Supremo obriga seguro a pagar assalto como acidente de trabalho
Um assalto no percurso de regresso do trabalho a casa é um acidente de
trabalho. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça não deixa margem para dúvidas e rebate todos os argumentos usados por uma seguradora, no caso de uma mulher que perdeu a vida ao ser arrastada para debaixo de um carro, por um homem que pretendia roubar-lhe a bolsa. O assalto aconteceu em 2002, no centro de Braga. O Supremo divulgou a 28 de Março último a decisão que põe fim a uma disputa que se arrastava pelos tribunais e obriga a seguradora a pagar cerca de 17 mil euros ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) e à família da vítima.
Elisabete Alves, 40 anos, empregada de limpeza, caminhava absorta nos seus pensamentos em direcção a casa, na Rua Nova de Santa Cruz, depois de mais um dia trabalho, desta feita nas instalações da Universidade do Minho. Seriam 22.30 horas de um dia banal. Mas num segundo tudo se precipitou. De dentro de um carro em marcha lenta, uma mão alcançou a carteira que Elisabete leva a tiracolo. Instintivamente, a mulher defendeu-se, agarrando-se à bolsa. Resistiu, mas não teve força para se ver livre do puxão. Desequilibrou-se e caiu, mas mesmo assim não largou a mala. Foi arrastada durante metros, aos trambolhões. Acabou por ser projectada para debaixo do carro. As rodas esmagaram-lhe o peito. Morreu quatro meses depois no hospital.
A batalha judicial começou pouco depois nos tribunais de primeira instância, com a seguradora a alegar que a morte aconteceu “devido a razões totalmente estranhas à relação laboral”. “(
) A vítima circulava numa via pública onde não corria qualquer risco específico relacionado com o trabalho, mas tão-somente o risco comum e genérico a todos os que fazem o mesmo percurso”, contrapôs ainda a seguradora para justificar a sua recusa em indemnizar.
Ainda na primeira instância, o tribunal rejeitou a argumentação da empresa, referindo que na definição de acidente de trabalho “estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto gasto habitualmente pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho”.
Da mesma forma seria considerado acidente de trabalho se o mesmo se verificasse “entre o local de trabalho e o local da refeição”, ou “entre o local onde por determinação da entidade empregadora presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual”.
O tribunal fez ainda questão de deixar claro que o conceito legal de acidente de trabalho até vai mais longe, pois também compreende acidentes que ocorram “quando o trajecto normal tenha sofrido interrupções ou desvio determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por acaso fortuito”.
O Tribunal da Relação confirmou este juízo e agora foi o Supremo que categoricamente pôs fim à disputa em favor da família da vítima. “A circunstância de o acidente de trabalho ter resultado de um roubo por esticão perpetrado por terceiro, quando a trabalhadora regressava ao seu domicílio, após ter terminado o trabalho, a pé e pelo trajecto normalmente utilizado, não exclui o direito à sua reparação”, conclui o acórdão do Supremo.
Autor morreu na cadeia
O autor do assalto – um homem de 38 anos que foi julgado e condenado – morreu na prisão e este facto foi tido em conta pelo tribunal, quando se pronunciou pela legitimidade do pedido de indemnização à seguradora. Isto porque ficou definitivamente afastada a possibilidade de ser o autor do assalto (ou alguém por ele) a indemnizar a família da vítima. Detido no dia seguinte ao assalto e condenado a uma pena de 14 anos de prisão, esteve inicialmente preso em Braga, mas foi transferido para a cadeia de Paços de Ferreira, onde foi encontrado morto na sua cela. Suicídio foi a causa apontada na altura.
Fonte: António Soares/Jornal de Notícias