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Seguro contra terror atrai cada vez mais iraquianos

Muhammad Said sobreviveu a dois atentados no ano passado, que deixaram seu
carro crivado de balas. Ele trabalha em tempo parcial como guarda-costas de
seu pai, vereador em Bagdá, e ajuda um amigo que trabalha sob contrato para
as Forças Armadas americanas. Seus dois empregos têm alto grau de
periculosidade.
No ano passado, Said, um rapaz de 23 anos de corpo esbelto e rosto de
criança, fez o que vêm fazendo um número pequeno, porém crescente, de
iraquianos: entrou no escritório da Companhia de Seguros do Iraque e comprou
uma apólice de seguro contra terrorismo. Parece uma apólice comum de seguro
de vida, mas tem uma página adicional que inclui cobertura para “os
seguintes riscos: 1) explosões provocadas por armas de guerra e
carros-bomba; 2) assassinatos; 3) ataques terroristas”.
A apólice lhe custou 125 mil dinares, ou cerca de US$ 90. Em função de sua
ocupação de alto risco, Said pagou mais do que a maioria das pessoas. Se ele
morrer, o prêmio é de 5 milhões de dinares, ou cerca de US$ 3.500, mais ou
menos o que um policial iraquiano recebe em um ano.
Especialistas em seguros dizem que a garantia parece ser a primeira apólice
geral contra terrorismo no mundo. Na maioria dos países não há necessidade
disso: a morte em decorrência de terrorismo é suficientemente rara para ser
coberta pelos seguros comuns contra acidentes. No Iraque, porém, isso não
acontece, em parte porque, no passado, o Estado indenizava diretamente as
famílias de vítimas de guerra. Há um ano, a Companhia de Seguros do Iraque
passou a preencher essa lacuna.
“Será que valho apenas 5 milhões de dinares?” perguntou Said, em tom
cansado, depois de assinar sua apólice. “Essa não é uma solução. Mas nós,
iraquianos, podemos ser atacados por qualquer pessoa, bastando para isso
estarmos andando na rua: americanos, insurgentes, o Exército iraquiano.” O
prêmio não é grande, nem mesmo pelos padrões do Iraque. Mas, num país em que
o terrorismo faz centenas de vítimas a cada mês e onde ninguém pode contar
com o governo ou os empregadores para prover a subsistência da família após
sua morte, a idéia parece ter futuro.
Nos últimos 12 meses a Companhia de Seguros do Iraque, um grupo estatal,
vendeu cerca de 20 apólices pessoais de seguro contra terrorismo. Agora a
empresa está negociando com vários ministérios do governo e empresas
privadas a criação de apólices de grupo que poderão garantir cobertura a
milhares de funcionários.
A idéia de segurar cidadãos comuns na região que talvez seja a mais violenta
do mundo foi de Abbas Shaheed al Taiee, um executivo da seguradora. “É uma
espécie de presente à população iraquiana”, disse Shaheed, 53 anos, um homem
grande e robusto com olhos muito sérios e fama de ser vendedor magistral.
“Ampliamos os princípios do seguro de vida para cobrir tudo o que acontece
no Iraque.”
O espantoso é que, até agora, a empresa não precisou pagar um único seguro.
“Já vendemos apólices em Dawra, Ramadi e Fallujah”, disse Shaheed, citando
alguns dos pontos mais perigosos do país. “O contrato é um talismã de boa
sorte.”
Shaheed (mártir, em árabe) emana uma aura de seriedade e confiabilidade que
deve ser um trunfo para alguém no seu ramo. Ele gerencia uma equipe de cerca
de 50 vendedores que atuam em todo o país, mas também vende as apólices ele
próprio, viajando de um local de trabalho a outro, como uma espécie de
mensageiro da morte burocrático.
Ele diz que a apólice contra terrorismo não faz distinção entre quem dispara
os tiros ou detona as bombas. Ele se disporia sem problemas a vender o
seguro a um insurgente, embora, pelo que saiba, ainda não o tenha feito.
“Isto é um mercado”, disse ele, em seu barítono grave. “Não existem
diferenças. Avaliamos os bolsos dos clientes.”
Nos EUA e na Europa, as seguradoras oferecem apólices feitas sob medida para
organizações que enviam funcionários a lugares perigosos do mundo, incluindo
o Iraque (alguns órgãos de imprensa, por exemplo, fazem seguros desse tipo
para seus repórteres). Mas essas apólices são adaptadas às atividades e aos
riscos de cada empresa e, geralmente, custam caro.
De acordo com Robert Hartwig, economista-chefe do Instituto de Informações
sobre Seguros, em Nova York, a idéia de um seguro de vida padronizado que
inclua o risco de terrorismo parece não ter precedentes. Outros
especialistas em seguros concordam que a apólice iraquiana é inovadora, mas
não a qualificariam como bom negócio para o segurado. “No contexto
americano, o preço do seguro é excessivo”, disse Robert Hunter, diretor de
seguros da Federação de Consumidores dos EUA, que congrega grupos de defesa
dos direitos dos consumidores. “Nos EUA você pode comprar uma cobertura de
seguro de vida de US$ 100 mil por algo entre US$ 125 e US$ 150″,
especialmente no caso de um jovem saudável de 23 anos, disse ele. “E esse
seguro independeria da causa de sua morte.”

Fonte: Folha de São Paulo

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