Selic na casa de 6% entra no radar do mercado
O mercado financeiro já trabalha com a possibilidade de a taxa Selic ficar perto ou mesmo abaixo de 7% ao longo dos próximos meses. Ontem, os Juros futuros tiveram alívio moderado, longe de causar acionamentos de ordens automáticas de vendas ou rompimento de suportes técnicos. Mas ainda assim o movimento chamou atenção, especialmente após as baixas já ocorridas recentemente, que levaram as taxas dos vencimentos de curtíssimo prazo a mínimas históricas.
A queda do prêmio relacionado à política monetária ocorreu no dia seguinte a comentários do diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Viana. Conforme publicado pelo Valor, Viana disse a economistas que o BC não necessariamente precisa encerrar o ciclo de alívio monetário em “escadinha” – ou seja, desacelerando a magnitude dos cortes. O diretor também reconheceu a possibilidade de o Banco Central precisar normalizar a política monetária no ano que vem.
Numa semana em que a inflação voltou a surpreender para baixo e o governo obteve avanços na agenda de reformas, operadores interpretaram os comentários de Viana como um sinal de que os Juros podem cair mais. O entendimento foi que o diretor do BC “chancelou” as expectativas de quem já via o juro básico perto de 7%. E se a fragilidade da atividade econômica é um dos argumentos que respalda juro na mínima histórica, dados de crédito reportados ontem pelo BC revelaram riscos de a retomada da economia levar ainda mais tempo. As concessões de crédito para empresas – em parte relacionadas a planos de investimentos – caíram 23,3% entre junho e julho, em termos nominais. O desempenho foi ainda pior que o registrado entre junho e julho do ano passado (-17,9%).
Uma análise mais fundamental da parte dos analistas sugere que surpresas de baixa na inflação e na atividade econômica abrem espaço sim para o juro testar o território de 6%. E as primeiras revisões já apareceram.
Com os mercados próximos do fechamento, a gestora Quantitas informou ter reduzido de 7% para 6,5% sua estimativa para a meta Selic ao fim de 2018, em cenário básico. A taxa terminal será alcançada já em fevereiro do ano que vem. Num cenário alternativo, no entanto, a taxa poderia atingir 6% já em março de 2018. Para o fim de 2017, a Selic projetada segue em 7%. Dois pontos justificam a mudança de “call” da Quantitas: surpresas “positivas” com a inflação e o modelo do BC – que indicaria IPCA ainda abaixo do centro da meta em 2018.
A Icatu Vanguarda mantém expectativa de que a Selic vá a 7% até o fim deste ano, mas não descarta – também em cenário alternativo – que o juro caia abaixo desse patamar. O economista-chefe da gestora, Rodrigo Melo, lembra que a inflação tem surpreendido para baixo. A mediana das estimativas de analistas consultados pelo Banco Central para a pesquisa Focus indica IPCA de 0,47% em agosto. O economista, no entanto, diz que os dados recentes sinalizam que o índice está “mais para 0,30%”.
Melo estima que o Copom reduzirá o juro em 1 ponto percentual no próximo dia 6 de setembro. Em 25 de outubro, o declínio será de 0,75 ponto. Em 6 de dezembro, o BC cortará a Selic em 0,50 ponto. O “call de escadinha”, segundo ele, é justificado por ser a trajetória “natural” de encerramento de ciclo monetário.
Da curva de Juros veio outra evidência de que o mercado atribuiu mais chances de Juros menores nos próximos meses. A diferença entre as taxas de DI para janeiro de 2019 e janeiro de 2018 – uma “proxy” das expectativas em relação aos movimentos da Selic ao longo de 2018 – caiu a -4,5 pontos-base, mínima em nove dias.
O alívio, porém, chegou a ser mais intenso. No fim da tarde a inclinação estava em -6 pontos-base. Embora admitam chances de a Selic atingir um patamar terminal mais baixo, os profissionais consultados entendem que a mensagem do BC sobre maior liberdade na condução do fim do ciclo de alívio monetário não é exatamente nova. Por isso, uma ala do mercado ainda se mostra reticente em prever Juros muito mais baixos que 7,5% – atual projeção da Focus e mesma taxa embutida nos contratos de DI negociados na BM&F.
O profissional de uma gestora estrangeira diz que cortar o juro a 7,5% já seria “um pouco agressivo”. Mesmo reconhecendo a fraqueza da economia, esse gestor chama mais atenção para os problemas fiscais, que continuarão, na opinião dele, a limitar queda do juro neutro – aquele que permite crescimento econômico sem inflação. “O juro neutro está mais perto de 8,25% e sinceramente não vejo muito mais espaço para a inflação surpreender para baixo”, diz.
Fato é que, na curva a termo, o spread entre os DIs para janeiro de 2023 e janeiro de 2019 – uma medida do risco de longo prazo, mais associado a temas fiscais – voltou a renovar uma máxima em três anos e meio. A inclinação alcançou ontem 207 pontos-base. A título de comparação, na primeira quinzena de maio – antes, portanto, da crise política -, essa medida não passava de 100 pontos-base.
Fonte: Valor
