Mercado de Seguros

Susep: 2025 será decisivo para o avanço do seguro de vida no Brasil

O seguro de vida no Brasil ainda não cumpre todo o seu potencial de proteção social. Esse foi o tom da palestra da diretora da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Júlia Normande Lins, durante almoço realizado pelo Clube Vida em Grupo de São Paulo (CVG-SP). Segundo ela, o setor precisa acelerar sua transformação para deixar de ser um produto acessível apenas a uma parcela mais favorecida da sociedade e passar a ser uma ferramenta efetiva de inclusão social.

“Existe uma enorme população no Brasil que sequer tem acesso a produtos e serviços que garantam uma renda mínima de proteção. E o seguro precisa ser parte dessa solução, especialmente para as mulheres em situação de vulnerabilidade, trabalhadores informais e pessoas com deficiência”, afirmou Julia, que foi recebida no restaurante do 47o. andar do Circolo Italiano, no centro de São Paulo, palco do tradicional evento mensal do CVG-SP, pelo presidente Anderson Mundim, que também é superintendente Sênior de Negócios da Bradesco Vida e Previdência.

Júlia coordena o grupo de trabalho criado pelo governo para discutir a Política Nacional de Acesso ao Seguro, que conta com representantes do Banco Central, dos ministérios da Fazenda, Agricultura e Pecuária, Empreendedorismo e Desenvolvimento Agrário, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além de entidades do mercado como a CNseg e a Anbima.

A partir das discussões desse grupo, foi elaborado um relatório que detalha os desafios e propõe caminhos para ampliar o acesso ao seguro. O diagnóstico é claro: a baixa educação financeira da população, aliada à dificuldade de entender o funcionamento dos seguros e à falta de produtos adequados à realidade brasileira, limita a expansão desse mercado e impede que ele cumpra seu papel social.

Entre as propostas debatidas, estão iniciativas como campanhas nacionais de educação financeira, programas de capacitação em escolas, inclusão de conteúdos específicos voltados para mulheres de baixa renda e desenvolvimento de produtos mais acessíveis.

“Quando olhamos para a mãe solo, por exemplo, qual o tipo de cobertura adequada para seu modelo de vida? Precisamos pensar em seguros que contemplem não apenas o risco de morte, mas também assistências que possam apoiá-la em situações de violência doméstica, com suporte jurídico, psicológico e financeiro”, ressaltou.

O relatório propõe ainda o desenvolvimento de seguros específicos para microempreendedores, trabalhadores informais e pessoas com deficiência. Esses produtos precisam ser desenhados levando em consideração a realidade de renda variável, a intermitência de trabalho e as necessidades específicas desses grupos.

Também estão no radar soluções integradas, como seguros que combinem vida, previdência e saúde, além da proposta de um seguro de vida universal capaz de oferecer uma proteção mínima para toda a população, com incentivos fiscais que aliviem pressões sobre o sistema público.

Júlia destacou que a Susep tem trabalhado para remover barreiras regulatórias que dificultam o desenvolvimento desses produtos. “A regulação deve facilitar o acesso, mas não ao ponto de o consumidor não entender o que está contratando. O equilíbrio é fundamental. Se a pessoa não entende o que comprou, na hora em que mais precisa, não terá acesso ao benefício”, afirmou.

Nos últimos meses, a autarquia publicou normas relevantes, incluindo a que regula os produtos do tipo VGBL e PGBL, com flexibilização de características e mais liberdade para personalização. Para este ano, a expectativa é grande em torno da publicação da norma que regulamentará o Seguro de Vida Universal, considerado estratégico.

Essa norma precisou ser revisada para se adequar à Lei 15.040, sancionada recentemente, que trouxe mudanças significativas para o mercado de seguros. Além disso, a Susep está revisando todo o seu estoque normativo para alinhamento com a nova lei, o que inclui regras para acumulação, riscos pessoais, intermediação e microseguros.

“Estamos trabalhando para que esse arcabouço regulatório permita a criação de produtos sob medida, mais flexíveis, com precificação justa e linguagem clara. O seguro precisa ser visto como um instrumento de vida, não apenas de morte”, enfatizou.

A transformação digital é, segundo Júlia, um caminho sem volta. “A digitalização está em todas as camadas dos produtos. O cliente quer acessar, contratar, gerir sua apólice e acionar a indenização diretamente do celular. Quem não estiver preparado para isso vai perder espaço.”

No entanto, ela alerta que a digitalização não pode andar separada da educação financeira. “Quando a população está educada, ela entende o valor da proteção e passa a demandar coberturas adequadas para sua realidade. A digitalização ajuda na escalabilidade, mas só funciona se o consumidor souber o que está comprando”, frisou.

Essa compreensão é fundamental para evitar que o seguro se transforme em mais um produto mal compreendido, que gera frustração em vez de proteção. A linguagem acessível, os canais digitais intuitivos e os produtos simples são fundamentais para alcançar quem mais precisa.

A diretora da Susep defende que o seguro pode ser um importante mitigador da desigualdade social no Brasil. “O seguro evita a descapitalização das famílias em momentos críticos. Uma proteção financeira adequada pode ser a diferença entre a continuidade ou não de um negócio familiar, entre manter ou não os filhos na escola, entre ter ou não acesso à saúde e à justiça.”

Ela lembrou que o seguro precisa ser visto como complemento à proteção pública. “Há espaço para pensar em como políticas públicas e o mercado segurador podem se complementar. O seguro pode ajudar a aliviar pressões sobre o sistema público de assistência, saúde e previdência.”

Entre as propostas discutidas está a criação de um fundo catastrófico que ofereça estabilidade financeira em casos de desastres naturais, além de seguros obrigatórios contra catástrofes climáticas, que se tornam cada vez mais relevantes diante dos impactos das mudanças climáticas no Brasil.

O ano de 2025 será decisivo para o avanço do seguro de vida no Brasil. A Susep trabalha, em paralelo, na regulamentação da Lei Complementar 213, que permite a entrada de cooperativas e associações no mercado de seguros, o que pode ampliar ainda mais a oferta de proteção à população.

Além disso, há pressão crescente do Poder Legislativo para que sejam criados mecanismos que facilitem o acesso dos beneficiários ao capital segurado, evitando situações em que famílias sequer sabem que têm direito a um seguro contratado por um parente falecido.

“Nosso foco é garantir que a regulação seja, cada vez mais, um instrumento de inclusão. Que permita às seguradoras inovarem, criarem produtos que façam sentido para a realidade brasileira, com assistências que vão além da morte, integrando saúde, bem-estar, apoio psicológico e jurídico, proteção à renda e outros serviços que façam diferença na vida das pessoas”, concluiu.

A mensagem final é clara: o seguro não pode ser apenas uma engrenagem financeira que se ativa na morte. Ele precisa ser uma ponte para a vida, uma rede de proteção que apoie famílias, reduza desigualdades e ajude a construir um país mais justo e resiliente.

Apostar na vida, não na morte

Ao final da palestra, Júlia trouxe uma reflexão inspirada na obra “As Intermitências da Morte”, de José Saramago. No romance, a morte decide entrar em greve, o que leva ao colapso de estruturas sociais, de saúde, governamentais e até funerárias, escancarando a dependência da sociedade em relação ao evento morte.

“O seguro de vida tradicional foi construído em torno da morte. Mas precisamos fazer um movimento para trazê-lo mais próximo da vida. Apostar na longevidade, na manutenção da qualidade de vida e na preservação da dignidade das famílias”, refletiu.

Ela reforçou que a crítica de Saramago à mecanização do sistema – que transforma vidas em cálculos atuariais e probabilidades – é um alerta para o setor. “Nosso desafio é fazer com que o seguro de vida não seja apenas um instrumento financeiro, mas um instrumento humano, justo, claro, acessível e que preserve aquilo que é mais valioso: a vida.”

Fonte: Sonho Seguro

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