Uma tempestade de problemas
Marilyn Adams
em Miami
Enquanto os moradores do litoral aguardam nervosamente o início da nova temporada de furacões em junho, eles enfrentam outra temor: o preço exorbitante e a pouca oferta de seguro para danos provocados pelo vento.
As enormes perdas provocadas pelo furacão Katrina e outros em 2004 e 2005 levaram o setor de seguro de residências a uma fuga em pânico da costa dos Estados Unidos. Na Flórida, que foi atingida por oito grandes furacões em dois anos, as seguradoras estão se recusando a renovar centenas de milhares de apólices de residências para reduzir sua exposição a indenizações.
Os moradores, muitos dos quais ainda consertando os estragos causados por furacão do ano passado, agora enfrentam aumentos nos preços dos seguros de tirar o fôlego.
Em Key West, o prêmio para tempestade de vento de Teri Johnston mais que dobrou em relação ao ano passado. O custo neste ano para segurar sua casa de 140 metros quadrados contra incêndio, vento e inundação: US$ 14.742.
Ida Franklin, 89 anos, mora em sua casa em North Miami há 39 anos. Ela paga US$ 5.100 por ano em prêmio pelo seguro residencial, um aumento de US$ 1 mil em comparação ao ano passado. Sua seguradora pagou US$ 10 mil em indenização por danos causados por furacão em 2005. Mas ela teve que gastar US$ 10 mil do próprio bolso para consertar os danos que sua apólice simples não cobria. Igualmente preocupante: uma escassez crítica de empreiteiros e materiais para telhado. Sete meses após o furacão Wilma ter arrancado as telhas da casa de Franklin, o trabalho finalmente teve início nesta semana.
Franklin, uma viúva, divide a casa e despesas com sua filha e genro, Ellen e Clifford Wurtz. “Se meus filhos não estivessem morando comigo, eu não poderia arcar em continuar vivendo aqui”, disse ela.
À medida que os preços sobem e as apólices são encerradas, os proprietários com hipotecas não têm escolha a não ser encontrar cobertura a qualquer preço. Os bancos e financeiras exigem.
Vários Estados ao longo das costas Leste e do Golfo, incluindo Flórida, Texas, Louisiana e Massachusetts, oferecem programas de seguro estaduais para proprietários costeiros que não conseguem seguro privado. O programa da Flórida cresceu tanto que está prestes a se tornar a maior seguradora de imóveis do Estado. Mas os programas públicos não são uma pechincha; a maioria oferece cobertura básica por um preço alto.
Muitos moradores do litoral estão trocando apólices com franquias mais altas por outras com prêmio ligeiramente mais baixo do que normalmente seria. Os proprietários com imóveis quitados não necessitam obrigatoriamente de seguro contra tempestades de vento e alguns estão optando por correr o risco e ficar sem.
Uma onda costeira
O problema do seguro não se limita à Flórida e outros Estados do sudeste geralmente atingidos por furacões. Alarmadas pelas previsões de mais grandes furacões nos próximos anos, as seguradoras estão cancelando apólices e se recusando a emitir novas mesmo mais ao norte, em Nova York e Massachusetts, e a oeste, no Texas.
Edward Liddy, o executivo-chefe da Allstate, a segunda maior seguradora de imóveis dos Estados Unidos, disse que o tamanho das perdas causadas pelo furacão Katrina e outros furacões no ano passado -quase US$ 58 bilhões- surpreendeu a indústria de seguros.
“Isto disse a toda a indústria que precisávamos fazer algo diferente”, ele disse. A Allstate pagou US$ 5 bilhões em indenizações por estragos causados por furacões em 2005.
A empresa de Liddy anunciou recentemente que não emitirá novas apólices na área metropolitana de Nova York e não renovará cerca de 30 mil apólices na região.
Faz quase 70 anos desde que um grande furacão atingiu a área de Nova York. Hoje, o valor segurado dos imóveis costeiros naquela área é quase tão alto quanto ao longo de toda a costa da Flórida. A Allstate é a mais exposta entre as seguradoras, com uma participação de mercado de 25% na área metropolitana de Nova York.
Owen Reiter, um policial aposentado de Nova York que mora em Staten Island, não acreditou quando recentemente recebeu uma carta da Allstate.
Ela dizia que sua apólice residencial, em vigência há 21 anos, não seria renovada devido aos furacões do ano passado no Sudeste. Na carta, a Allstate disse acreditar que os furacões “são possíveis em toda a Costa Leste nos próximos anos”.
Quando Reiter contatou outra seguradora, ele foi informado que o prêmio seria de US$ 975 por ano, 80% a mais do que estava pagando para a Allstate. Ele ainda está à procura de um seguro. “É injusto”, ele disse.
O que está alarmando seguradoras como a Allstate não são apenas as apólices pagas, mas também a perspectiva de tempestades mais freqüentes e mais violentas. O ar tropical e as águas quentes do oceano que geram os furacões na costa da África estão mais conducentes à formação de furacões do que o habitual, disse o Centro Nacional de Furacões. Os cientistas de furacão do governo previram aqui, na segunda-feira, que 2006 terá uma temporada de furacões “muito ativa”, com oito a 10 furacões se formando no Atlântico.
Os cientistas também disseram que os furacões poderão atingir as costas do Atlântico e do Golfo com mais freqüência e intensidade durante uma década ou mais.
Eles também dizem que as águas nas áreas do Oceano Atlântico onde os furacões se formam estão de 0,5 a 1 grau Celsius mais quente que o normal. Além disso, os ventos que normalmente ajudam a impedir que as perturbações tropicais se transformem em furacões estão ausentes.
Enquanto isso, mais americanos estão vivendo atualmente ao longo da costa e o valor de seus imóveis aumentou muito.
Uma perspectiva não muito animadora
Nenhum lugar foi mais duramente atingido pelo recuo das seguradoras do que a Flórida, que conta com cerca de 3.400 quilômetros de costa e quase 18 milhões de moradores. Esta não é a primeira crise de seguros de imóveis do Estado. Ela também ocorreu depois que o furacão Andrew demoliu ou danificou mais de 100 mil casas perto de Miami, em agosto de 1992. Onze seguradoras pequenas faliram.
Mas, desde 2004, as seguradoras pagaram US$ 30 bilhões em indenizações por furacão na Flórida, eliminando anos de lucros obtidos aqui.
A State Farm, a maior seguradora privada do Estado, pediu um aumento médio de 70% nos prêmios de seus seguros em todo o Estado, e um aumento de 95% para casas móveis. Ela não renovará 39 mil apólices de seguro contra tempestades de vento e está cancelando todas suas apólices para condomínios, cerca de 1.500 em todo Estado.
“Nós estamos dando estes passos para que possamos permanecer na Flórida”, disse Chris Neal, um porta-voz da State Farm.
Enquanto isso, a Allstate, além de sair de Nova York, anunciou que não renovará 120 mil apólices na Flórida quando chegar o momento de sua renovação no final deste ano. Isto se somará às 95 mil apólices que a Allstate decidiu não renovar no ano passado. Na Louisiana, muitas seguradoras estão se recusando a emitir novas apólices nas áreas costeiras ao sul da Interestadual 10.
Robert Hunter, diretor de seguros da Federação dos Consumidores da América e um ex-regulador de seguros, chamou o recuo das seguradoras na Flórida e outros lugares de “bizarra”.
“As seguradoras deveriam trazer estabilidade à situação, não instabilidade”, ele disse.
Ela acha que a Flórida deve se juntar a outros Estados propensos a furacões, como a Louisiana e o Texas, para formarem um programa de seguro regional contra tempestades de vento, para diluir o risco.
Os problemas da Allstate, State Farm, Nationwide e outras seguradoras não significam que as grandes seguradoras estão perdendo dinheiro. Apesar das perdas ligadas a furacões em vários Estados, o setor de seguro residencial postou lucros recordes de US$ 43 bilhões em 2005. Mas, no mesmo ano, as seguradoras pagaram US$ 7,3 bilhões a mais em indenizações do que receberam em prêmios, segundo o Instituto de Informações de Seguro.
Liddy, da Allstate, disse que o recuo na cobertura de imóveis é justificado.
“Se você olhar para a Costa Leste, do Maine à Flórida, há muita exposição lá”, ele disse.
As perdas das seguradoras com furacões reverberaram por todo o mercado de resseguros, onde as seguradoras buscam se segurar contra perdas imensas e não previstas. Se as seguradoras podem comprar resseguros agora, eles estão custando quase o dobro do que no ano passado, disse o Instituto de Informações de Seguro. Isto está contribuindo para os aumentos para os proprietários de imóveis.
Cada vez mais alto
Após anos de aumentos extraordinários no seguro, Johnston, a proprietária de Key West, não pode suportar a idéia de outro.
“As pessoas acham que vivemos em mansões milionárias”, disse Johnston, presidente de um grupo de proprietários que está pressionando por valores menores. “Eu moro em uma pequena casa de blocos de concreto.”
Johnston, que ainda paga hipoteca, disse que sua só sua apólice contra ventos custa US$ 11.856, mais do que o dobro do ano passado. É quase quatro vezes o que ela pagou em 2004. A franquia dela é de US$ 18 mil, o que significa que ela não tem direito a indenização a menos que os danos provocados por ventos ultrapassem este valor. Ela nunca usou o seguro.
Sua apólice contra tempestades de vento é emitida pela Citizens Property Insurance, o seguro estadual da Flórida de último recurso e a única empresa a oferecer seguros nos Keys da Flórida.
Devido à saída das empresas privadas, a Citizens está prestes a se tornar a maior seguradora residencial do Estado, ultrapassando a State Farm. A Citizens está prestes a herdar até 300 mil apólices da Poe Financial, uma seguradora de Tampa forçada neste mês à liquidação devido ao peso das apólices pagas no ano passado. Se todas forem para a Citizens, ela inchará para 1,1 milhão de apólices.
“Se a Citizens não existisse, haveria o caos por aqui”, disse seu presidente, Bruce Douglas, um empresário de Jacksonville.
A Citizens pediu um aumento médio de 45% no Estado para as apólices contra tempestades de vento nas áreas costeiras. Em algumas partes do Sul da Flórida, perto de Miami e Fort Lauderdale, os aumentos poderão chegar a mais de 60%. Temendo a perda da rede de segurança dos proprietários de imóveis, o governador Jeb Bush sancionou na semana passada uma ampla legislação de reforma de seguros. A nova lei aloca US$ 1,2 bilhão para a Citizens e para programas de preparativos para furacões. A Citizens ficou com um déficit de US$ 1,7 bilhão após as indenizações pagas no ano passado.
A nova lei estabelece subsídios para ajudar a atrair novas seguradoras à Flórida. Ela exige que todo o Estado atenda códigos de construção mais rígidos.
Ela também fornece fundos para ajudar os proprietários a fortalecerem suas casas contra furacões, com persianas de metal para as janelas, amarras para telhas, portas mais fortes de garagem e outras defesas.
Tom Gallagher, o secretário chefe de finanças da Flórida e ex-regulador de seguros do Estado, defende um plano federal de seguro para catástrofes, financiado pelos seguros pagos pelos proprietários de imóveis de toda parte.
O plano estabeleceria um fundo para ajudar a pagar pelas perdas causadas por desastres naturais cujos danos excedam a capacidade financeira de recuperação de um Estado, como furacões, terremotos, nevascas e tempestades de gelo.
“Este é um problema nacional”, disse Gallagher, um candidato à indicação republicana para o governo do Estado. “Nós precisamos de respostas nacionais.”
Fonte: Folha de São Paulo