ANS: País envelheceu e serviços de saúde não se prepararam
Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplmentar (ANS), José Carlos Abrahão, defende planos de saúde acessíveis, mas mantendo direitos. Novos modelos precisam rever remuneração dos serviços, discutir se é viável incluir novas tecnologias e privilegiar a prevenção.
Como o setor de saúde suplementar vem enfrentando a crise?
Quando você tem um sistema financeiro com dificuldade, diminuem os investimentos na saúde. E na saúde, você não gasta, investe. Este é um conceito que temos que ter. Perdemos 1,7 milhão de vidas, sem contar o downgrade nos planos.
Os planos se queixam dos custos.
A saúde tem custos dados pela inovação tecnológica, de desenvolvimento de materiais, medicamentos, processos que são acumulativos. Um exemplo são os serviços de imagens: tem raios X, tomografia, ressonância, pet scan, e um não substituiu o outro. E o custo não é só do exame, é de equipamento e formação dos profissionais. Precisamos ter a coragem de discutir essa inclusão de tecnologia. Temos ainda uma ferida, que são as fraudes. Não só as de órteses e próteses, mas as de uso inadequado do sistema.
Para reduzir custo, será preciso rever o modelo de remuneração?
O modelo chamado fee for service (pagamento por serviços) está desgastado. A gente vai ter que trabalhar com remuneração pautada no resultado. E isso implica trabalhar na formação do médico, das equipes multidisciplinares, discutir protocolos e diretrizes clínicas.
Resultado em saúde se traduz em qualidade, menos internação?
Existe um indicador importante hoje, que é qualidade de vida. Em vez de tratar a doença, estimular a atividade física, melhorar a alimentação, isso tudo vai interferir na saúde. O Brasil é muito grande, e já há operadoras de autogestão com usuários centenários. Nesse novo cenário, não oferecem mais só assistência médica, mas um conjunto de ações de prevenção, de promoção de saúde. A gestão é imprescindível e deve acompanhar a demanda da sociedade.
O usuário está envelhecendo
Quando a saúde suplementar teve início no país, o brasileiro tinha uma sobrevida de, no máximo, 65 anos, num cenário de doença infectocontagiosa. Hoje, é de 80, 85 anos, e o perfil das doenças passou a ser degenerativo, um cuidado mais caro. Estamos ficando mais velhos, e os serviços de saúde não se prepararam.
É possível, neste cenário, reduzir custos sem prejudicar o atendimento?
Sim. Há desperdício, muitas ações em duplicidade. O sistema de saúde brasileiro deve integrar o público e o privado. Isso poderia ser feito por registro eletrônico, via cartão, com o qual se acessaria o histórico do paciente, o prontuário com todos os exames e procedimentos que fez. Essa ferramenta vai trazer grandes benefícios.
E a privacidade?
Juridicamente, o prontuário pertence à própria pessoa. E uma das funções dos conselhos médicos é zelar pela integridade dos dados. Houve uma preocupação de que, com essa troca de informações, pudessem ser quebrados os sigilos médicos. Mas, em termos de controle epidemiológico, o Ministério da Saúde e o órgão regulador têm que saber desses dados.
Há uma pressão para desregulamentar o setor?
A missão do órgão regulador é dar segurança jurídica para promover sustentabilidade, dar garantia de perenidade, para que o consumidor tenha a segurança de receber o que contratou. Acho que avançamos muito. Realizamos mais de 750 milhões de exames; mais de 200 milhões de consultas por ano. A regulação tem que existir de forma equilibrada, ser dialogada e construída com o setor. Não adianta impor. Mas, se você deixar o setor sem regulação, o que vamos proporcionar de garantia? Como médico, cidadão e paciente, acho que precisamos ainda evoluir muito, para ter equilíbrio e segurança jurídica.
Há alto nível de judicialização no setor. Qual a sua avaliação?
O Estado democrático de direito, que permite ao consumidor ter a judicialização como defesa, é muito importante. O que precisamos trabalhar é a judicialização que leva a um desequilíbrio do sistema. O Ministério da Saúde está mensurando os valores da judicialização, já se fala em mais de R$ 1 bilhão. Só se reduz a judicialização discutindo com os players para entender o que leva a isso.
Os planos individuais, com reajuste controlado, praticamente sumiram. O que a ANS pode fazer
O órgão tem feito várias ações para estimular planos individuais. As operadoras falam que o problema é o controle do reajuste, não é. Temos aperfeiçoado os cálculos para torná-los mais realistas. As operadoras estão vendo que esse é um nicho de mercado, e já há empresas trabalhando nisso.
Ainda sofremos com a crise da Unimed-Rio, referência em planos individuais. Há recuperação?
Não entrarei no braço político. Recebi representantes de várias correntes da cooperativa, e disse a eles que precisam se entender. Nenhuma empresa suporta uma briga societária. Houve desenquadramento econômico-financeiro, e implementamos a direção fiscal. A parte assistencial tem sido acompanhada com lupa. Mas, nesse novo ciclo, eles saíram do monitoramento, reduziram o número de demandas. Todos estão fazendo um grande esforço, ninguém quer que quebre. Eles terão uma assembleia na terça-feira, para a chamada de aporte econômico, que será decisiva. Nossa esperança é que o conjunto de ações proposto pela nova direção promova o reequilíbrio da empresa. A Unimed-Rio tem dificuldades, mas é uma empresa viável. E importante, não só para o sistema Unimed, mas para a saúde suplementar como um todo.
E o projeto do plano popular?
Essa foi uma demanda trazida pelo ministro da Saúde, preocupado com o momento econômico e a perda do número de beneficiários da saúde suplementar. Ele gostaria que o setor oferecesse um produto mais acessível. Já foi discutido o rol de cobertura, o ministro sabe da judicialização, dos cuidados que se deve ter. Qualquer diminuição de cobertura passaria por mudança regulatória. Como cidadãos, gostaríamos de ter um plano mais econômico, mas mantendo o direito adquirido. O fato é que todo mundo está se sacudindo, procurando alternativas. Isso propicia às empresas criatividade para promover produtos com custos melhores.
Como vê o interesse de empresas estrangeiras de investir no setor?
Em um mercado no qual há ingresso de capital estrangeiro, mais recursos tornam-se disponíveis para investimento e desenvolvimento, além de transferência de tecnologia e experiência de gestão. A vinda de outras cabeças pode arejar a gestão de algumas empresas.
Como o consumidor pode ajudar na melhoria do sistema?
A razão da nossa existência é o paciente. A definição dele pelo Código de Defesa do Consumidor é o consumidor. Da mesma forma que ele tem de ser empoderado, é a informação que ele nos encaminha que empodera a ANS. E temos obrigação de garantir a ele o que contratou.
Fonte: O Globo