Real está preparado para efeito Trump
Apesar das projeções mais pessimistas não se confirmarem, com as moedas emergentes apresentando uma performance positiva frente ao dólar após a vitória de Donald Trump nos EUA, o estrategista para emergentes do UBS baseado em Londres, Manik Narain, afirma que ainda há riscos no cenário, com o Federal Reserve (Fed, banco central americano) podendo sinalizar um aperto maior de juros dependendo da política fiscal de Trump. Isso deve afetar mais as moedas emergentes que as de países desenvolvidos. O banco, contudo, vê o real bem colocado no mercado, destacando a melhora dos fundamentos do Brasil. Embora a taxa de retorno com a moeda brasileira já não esteja tão excepcional, os juros reais continuam atraentes, uma vez que, apesar do corte de juros, a queda da inflação tem mantido os retornos interessantes para os padrões globais. A expectativa do UBS é que o dólar caia a R$ 3 no fim de 2017.
Valor: Temos visto uma perda de força do dólar frente às moedas emergentes após a eleição americana, a despeito da incerteza sobre o governo Trump. Quais fatores explicam esse movimento?
Manik Narain: Há alguns fatores que ajudam explicar a performance do dólar. Primeiramente, temos visto um fortalecimento dos preço das commodities desde a eleição americana, especialmente do cobre, minério de ferro e mesmo do petróleo, o que tem dado suporte para as moedas emergentes. Segundo, a moeda chinesa tem sido administrada de forma ponderada, o que também ajuda a dar confiança de que o país não está prestes a começar uma guerra cambial, mesmo com o risco do Fed intensificar a alta de juros nos EUA. E em terceiro lugar, também tem crescido, em parte, o ceticismo sobre se o Trump será bem-sucedido em estimular a economia dos EUA. Então, por exemplo, as taxas de juros reais nos EUA têm recuado novamente e a curva de juros americana está achatada desde o resultado da eleição americana. Na em medida em que parece haver algum atraso na legislação sobre o estímulo para infraestrutura e das reformas fiscais temos visto um alívio para os emergentes. Se isso vai durar, é uma questão difícil saber. Há mudança quase todos os dias.
Valor: Quais os principais riscos para as moedas emergentes?
Narain: Alguns dos principais riscos são: número um, se nos próximos meses, quando a nomeação da equipe de Trump estiver concluída, eles começarem a se concentrar na política comercial e no ajuste das tarifas aduaneiras. Isso não está nos preços das moedas emergentes, com exceção do peso mexicano. Em segundo lugar, precisamos ver a dinâmica do Fed. Os mercados esperam que o Fed não suba a taxa básica de juros em março, refletindo menos de 20% de probabilidade de uma elevação mês que vem. Mas se o estímulo fiscal for esclarecido pelo governo Trump no próximo mês, o Fed poderia possivelmente mudar o seu tom, provocando uma mudança na não só na parte curta da curva dos Treasuries [títulos do Tesouro americano], mas também das taxas mais longas que podem subir e trazer riscos para as moedas emergentes. Por fim, a economia chinesa está estável neste início do ano, mas há algum risco do mercado imobiliário na China começar a atingir o pico, o que poderia levar a uma correção dos preços de algumas commodities como o minério de ferro ou do carvão, que têm estado extremamente fortes nos últimos três a quatro meses.
Valor: Qual o impacto do governo Trump para a política monetária americana? Há risco de uma alta da taxa básica de juros maior que a refletida no mercado?
Narain: É possível. O mercado reflete hoje cerca de duas altas de juros para este ano nos EUA. A projeção do Fed é de três elevações para este ano. O cenário-base do UBS é de duas altas de juros neste ano, mas há o risco de os planos ficais serem antecipados e a reforma tributária buscada ser bastante agressiva, o que poderia acelerar o passo do aperto monetário pelo Fed neste ano. Mas na nossa visão, a parte mais longa da curva de juros americana não seria vulnerável a isso, porque ainda é necessário aguardar o quanto as políticas de Trump afetarão as taxas de juros de longo prazo. Achamos que a taxa de juros de dez anos, por exemplo, não deve subir tão agressivamente neste ano a menos que os estímulos fiscais sejam muito grandes, o que não é nosso cenário.
Valor: A eleição presidencial na França, com o primeiro turno marcado para 23 de abril, é um risco para as moedas emergentes?
Narain: Certamente é. Obviamente, está ficando mais incerto nos últimos dias como a eleição será. Acrescente-se a isso, o fato da França ser um dos principais agentes políticos e econômicos na Europa e, após o Brexit [votação pela saída do Reino Unido da União Europeia] no ano passado, o mercado certamente gostaria de confiar que essa dinâmica não acontecerá na França. Estamos confiantes de que a eleição resultará em uma votação favorável ao mercado, mas há certo risco não apenas para os mercados emergentes, mas para os mercados globais em geral. Para os mercados emergentes, o impacto seria negativo para as moedas, mas achamos que o Banco Central Europeu (BCE) provavelmente acelerará o programa de estímulos se os mercados ficarem muito voláteis. E isso poderia ser um fator para mitigar o efeito para esses países. Mas ainda esperamos um impacto negativo para esses ativos com o aumento do prêmio de risco com a eleição na França.
Valor: Quais moedas emergentes são mais vulneráveis à política de Donald Trump?
Narain: A sensibilidade às políticas do Trump vai depender de cada mercado. Na nossa visão, o Brasil está bem posicionado em termos relativos comparado com outros emergentes, com uma taxa de juros real mais alta, déficit em conta corrente perto de zero e o cenário para investimento estrangeiro direto bastante forte. A agenda de reformas do governo ainda tem dado suporte ao mercado. Então, o Brasil está relativamente bem colocado no mercado, assumindo que a China não seja um alvo tão agressivo da administração Trump, pois se a China sofrer uma pressão, o Brasil também sofrerá. Achamos também que a Rússia deve permanecer estável. Além do petróleo, a economia russa deve passar por uma recuperação e a dinâmica política entre EUA e Rússia parece estar melhorando e o foco na busca pela meta de inflação do banco central, assim como no Brasil, dá aos ativos locais suporte para navegar com riscos extras com o governo Trump.
Valor: O ciclo de corte de juros torna o real menos atrativo?
Narain: Em certa extensão, sim. Como resultado do ciclo de afrouxamento estamos vendo que o retorno disponível quando compramos o real já não está mais tão excepcional comparado a outros mercados emergentes, com os investidores podendo obter uma taxa de retorno mais alta em outros lugares como na Turquia. No entanto, enquanto as taxas de juros nominais no Brasil têm caído com o Banco Central cortando a taxa Selic, as taxas de juros reais ainda estão bastante atrativas porque a inflação também tem recuado. Achamos que as taxas de juros reais ainda estão bastante interessantes para os padrões globais e que há espaço para um declínio maior. Isso provavelmente vai tirar algum apelo da moeda, mas terá menos impacto para o mercado de bônus em que os papéis ainda estão bastante atrativos.
Valor: Qual a sua projeção para o real nesse cenário?
Narain: A nossa projeção é de um dólar a R$ 3 para este ano e de R$ 3,10 para 2018. Vemos o real ligeiramente mais fraco no ano que vem por causa dos risco crescentes com a China e com os preços de commodities.
Valor: Peter Navarro, chefe do Conselho Nacional de Comércio dos EUA, disse que o euro estaria subvalorizado. Trump já acusou a China e o Japão de manipulação das moedas. Como o senhor vê a política cambial de Trump?
Narain: É bastante incerto como será o rumo disso e também dependerá de quanto estímulo fiscal e qual reforma tributária o governo americano fará. Dado que o mercado de trabalho nos EUA está perto do pleno emprego, se ele implementar um estímulo fiscal forte o dólar se fortalecerá. Com o mercado de trabalho apertado e com a folga diminuindo, as taxas de juros devem subir. Achamos que o fundamento econômico provavelmente importará mais do que a retórica sobre a moeda. O diferencial de taxas tem sido o ponto-chave para o dólar. E, por isso, é importante ver que a economia europeia tem ido muito bem nos últimos meses. Como resultado, o dólar tem se consolidado um pouco mais fraco porque as taxas de juros [dos bônus] têm subido na Europa e achamos que elas devem continuar em alta. E se continuarmos vendo uma recuperação da Europa, isso deve trazer algum alívio para pressão de alta do dólar. Nosso cenário-base é de que a paridade euro/dólar só aconteceria se houver desapontamento na eleição na França.
Fonte: Valor