Recuo disseminado na inflação sanciona juro menor
O primeiro é o comportamento dos preços de alimentos, um efeito da supersafra de grãos. Em maio, o grupo de alimentos e bebidas do IPCA recuou 0,35%, derrubando a variação acumulada em 12 meses para 2,4%. Em agosto do ano passado, esses preços haviam subido 13,9% em 12 meses.
A recuperação tímida da atividade, num cenário de desemprego elevado, tem se traduzido na queda expressiva de diversos componentes da inflação. Em maio, os preços de serviços e os núcleos do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mostraram mais uma vez uma desaceleração contundente, deixando claro que a desinflação é disseminada, não se devendo apenas ao choque favorável sobre as cotações de alimentos.
Nesse cenário, vários analistas acreditam na possibilidade de o IPCA encerrar 2017 perto de 3,5% e 2018 próximo de 4%, considerando possível os juros terminarem o ano em cerca de 8% – hoje, a Selic está em 10,25% ao ano. Com isso, uma parte maior do mercado passou a apostar que, mesmo com a crise política, o Comitê de Política Monetária (Copom) poderá manter o ritmo de corte da taxa em 1 ponto percentual na reunião de julho, em vez de reduzi-lo para 0,75 ponto, como foi cogitado no encontro do fim de maio.
O economista Gustavo Arruda, do BNP Paribas no Brasil, aponta dois motivos para a queda significativa da inflação. O primeiro é o comportamento dos preços de alimentos, um efeito da supersafra de grãos. Em maio, o grupo de alimentos e bebidas do IPCA recuou 0,35%, derrubando a variação acumulada em 12 meses para 2,4%. Em agosto do ano passado, esses preços haviam subido 13,9% em 12 meses.
O outro motivo é a fraqueza da atividade econômica, que demora a se recuperar de modo mais robusto, diz Arruda, lembrando do desemprego elevado. Nos três meses até abril, a taxa de desocupação ficou em 13,6% alcançando 14 milhões de trabalhadores.
Arruda destaca o comportamento favorável da inflação subjacente de serviços, que exclui os grupos de turismo, serviços domésticos, cursos e comunicação. “Essa medida é mais sensível à política monetária”, diz ele. Nos 12 meses até maio, a inflação subjacente de serviços acumula alta de 4,5%, metade dos 9% registrados até maio de 2016, na mesma base de comparação.
A evolução dos núcleos também tem sido bastante favorável, confirmando que o processo de desinflação não é localizado. Essas medidas buscam eliminar ou reduzir a influência dos itens mais voláteis. No acumulado em 12 meses, a média de três núcleos do IPCA calculados pela LCA Consultores recuou de 8,55% em maio de 2016 para 4,49% em maio deste ano, encostada na meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 4,5%.
Nos 12 meses até maio, o IPCA “cheio” sobe 3,6%, devendo seguir em desaceleração nos próximos meses. Em junho, deve haver uma deflação de 0,1% do indicador, o que vai levar para 3,1% o acumulado 12 meses, diz Arruda. Em agosto, essa medida deve cair abaixo de 3%, atingindo 2,75%, segundo ele.
Para Arruda, os juros vão cair até 8% no fim deste ano, continuando a recuar no ano que vem, até atingir 7% no fim do primeiro trimestre. O BNP Paribas apostava que os 7% poderiam ser alcançados ainda neste ano, mas passou a acreditar que isso vai levar alguns meses. Essa mudança ocorreu depois que, na reunião de maio, o Copom ressaltou as incertezas sobre o processo de reformas, acenando com a possibilidade de diminuir o ritmo de corte da Selic. É um efeito colateral da nova crise política.
Para Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria, a taxa Selic terminará o ano em 8,25%, mas o BC “tem espaço para baixar mais” os juros. A 4E está na ponta mais pessimista das estimativas de atividade. A consultoria calcula que o PIB terá contração de 0,1% neste ano. Além disso, diminuiu a alta esperada para o ano que vem, de 2,5% para 1,2%.
Com a atividade em lenta recuperação e um quadro inflacionário favorável, ele acredita que os juros podem terminar o ano entre 7% e 8% sem pressionar demasiadamente os preços. Para Jensen, o segundo semestre deve apresentar índices de inflação com núcleos bem comportados, perspectivas favoráveis para preços de alimentos e continuidade da desinflação de serviços. A 4E revisou para baixo sua estimativa de IPCA deste ano, de 4,2% para 3,9%.
Uma outra boa notícia é o comportamento do índice de difusão. Esse indicador, que mostra o percentual de itens em alta no mês, também confirma um quadro de pressões inflacionárias menos disseminadas no IPCA, tendo recuado de 60,6% em abril para 51,7% em maio.
Há analistas, porém, que veem motivos para o BC ser mais cauteloso na condução da política monetária, como José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, o Banco Central ainda deve “ir devagar” no movimento de recuo dos juros diante das incertezas do mercado.
Se o Banco Central reduz demais o juros agora, acreditando que a situação econômica está muito ruim e a pressão inflacionária está muito boa, e o cenário político piora, a autoridade monetária pode ter que voltar atrás, o que seria muito ruim para o país, afirmou Senna.
Fonte: Valor
