Uma porta que se abre na gastronomia de expedição
Há alguns anos o meio gastronômico internacional repete, em várias línguas, um comentário do espanhol Ferran Adrià que diz respeito ao Brasil. Aos auxiliares mais próximos ou em conversas discretas durante eventos culinários, Adrià costuma reiterar seu interesse pela Amazônia como uma das principais fronteiras ainda inexploradas no universo dos sabores. “Das muitas portas que existem para abrir, uma delas está na Amazônia”, teria dito, mais ou menos com estas palavras, ao jovem chef paulistano Felipe Ribenboim, 24 anos, que fazia seu primeiro estágio no El Bulli, no ano passado.
Meses atrás, Ribenboim retornou para uma segunda temporada na Costa Brava levando nas mãos um convite oficial, do governo do Amazonas, para que Adrià e os principais chefs de sua equipe criativa conheçam a região. A data da expedição não está marcada, mas deve acontecer entre o final deste ano e o início de 2008.
Assim como o maior guru da cozinha contemporânea, Ribenboim sempre sentiu atração pelo terroir amazônico. Ao sair da faculdade, apresentou um projeto ao governo do Amazonas que previa o levantamento, a classificação e as possíveis utilidades de produtos locais, especialmente frutas e leguminosas. A pesquisa, enriquecida com a colaboração da Embrapa, estudava a textura e as origens de ingredientes capazes de enriquecer a cozinha contemporânea, pela qual Ribenboim confessa inclinação. A partir daí, a conexão com Adrià e a importância que uma viagem como essa teria para a divulgação dos produtos da Amazônia brasileira ficou evidente tanto para o pesquisador quanto para o governo.
Baseada na mesma curiosidade, a revista americana Gourmet publicou na edição de novembro de 2006 uma entrevista com o chef paraense Paulo Martins, intitulada Jungle Fever (Febre de Selva). Ao contextualizar a conversa, o jornalista dizia que Martins tornou-se promotor e fornecedor extra-oficial de ingredientes regionais para grandes chefes do eixo Rio – São Paulo, e que “das profundezas da floresta saiam frutas tão bizarras que pareciam ter sido manipuladas por aliens”.
A inclusão da Amazônia no roteiro de chefs estrangeiros tem facilitado as negociações para a vinda de algumas celebridades da cozinha. O chef francês Pascal Barbot, com três estrelas no guia Michelin, que preparou jantares no Rio de Janeiro e em São Paulo há menos de um mês, na seqüência, foi para Belém. Alguns anos antes, Andoni Luiz Aduriz, do restaurante Mugaritz, de San Sebastian, na Espanha, já havia descoberto os ingredientes amazônicos.
O fascínio pelos ingredientes brasileiros tem sido acompanhado de perto pelas consultoras gastronômicas Margot Botti e Paula Lemos, que há alguns anos se dedicam a incluir o Brasil na rota dos grandes chefs. Elas acertam os detalhes da viagem, os jantares, as aulas e, depois, os acompanham para visitas obrigatórias aos mercados.
O mais difícil, elas contam, foi trazer o primeiro. A partir daí cada um que vinha era referência para os outros. Os jantares abertos ao público, embora de custo elevado (por volta de R$ 400 – com bebidas incluídas), costumam lotar e com freqüência deixar gente na fila de espera. Mesmo assim e com patrocínio de empresas essas visitas são muito custosas e difíceis de viabilizar, garantem as consultoras, sem revelar o valor dos cachês.
Inúmeros detalhes fazem parte da prolongada negociação que envolve a vinda de uma estrela da gastronomia ao Brasil. “Trazer um chef desses significa de alguma forma tentar reproduzir o restaurante dele aqui”, diz Margot, que já se adaptou a diferentes exigências. Para a visita de Andoni, em fevereiro de 2004, ela teve que procurar um produtor especializado em ervas nos arredores de São Paulo, e encomendar o plantio de algumas variedades, de forma a que pudessem ser colhidas frescas quando o chef chegasse. Não foi só isso. Andoni queria trazer os queijos e as geléias que usa em seu restaurante no País Basco. Foi preciso, então, enviar um despachante para Brasília para liberar a entrada de mais de 200 quilos de ingredientes.
Como as preocupações com segurança no Brasil são constantes, as duas consultoras acabam por virar uma espécie de “babás de chef” e dividem com eles a percepção do país. A maioria fica enlouquecida com a variedade de pimentas, com as farinhas, a mandioquinha e as frutas. Além da cachaça e das havaianas, todos pedem para levar livros de culinária brasileira, o que sempre é difícil, pois há pouquíssimos em inglês.
Entre os comentários que os chefs costumam fazer, há o espanto por São Paulo ser maior do que Nova York, o horror com o volume de tráfego, os motociclistas e a quantidade de postes nas ruas. Em compensação, quando estão no Rio, os visitantes são sempre convidados pelo franco-carioca Claude Troisgros para andar de bicicleta na floresta da Tijuca ou para voar de asa delta.
Talvez esse seja o destino das horas livres de Alain Ducasse, a mais esperada entre as próximas visitas programadas. Ducasse, o único chef que soma 12 estrelas no Michelin em três de seus restaurantes, já esteve no Brasil há dez anos. Agora, chega no início de outubro para dar aulas no curso superior de tecnologia em gastronomia da Universidade Politécnica Estácio de Sá, no Rio. Deve ficar apenas três dias – o suficiente para confirmar que o Brasil está mesmo na rota dos grandes chefs.
Fonte: Valor