Rever gastos é indispensável, diz Planejamento
Os gastos públicos no Brasil demandam uma profunda revisão e um amplo debate sobre a conveniência de manter a existência de alguns programas que levam ao crescimento das despesas obrigatórias. A avaliação foi feita ao Valor pelo secretário-executivo adjunto do Ministério do Planejamento, Rodrigo Cota. “Ela é necessária, é inevitável”, disse. O técnico ressaltou que a crise política na qual entrou o governo nas últimas semanas não atrapalha esse processo. “De jeito nenhum, estamos trabalhando normalmente”, disse.
Ele destaca que neste mês, dentro do processo de revisão dos gastos, o governo iniciará um amplo cruzamento de dados envolvendo o Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujo ritmo de crescimento tem sido mais acelerado até que o da Previdência. Cota explicou que nessa revisão vai se verificar o pagamento de benefícios para idosos em famílias cuja renda per capita é maior do que a exigida para o ingresso no programa.
O técnico lembra que há oito anos esse programa não tem revisão e que muitas famílias podem ter melhorado de renda e não fariam jus ao benefício. “O BPC é benefício assistencial, não previdenciário. A pessoa não contribuiu para isto e tem que receber enquanto perdurar a questão de fragilidade econômica e miserabilidade da família”, disse o secretário adjunto.
Autor de um estudo sobre a evolução das despesas obrigatórias e como elas estão comprimindo o espaço de outros gastos, Cota explica que o governo atual começou atacando de forma emergencial alguns grupos de despesas que tinham claras distorções, como auxílio-doença, pouco depois entrou na fase de “ajuste fino”, com avaliação da produtividade e efetividade de outros dispêndios, como saúde e educação. Ambas as etapas ainda estão em pleno vigor.
Para ele, inevitavelmente, o governo terá que partir para uma terceira fase, na qual irá discutir se alguns programas valem a pena continuar existindo. Sem mencionar diretamente os programas que devem ser objeto de revisão, ele lembrou que já houve discussões no passado, por exemplo, sobre o fim do abono salarial, uma despesa obrigatória do governo.
Cota também diz acreditar que, mesmo nesse ambiente de crise política, a reforma da Previdência avançará. Segundo ele, trata-se de uma necessidade, em especial no regime do teto de gastos, no qual a expansão das despesas obrigatórias, sendo a Previdência a mais elevada e com alta acima da inflação, vai comprimindo outros gastos, como os investimentos públicos. Ele defende o novo regime fiscal e fala que, sem esse limite, as alternativas seriam alta de carga tributária e um excesso de endividamento, prejudicando a capacidade de crescimento do país.
No estudo apresentado por ele neste ano, a Previdência representa metade do orçamento federal. Somada ao BPC, bolsa-família, saúde, educação, amparo ao trabalhador (como seguro-desemprego e abono) e pessoal, as despesas obrigatórias chegam a 83,5%. Se forem consideradas algumas discricionárias que na prática são obrigatórias, esse indicador chega a 90,5%, deixando um espaço muito restrito para outras despesas.
“O desafio é que se tenha uma discussão mais qualificada sobre a composição da despesa pública. A sociedade precisa julgar onde quer fazer o gasto”, disse Cota, lembrando que nos Estados Unidos, por exemplo, esse tipo de debate sobre políticas públicas é muito mais aberto, como ocorreu recentemente na discussão sobre a continuidade do chamado “Obamacare”, o sistema de saúde implantado pelo ex-presidente Barack Obama. “A discussão sobre o gasto é muito precária no Brasil”, acrescentou, lembrando ainda que falta consciência de que as despesas públicas são financiadas com impostos.
Na visão de Cota, a sociedade precisa estar mais bem informada sobre os gastos porque ela efetivamente influencia a percepção dos parlamentares sobre o tema. “Se a sociedade estiver mais bem informada ela influenciará melhor o seu parlamentar”, disse.
Fonte: Valor