Mercado de Seguros

Supremo tribunal Federal decide sobre seguro do SFH

O STJ afetou, em dezembro, dois recursos especiais, a serem julgados pela 1ª seção, com o objetivo de firmar tese jurídica no Tema 1.301. A questão submetida a julgamento é a possibilidade, ou não, de se excluir da cobertura securitária os danos decorrentes de vícios construtivos em imóveis financiados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e vinculados ao FCVS.

Especialistas avaliam que a afetação pode provocar relevantes impactos no setor securitário nacional, sobretudo no que se refere ao seguro habitacional vinculado aos contratos de financiamento imobiliário firmados no âmbito do extinto SFH – Sistema Financeiro da Habitação e dos programas habitacionais que o sucederam, como o atual Programa Minha Casa, Minha Vida.

Até fixação da tese, foi determinada a suspensão da tramitação dos recursos que versem sobre a questão delimitada.

De acordo com o especialista em Direito Habitacional, demais seguros associados ao Sistema Financeiro de Habitação e sócio no Rueda & Rueda Advogados, Janildo Maia, embora bem-intencionada sob o ponto de vista protetivo, a tese do Tema 1.301 exige interpretação prudente e tecnicamente fundamentada, sob pena de inviabilizar a própria função social do seguro habitacional e comprometer o financiamento da moradia no país.

O advogado destaca que, à luz do artigo 757 do Código Civil, o contrato de seguro é aquele por meio do qual o segurador se obriga, mediante pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados. “A interpretação extensiva do STJ, no entanto, tenciona esse dispositivo legal ao considerar como riscos cobertos os vícios construtivos, que, em muitos casos, são imputáveis à má execução da obra pelas construtoras – terceiros que não integram a relação jurídica seguradora/segurado.”

Para Maia, tal deslocamento da responsabilidade para a seguradora fragiliza a lógica atuarial do seguro, desconsiderando o princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e o equilíbrio contratual previsto no art. 421-A do mesmo diploma legal.

“Importante destacar que o artigo 757 deve ser interpretado sistematicamente com os artigos 765 e 768 do Código Civil, os quais estabelecem os deveres de cooperação e lealdade das partes no contrato de seguro e determinam que o segurado perde o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato. Quando as seguradoras são chamadas a cobrir vícios estruturais causados por terceiros (construtoras), sem que esses riscos estejam devidamente contemplados no cálculo do prêmio, instala-se verdadeiro desequilíbrio contratual e um risco sistêmico ao setor.”

Janildo Maia também aponta que, no plano processual, a ampliação da responsabilidade das seguradoras também encontra entraves à luz do princípio da congruência da demanda, previsto no artigo 492 do CPC, que exige que o juiz se mantenha nos limites daquilo que foi pedido pelas partes. Decisões judiciais que impõem a cobertura de vícios construtivos fora do escopo originalmente contratado podem ferir esse princípio, além de gerar insegurança jurídica ao se afastarem dos termos expressos do contrato.

Para ele, a jurisprudência do STJ, apesar de bem-intencionada na proteção do mutuário, deixa de considerar aspectos fundamentais da função social do contrato, prevista no artigo 421 do Código Civil, e da sustentabilidade do sistema securitário, cuja função essencial é o mutualismo. O alargamento das coberturas sem o correspondente ajuste nos critérios técnicos e atuariais coloca em risco a própria continuidade da comercialização do seguro habitacional no país, especialmente em projetos de habitação popular. Como consequência, pode-se comprometer seriamente a execução de políticas públicas que dependem desse mecanismo de garantia para sua viabilização financeira.

“É nesse cenário que a atuação da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) torna-se estratégica. A SUSEP, como autarquia responsável pela normatização e fiscalização do setor de seguros, tem o dever institucional de promover o equilíbrio entre os interesses dos segurados e das seguradoras. Através da edição de circulares, como a Circular SUSEP nº 620/2021, que dispõe sobre as condições contratuais dos seguros de danos, é possível delimitar com maior precisão as obrigações das seguradoras, resguardando o setor de interpretações judiciais excessivamente amplas. Já a CNseg, como órgão representativo do mercado, tem exercido importante papel de mediação e proposição técnica para a melhoria da regulação e do diálogo entre os entes públicos e privados.”

O advogado citou que, do ponto de vista doutrinário, autores como Arnoldo Wald e Sérgio Cavalieri Filho alertam para o perigo de se desvirtuar a natureza do contrato de seguro em prol de interpretações protetivas que comprometem a previsibilidade do sistema. Cavalieri afirma que “a função social do contrato não pode justificar a imposição de obrigações desproporcionais a uma das partes, sob pena de se anular o próprio contrato como manifestação da vontade livre e responsável” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2021).

Contencioso de massa

Janildo Maia ainda pontua que as ações judiciais envolvendo vícios construtivos e cobertura securitária habitacional vêm crescendo exponencialmente, gerando um verdadeiro contencioso de massa que onera não apenas o setor privado, mas também o Poder Judiciário.

O especialista acredita que, a judicialização excessiva, sem um marco regulatório e jurisprudencial equilibrado, compromete a estabilidade do sistema e afasta novos players do mercado, em prejuízo do próprio consumidor que se busca proteger.

“A solução desse impasse exige, portanto, uma atuação coordenada entre o Poder Judiciário, os órgãos reguladores e o mercado segurador. O Judiciário deve aplicar o Tema 1.301 com base na análise concreta do contrato, respeitando os princípios contratuais e os limites legais da cobertura. A SUSEP e a CNseg, por sua vez, devem intensificar sua atuação normativa e institucional para oferecer diretrizes técnicas claras que evitem interpretações judiciais desarmônicas com a natureza do seguro.”

Para ele, a fixação do Tema 1.301 pelo STJ, embora fundada na boa-fé objetiva e na defesa do consumidor, não pode ser interpretada de forma absoluta ou dissociada da realidade contratual e técnica do seguro habitacional. “A persistência de uma jurisprudência expansiva e desarticulada da regulação estatal pode comprometer a viabilidade econômica do setor e colocar em risco políticas públicas essenciais para a promoção do direito fundamental à moradia.”

Fonte: Portal Migalhas

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