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Será que você está presa em uma relação tóxica consigo mesma?

A maioria de nós, quando pensa em relação tóxica, faz associação a relações amorosas, relações familiares… mas será que você não está presa em uma relação tóxica com você mesma?

Para que você possa entender melhor meu questionamento, vou contar o que aconteceu comigo.   

No começo da minha carreira no mundo corporativo, ao ingressar no emprego dos meus sonhos, em uma empresa multinacional, reparei que as poucas mulheres que chegaram a cargos altos eram impecáveis. As unhas estavam sempre feitas, maquiagem irretocável, cabelo sem nenhum fio branco aparente, roupas que tinham nome e sobrenome, sapatos de sola vermelha, muitas joias e bolsas de marcas europeias. 

Na minha inocência de menina que queria pertencer, que queria ser aceita naquele meio, minha conclusão imediatamente foi: não basta ser inteligente e competente, preciso ser perfeita como elas, preciso parecer com elas, preciso parecer bem-sucedida. E assim eu entrei em um círculo vicioso em que, cada vez que a promoção chegava, eu aumentava os meus gastos para parecer bem-sucedida e ser aceita em um novo círculo de relacionamento de pessoas bem-sucedidas.   

Não importava o quão competente eu era, o quão inteligente eu era, quanto mais minha carreira deslanchava, mais eu tinha certeza de que a receita para o meu sucesso profissional dependia de ser aceita naquele seleto grupo de pessoas e que eu só pertenceria àquele grupo se mantivesse a minha imagem de pessoa bem-sucedida, ainda que isso me custasse entrar no cheque especial.

O ponto da virada na minha história foi uma pergunta inocente que eu fiz para um amigo em um almoço, para puxar papo: “por que as pessoas sonham tanto em alcançar o primeiro milhão?”

E ele, que apesar de ter começado a carreira quase na mesma época que eu, já tinha passado dessa fase, me explicou sobre renda passiva, juros compostos, nada diferente do que eu já tinha lido ou outras pessoas já tinham me explicado, mas acrescentou algo no final da explicação que mudou totalmente a minha forma de pensar.  

Ele disse que quando eu tivesse uma renda passiva que cobrisse os meus custos básicos, eu não seria mais tão dependente do meu emprego. Ok, até aqui eu já tinha ouvido várias vezes.

Mas, então, ele acrescentou: “E quando isso acontecer, você provavelmente vai se tornar uma profissional melhor, já que as suas decisões não vão estar presas no seu medo de perder o emprego por qualquer coisa”.  

Era isso! Era tão óbvio, mas alguém precisava me dizer. Eu teria muito mais sucesso na minha carreira se eu alcançasse a minha liberdade financeira.

Depois desse almoço eu comecei a pensar em como alcançar o meu primeiro milhão. 

Mas como fazer isso se eu só tinha uma única fonte de renda e ela era inteiramente consumida para manter a minha imagem? Aumentar a fonte de renda era quase impossível, pois minha rotina no trabalho consumia muito mais que 8 horas diárias.

Então eu me dei conta que meu plano não passava por uma conta de mais e sim por uma conta de menos. Eu não precisava ganhar mais, eu precisava urgentemente gastar menos!

Foi como se a minha cabeça criasse um paradoxo: eu precisava gastar menos para alcançar a liberdade financeira e ser bem-sucedida. Mas, gastar menos significava abandonar a minha imagem do que era ser bem-sucedida. Como era possível ser bem-sucedida sem me sentir bem-sucedida?  

Aos poucos eu fui aceitando que a imagem que eu tinha criado era distorcida e estava me impedindo de alcançar de fato o objetivo de ter a independência financeira que me levaria ao sucesso profissional.

Era uma relação tóxica comigo mesma: a minha necessidade de aceitação abalou minha autoconfiança, pois eu dependia do que eu achava que os outros iam pensar de mim.   

Todos ao meu redor já me viam como uma pessoa de sucesso, pela minha competência, pela minha inteligência e, é claro, também pela minha aparência. Mas, na minha cabeça eu não era uma pessoa bem-sucedida enquanto eu não tivesse aquela bolsa, aquele casaco, aquele brinco, aquele carro.

Sair desta relação não foi fácil. A todo momento eu tinha que me lembrar quem eu era, que era bem-sucedida, que eu ganhava dinheiro suficiente para comprar isso ou aquilo, mas que eu não ia comprar porque não precisava e porque tinha um projeto maior.   

Para minha sorte, nesta mesma época o movimento minimalista começou a ser difundido no Brasil e eu acabei pegando carona nele para criar um discurso interno e externo sobre as minhas escolhas.

Aos poucos consegui equilibrar as finanças, ver o sucesso de outra forma e construir outra imagem pessoal. Minha relação comigo mesma melhorou muito, mas, volta e meia, é assombrada pelo medo de não pertencimento, pelo medo do julgamento alheio, mas eu me esforço para me lembrar de quem eu sou e das escolhas que eu fiz, e sigo em frente.

Às vezes me pergunto, quantas pessoas convivem com essa relação tóxica consigo mesmas e olham para elas e enxergam que há algo de errado e que dá para mudar?   

Marcia Tiemi Takakura

Advogada, formada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Márcia iniciou sua carreira no mercado de telecomunicações e depois migrou para o setor de seguros, onde atuou na SulAmérica, Zurich, MetLife e atualmente é Vice Presidente Jurídica e de Compliance da EZZE Seguros.

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