Todas as faces da moeda
Em 1926, bem no espírito dos “Roaring Twenties”, os alegres e dinâmicos anos 1920, Irving Berlin compunha “Blue Skies”, balada que começava assim: “Blue skies/All of them gone/Nothing but blue skies/From now on” (Tristes céus/Todos se foram/Nada que não sejam céus azuis/De agora em diante).
Em 1932, três anos depois do “crash” de Wall Street, que espalhou uma crise dramática pelo mundo, E. Y. Harburg descrevia numa letra lamentosa as agruras de alguém que já tinha sido rico e agora precisava entrar em fila para ganhar um pedaço de pão: “Brother, Can you Spare a Dime?” (Irmão, pode me dar uma moeda?”) era o título e o refrão de sua canção.
Krugman reconhece em Friedman (na foto, com Ronaldo Reagan) um dos maiores pensadores econômicos, mas também o coloca entre os agentes políticos da extrema-dreita americana
Alguma possibilidade de a história se repetir, como desdobramento da crise financeira provocada pelo estouro da bolha hipotecária nos Estados Unidos? Provavelmente, não em tamanhas proporções. Por coincidência, porém, dois expoentes do pensamento econômico, Anna Schwartz e Paul Krugman, confrontam-se bem agora na discussão das origens da Grande Depressão, tema de controvérsia clássica entre economistas pró-livre mercado e os defensores de maior presença do governo na economia – ela, defendendo as idéias de Milton Friedman, morto em novembro de 2006, de quem foi companheira em muitos trabalhos, entre os quais a monumental “História Monetária dos Estados Unidos, 1867-1960”; ele, procurando demonstrar que o monetarismo, como doutrina, está morto e que, causa e efeito do primeiro passamento, políticas monetárias “monetaristas” não funcionam.
O contexto em que se dá a discussão, com passagens de franca agressividade de parte a parte, tem seu lado político. Krugman é voz forte do pensamento liberal, que tradicionalmente reflete a linha política do Partido Democrata (mais governo, em síntese), enquanto Anna, como Milton Friedman, sempre se identificou com as propostas do Partido Republicano (mais mercado). Pelo lado econômico, a oportunidade se define na situação frágil da economia americana e nos esforços do FED para impedir que as coisas se compliquem ainda mais.
Nouriel Roubini, professor de economia e de negócios internacionais na New York University, que vem prevendo com todo acerto, ponto por ponto, cada instante do agravamento da crise financeira nascida do estouro da bolha hipotecária nos Estados Unidos, prevê o pior: vem aí “uma crise de impacto duradouro”, de alcance global, a partir de uma recessão nos Estados Unidos, provocada pela combinação de uma severa restrição de liquidez e de crédito, que se agrava; preços do petróleo perto dos US$ 100; uma recessão no setor imobiliário que também se agrava e seus efeitos sobre o consumo; um mercado de trabalho que se debilita; e um consumidor atingido por fortes choques negativos. Roubini explica em seu prestigiado blog (“EconoMonitor”) que as tentativas dos bancos centrais de amenizar a atual desordem dos mercados com injeções de liquidez e redução dos juros não dão resultado por razões muito claras: “Estamos vivendo um problema de crédito/insolvência conjugado a forte redução de liquidez, e a política monetária dos bancos centrais é impotente para lidar com problemas de crédito.”
Não seria preciso dizer, mesmo porque já se vê, que a globalização, financeira nas raízes e nas ramificações, estende ao Brasil um tanto das nuvens nascidas mais ao norte com a crise insuflada pela folia hipotecária americana. E sugere, por extensão também, um olhar nacionalizado para as práticas de políticas macroeconômicas, com algum enquadramento, para se aproveitar a ocasião, na disputa entre Schwartz e Krugman – que é, nos seus aspectos básicos, a disputa entre ortodoxos e heterodoxos no Brasil, ou que outro nome tenham os que preferem regras permanentes de política, como a que estabelece regimes de metas de inflação, e os partidários da flexibilidade de ação, praticada ao sabor da intuição que capta sinais de orientação no próprio funcionamento da economia.
Fonte: Valor