O mercado como ele é…
LUIZ SÉRGIO GUIMARÃES
Fracassa atração de especulador
Fracassou a tentativa do Ministério da Fazenda de atrair capitais estrangeiros especulativos. Ao zerar, no dia 12, o IOF de 1% incidente sobre a ampliação das posições vendidas carregadas por hedge funds globais nos pregões de derivativos cambiais da BM&F, a intenção do governo era trazer de volta dólares de curto prazo interessados em aproveitar o ciclo de alta da taxa Selic. No dia 12, esses fundos externos estavam “vendidos” (aposta na queda do dólar) em US$ 3,92 bilhões. A retirada do IOF visava estimular a expansão dessas posições contra o dólar. Não deu certo. De lá para cá, o estrangeiro veio gradualmente assumindo posições contra o real, exatamente no sentido oposto ao desejado pela Fazenda.
Na sexta-feira, último dia de junho, os fundos de fora ainda exibiam certa vacilação. Enquanto sustentavam posições vendidas de US$ 4,15 bilhões no pregão de cupom cambial, posicionavam-se na compra, em US$ 7,63 bilhões, no mercado de dólar futuro. O saldo líquido era comprado em US$ 3,48 bilhões. Na segunda-feira, primeiro dia útil de julho, adotaram posicionamento mais decidido. As posições vendidas em cupom cambial foram transformadas em compradas no valor de US$ 1,45 bilhão. E, no dólar futuro, as posições foram mantidas compradas, agora em US$ 7,07 bilhões. O saldo agora é comprado em US$ 8,52 bilhões.
Juro elevado não é condição suficiente para os hedge funds mais especulativos montarem posições vendidas em dólar. Essa operação consiste na tomada de empréstimos em países que praticam juras muito baixos, frequentemente negativos, e aplicação dos dólares obtidos em mercados emergentes onde os juros são muito elevados. Para que o negócio seja lucrativo, será imprescindível que a moeda do país hospedeiro não se desvalorize mais do que a remuneração paga no mercado de renda fixa. No Brasil anterior a 2010 isso era muito fácil e o lucro certo e elevado, pois além da Selic nas nuvens o câmbio flutuante só flutuava para baixo. E os hedge funds ganhavam nas duas pontas, tanto no juro quanto na apreciação da moeda nacional. O cenário hoje é bem diferente. E o seu elemento-chave, a expectativa de valorização do dólar, depõe contra a montagem desse tipo de carry trade. Diante do risco concreto de o Federal Reserve (Fed) iniciar um programa de diminuição de suas compras mensais de títulos públicos e hipotecas lá para o final do ano, os estrangeiros se recusam a assumir uma posição cuja variável definidora da rentabilidade é assustadoramente incerta. Não há garantia de que o real não vá se desvalorizar nos próximos meses em velocidade que anule o ganho obtido com a Selic. No final do atual ciclo de aperto monetário, a Selic deverá estar num patamar entre 9% e 9,5%. Na melhor das hipóteses, esse juro suporta um dólar de até R$ 2,46, partindo-se da cotação de R$ 2,25 de ontem. Uma Selic de, digamos, 15%, já seria mais tentadora, pois aguentaria um dólar máximo perto de R$ 2,60. Mas nem a inflação está tão alta, nem os problemas do balanço de pagamentos são tão críticos a ponto de justificarem a recessão que uma Selic a 15% desencadearia. Então, do ponto de vista desses capitais especulativos, é melhor mesmo ficar comprado em dólar do que vendido.
Até 2010, o carry trade feito pelos hedge funds era apontado como a principal causa da sobrevalorização do real. Era por meio dele que o “tsunami monetário” distorcia a taxa de câmbio brasileiro. Para rentabilizar ainda mais as posições futuras, eles derrubavam o preço à vista. Como a rota dos capitais se alterou desde as sinalizações do Fed, a leitura agora, sobretudo a partir da guinada dada às suas posições futuras na segunda-feira, é de que esses investidores estrangeiros, dependendo do aumento de posições compradas que fizerem daqui para a frente, poderão ser responsáveis por nova distorção, a da amplificação da depreciação do real. Se o IOF sobre as posições vendidas foi adotado no passado para frear a especulação vendida, seria natural e trivial se, agora, a Fazenda cogitasse de instituir inibidor fiscal similar à montagem de especulações compradas.
Mas antes de pensar na imposição de uma barreira tributária à formação de posições compradas pelos investidores externos, seria mais prudente ao governo dar os dois passos que ainda faltam para a total liberação à entrada de dólares. O primeiro seria obrigar os exportadores a trazer para o país a receita de suas vendas. Eles ainda podem deixar os dólares no exterior por prazo de até 720 dias. O segundo seria retirar o IOF de 6% cobrado nos empréstimos externos com prazo inferior a um ano. Se nada disso der certo, uma medida administrativa de controle das posições compradas será inevitável.
E talvez seja necessária limitação mais ampla, que alcance todas as posições compradas em dólar. Ao assumirem integralmente a ponta de compra, os estrangeiros estão se aliando aos fundos de investimentos nacionais, até maio os únicos “comprados” relevantes. Até o vencimento dos contratos futuros de maio, o capital externo se alinhada aos principais “vendidos”, os bancos nacionais. E, agora, a junção entre fundos domésticos e fundos externos amplifica demasiadamente o poder de fogo dos “comprados”. Tais posições não são meros hedges contra a alta do dólar. Na verdade, para serem plenamente lucrativas, elas atuam na maximização do movimento de valorização da moeda americana no segmento spot. Prova disso foi o exagerado salto de 1,64% descrito pelo dólar na sexta – feira, último dia de formação da taxa oficial de câmbio (a Ptax) utilizada para liquidação dos contratos futuros. Sem amparo em fundamentos externos, a alta foi nitidamente especulativa. E os fundos externos nem estavam completamente “comprados”.
Fundos domésticos e externos têm muita bala na agulha, de fazer inveja ao ministro Guido Mantega. Pela última posição oficialmente conhecida, referente à segunda-feira, ambos mantinham posições compradas totais de R$ 23,29 bilhões. O problema é que os “vendidos” não exercem contraponto neutralizador eficiente. Os bancos nacionais estão vendidos em US$ 25,09 bilhões, mas essas posições não são direcionais, ou seja, não se destinam a patrocinar um rumo, no caso de queda, para o dólar. Foram formadas em operações financeiras destinadas a suprir as empresas endividadas em dólar de proteção contra as oscilações na taxa de câmbio. Os bancos estão ganhando uma taxa de juros suficientemente alta a ponto de abafar a variação do dólar. Eles não atuam para derrubar a cotação no mercado à vista.
O tombo de 2% sofrido pela produção industrial em maio (os analistas esperavam escorregadela de 1,1%) arquivou definitivamente as apostas de que o Copom poderia, na semana que vem, intensificar a dose do aperto monetário e promover alta de 0,75 ponto na Selic. Como o mercado se convenceu de que a elevação se restringirá ao ritmo de 0,50 ponto da reunião anterior, as taxas dos contratos futuros de juros caíram na BM&F. O contrato com vencimento em janeiro cedeu de 8,95% para 8,84%. A taxa para janeiro de 2017 recuou de 10,99% para 10,82%.
O dólar subiu 0,85%, fechando a R$ 2,25. Com os treasuries aquietados – o T-Notes de 10 anos oscilou entre 2,45% e 2,50%, e fechou no mesmo nível anterior, 2,48% – o gatilho para a alta do dólar foi o desabamento da Bovespa. O investidor externo parece ter-se cansado de esperar uma recuperação da Bolsa. Se ficar mais tempo, perde ao vender as ações e ao comprar o dólar mais caro para ir embora.
Fonte: Brasil Econômico