Seguradoras aguardam definição de regras
A adoção do International Financial Reporting Standards (IFRS) na indústria de seguros e resseguros ainda está em discussão em todo o mundo. Mas isso não tira a urgência do tema para as empresas do setor, pois mesmo antes de aderir ao padrão internacional até 2010, elas correm para adaptar a divulgação dos balanços à Lei 11.638, aprovada em 2007. Em fevereiro de 2009, por exemplo, uma vez que todas as seguradoras são sociedades anônimas, elas terão de apresentar o balanço deste ano já com as modificações. O próximo passo será o padrão internacional.
Trata-se de um setor com uma forma diferenciada para contabilizar seus dados financeiros pela peculiaridade e características dos produtos que vende: proteção contra imprevistos. As companhias de seguros e de resseguros arrecadam prêmios, ou seja, valores pagos pelos segurados em troca de proteção de riscos. Elas ficam com um percentual do risco e repassam parte às resseguradoras.
Os recursos administrados serão devolvidos aos segurados em forma de indenização na ocorrência de um acidente. Parte da indenização pode voltar à seguradora em forma de recuperação de bens ou por processos judiciais, como encontrar um carro roubado ou obter reembolso do causador de um acidente ou incêndio, por exemplo. Caso o risco não se concretize, o prêmio pode virar lucro da companhia.
Para garantir que terão reservas para pagar o segurado no futuro, elas são obrigadas a fazer provisões técnicas e aplicar os recursos conforme determinações dos órgãos reguladores. Dessa aplicação virá outra parte do ganho das companhias. Ou perdas, como tem acontecido mundialmente em razão das catástrofes naturais e prejuízos com ativos financeiros.
Diante desta engenharia financeira, o IFRS é um tema com grande controvérsia entre os especialistas mundiais em contabilidade e parece estar longe de um consenso. Para não perder tempo, o International Accounting Standards Board (IASB) emitiu norma provisória, o IFRS 4, publicada em 2005. Após quase dois anos em discussão, em 2007 teve início a fase II deste projeto. O objetivo é introduzir mudanças na contabilização do seguro para mensurar passivos de uma forma mais consistente, avaliando os contratos de seguro pelo conceito de valor justo, assim como os demais segmentos da economia.
“A discussão sobre a contabilização das operações de seguros está aquecida em todo o mundo. Não há ainda um consenso sobre como e quando apurar os resultados e as obrigações de uma seguradora em função dos contratos de seguro que emite”, explica José Rubens Alonso, sócio da KPMG, auditoria responsável pela implementação do projeto IFRS no grupo Bradesco. Segundo informações da Deloitte, as diferenças no modo como os seguros são contabilizados são muito grandes de país para país, dificultando a comparação de resultados entre as seguradoras de diversas nacionalidades, que juntas arrecadaram prêmios superiores a US$ 4,2 trilhões em 2007.
Samuel Monteiro, diretor administrativo e financeiro da holding Bradesco Seguros, questiona a eficiência das regras contábeis internacionais. “A crise já eliminou o equivalente a US$ 1,3 trilhão, segundo informou o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, nesta semana. O equivalente ao PIB do Brasil. E onde está a eficiência das regras, sejam elas US Gaap ou IFRS?”, indaga Monteiro. “Não deu certo nos EUA, não deu certo na Europa. A idéia de convergir é muito boa para ter comparabilidade. Mas o que vemos é esta crise e me faz querer voltar ao conservadorismo do passado”, acrescenta o executivo, que freqüentemente participa de reuniões em outros países sobre normas contábeis.
Para Monteiro, o IFRS não reflete de forma real a solvência de uma companhia, uma vez que o padrão define princípios para qualquer ativo. “Nas discussões técnicas que tenho acompanhado, posso perceber claramente que a adoção sem as devidas ressalvas vai gerar problemas”, diz. Um exemplo citado pelo executivo são as contas a pagar e a receber de resseguro. “Elas não se compensam, pois as normas inflam ativos e passivos, sem corresponder à realidade. Outro “defeito” que ainda está em discussão se relaciona a perdas. “Elas só serão consideradas se forem efetivamente realizadas. Mas o fato de o sinistro não ter sido pago, porém avisado pelo segurado, para mim já significa perda”, diz.
Outro aspecto que preocupa o executivo da Bradesco é que apenas contadores e consultores estão examinado os efeitos da implementação do IFRS. “As pessoas relacionadas aos negócios não estão atentas para isso. Está tudo em âmbito técnico, sem saber qual o efeito nos números das companhias e de todo o mercado”, se queixa. Segundo ele, “tudo que é bom e ruim vai para o mundo inteiro, como as hipotecas de alto risco, os derivativos. Vamos voltar ao brazilian Gaap. Vamos ser conservadores. No Brasil jamais aconteceria um colapso como o da AIG em razão do conservadorismo das regras a que somos submetidos.”
Apesar de a discussão ainda estar em andamento mundialmente, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), responsável por fiscalizar a indústria de seguros, corre contra o tempo para preparar normas de adaptação das seguradoras. A previsão é de que as regras sejam divulgadas em outubro. O levantamento feito até agora mostra acalorada discussão em torno de VGBL e PGBL. Uns afirmam que estes produtos de acumulação de renda devem ser catalogados como investimento. Outra corrente defende que se mantenham como seguro. “Não tenho dúvida que é um produto de seguro, porque tem uma tábua atuarial usada para definir o valor que o participante receberá quando se aposentar”, defende Monteiro.
A migração desses produtos da indústria de seguros para a área financeira faria a participação do setor no PIB cair de 3% para a metade em razão do VGBL, um produto de acumulação de renda. Tal definição muda muito a apresentação do balanço, bem como a lucratividade das companhias. “Explicar tais alterações aos analistas será um grande desafio”, acredita Sérgio Borriello, diretor vice-presidente financeiro da SulAmérica.
Algumas seguradoras, como Bradesco, SulAmérica e Marítima já iniciaram o processo de diagnóstico do IFRS. O Bradesco contratou a KPMG para fazer o diagnóstico para todas as empresas do grupo, incluindo as seguradoras, que representam mais de 30% do lucro do conglomerado. “Para temas que já estão solucionados já estamos fazendo a implementação. Para os polêmicos, vamos aguardar definição”, diz.
A SulAmérica, que em outubro do ano passado captou R$ 775 milhões com seu IPO, contratou em fevereiro deste ano Borrielo, que tem como principal desafio viabilizar a migração de modelo contábil. A consultoria Deloitte foi contratada para assessorar a seguradora com a análise e implantação do modelo. Segundo o executivo, adiantar-se à migração para o IFRS é uma decisão ligada à estratégia da empresa.
Fonte: Valor