Os países podem se esforçar para ter um nivelamento gradual.

Os juros baixos do BCE podem aumentar o endividamento?

Eu vejo como um problema, pois os juros vão aumentar com certeza. Todos os países do euro precisam aproveitar essa fase para reduzir gastos públicos. Quando os juros aumentarem, em poucos anos, os países endividados terão uma explosão dos custos de financiamento da dívida. Isso causará uma nova crise, que poderia ser evitada se fossem feitas as reformas.

Fonte: O Globo

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