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Um lugar só para quem fala grosso

A paisagem árida e inóspita da fronteira entre Estados Unidos e México sugere um cenário de faroeste. Mas não há caubóis tradicionais no novo filme dos irmãos Joel e Ethan Coen, “Onde os Fracos Não Têm Vez” (“No Country for Old Men”), uma das grandes atrações desta 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ninguém aqui briga por terras ou por cavalos. O que faz os personagens perderem a cabeça nesse refúgio selvagem é o tráfico de drogas – e, consequentemente, os milhões de dólares que costuma render. Os antigos ladrões de gado são inofensivos perto dos senhores da droga que agora controlam a região, deixando um rastro de cadáveres e sangue.
“Muitos classificam a história como western. E nós nos interessamos por ela justamente pela possibilidade de subverter o gênero”, disse Joel Coen, em Cannes, onde o longa-metragem disputou a 60ª Palma de Ouro do festival francês. “Na nossa cabeça, o material estava mais próximo de uma trama criminosa e de perseguição. Isso é o mais perto que jamais conseguimos chegar de um filme de ação”, completou o diretor, que adaptou para as telas, em parceria com o irmão, o livro “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2005), do escritor americano Cormac McCarthy, vencedor do prêmio Pulitzer 2007, com “A Estrada” (Leia mais na página 22).
Com exibição única no encerramento da Mostra, no dia 1º de novembro, às 21h, no Memorial da América Latina, “Onde os Fracos Não Têm Vez” é ambientado em 1980, nas proximidades do rio Grande, no Texas. Llewelyn Morris (interpretado por Josh Brolin), um caçador de antílopes e ex-combatente na Guerra do Vietnã, encontra uma pick-up abandonada, com uma carga de heroína e uma maleta com US$ 2 milhões. Nem os cadáveres que rodeiam o veículo, sugerindo uma transação mal-feita de drogas, o desencorajam a tomar posse do dinheiro, o que desencadeia uma onda de violência.
O xerife Bel (vivido por Tommy Lee Jones), que só pensa em se aposentar, por ter perdido a fé na civilização, tentará ajudar o caçador (que agora virou caça) a salvar a pele (e também a da sua namorada, interpretada por Kelly Macdonald). Mas o caçador acaba perseguido implacavelmente por mafiosos e por Anton Chigurh (Javier Bardem), um assassino contratado pelo cartel para recuperar o dinheiro. Nas suas mãos, até uma bomba de ar se transforma em arma letal. E, de tão perturbado, o psicopata decide o destino de suas vítimas na moeda. Ou melhor, no cara ou coroa.
“A idéia de trabalhar com três personagens que seguem caminhos diferentes nos atraiu. É como se estivessem em três filmes diferentes. Eles se rodeiam, mas nunca chegam a se encontrar”, disse Joel, sempre o mais falante dos irmãos que nasceram e cresceram num subúrbio de Minneapolis, em Minnesota. “Como adoramos o livro, procuramos ser totalmente fiéis à obra original”, acrescentou Ethan.
O humor negro do livro, lançado recentemente no Brasil com o selo Alfaguara, da Editora Objetiva, foi mantido na versão cinematográfica. Boa parte dele vem do matador, a começar por seu corte de cabelo ridículo – que lembra o do personagem Beiçola (Marcos Oliveira), do seriado “A Grande Família´´, da Rede Globo. De tão meti- culoso na forma de agir e, principalmente, de matar, o personagem é surreal, o que combina perfeitamente com o universo dos Coen. Anton Chigurh é capaz de dar um sermão sobre casualidade e destino antes de executar sua vítima.
“Tudo isso vem de Cormac McCarthy. Não tivemos a menor ambição de adicionar nada do ponto de vista cômico”, disse Ethan. “A intensidade e o humor seco do personagem ainda são mérito de Javier Bardem, pois isso não se pode roteirizar. É essa qualidade que faz dele um grande ator, cheio de detalhes imprevisíveis. Além disso, Javier não fala bem inglês, detesta armas e não se droga, o que o tornou perfeito para o papel”, completou Joel.
Os momentos cômicos aliviam um pouco a violência dura e crua que a dupla de diretores aborda no filme (que chegará ao circuito comercial no Brasil em fevereiro, com distribuição da Paramount). Ao levar às telas um retrato brutal do Oeste americano de hoje, o que não deixa de ser uma reflexão sobre os Estados Unidos e seu histórico de violência, “Onde os Fracos Não Têm Vez´´ representa a volta dos Coen ao território sinistro de “Gosto de Sangue” (1984), “Ajuste Final” (1990) e “Fargo” (1996). Mais recentemente, eles andaram investindo em comédias, como “O Amor Custa Caro” (2003) e “Os Matadores de Velhinhas” (2004), mas sem acertar o alvo. Pelo menos, não em cheio. “O livro de Cormac McCarthy é obscuro e sangrento, o que resultou provavelmente no filme mais violento que já fizemos”, admitiu Joel.
Os diretores não negam a semelhança do personagem de Tommy Lee Jones com o de Frances McDormand (mulher de Joel), como a xerife grávida de “Fargo” (1996) – pelo qual a dupla recebeu o Oscar de melhor roteiro original. Os dois xerifes trazem um ar de desencanto e melancolia no olhar por se sentirem deslocados da sociedade e impotentes diante de tanta violência. Por mais que se esforcem, os Estados Unidos só mudam para pior e ninguém respeita mais a lei. “Percebemos os pontos em comum, mas não vimos isso como algo ruim ou bom. Procuramos não fazer referências aos nossos filmes anteriores. Quando acontece, é por puro acidente”, afirmou Ethan.
Por escrever sempre a quatro mãos, os irmãos já se habituaram a falar em uma única voz nos sets de filmagem. “Trabalhamos com tantos profissionais que o clima é sempre de colaboração. Não só entre nós, como entre nós e o diretor de fotografia ou os atores. Discutimos tudo e não há nada de extraordinário nisso”, contou Ethan.

Fonte: Valor

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