Portos do país estão sob risco das mudanças climáticas
Os portos costeiros públicos brasileiros são muito vulneráveis à mudança do clima. As infraestruturas de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, Aratu-Candeias, na Bahia, e Santos, em São Paulo, correm alto risco de danos por vendavais, tempestades e pelo aumento do nível do mar.
Os três terminais estão no topo de um ranking inédito que analisou ameaças e vulnerabilidades de 21 portos na costa brasileira.
Nenhum deles está preparado para reduzir os impactos de eventos climáticos extremos. No Brasil existem 36 portos públicos costeiros.
Perto de 95% do comércio exterior, em toneladas, transita por estes terminais que movimentam R$ 293 bilhões ao ano -cerca de 14% do PIB segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, a Antaq, autarquia vinculada ao Ministério da Infraestrutura.
Das nove ameaças climáticas analisadas – que abrangem ressacas, neblina, ondas de calor e erosão, por exemplo -, os vendavais e as tempestades foram as que mais tiveram registros de impactos na cadeia logística, nas operações e nas estruturas portuárias.
Para evitar danos econômicos, os portos poderiam estudar a adoção de 55 medidas de adaptação que podem aumentar a resiliência do setor, sendo 21 estruturais (que envolvem obras de engenharia ou tecnologia) e outras ações que envolvem gestão, normas, design, planejamento e até seguros.
Estes são alguns dados do diagnóstico Impactos e Riscos da Mudança do Clima nos Portos Públicos Costeiros Brasileiros feito para a Antaq pela consultoria em sustentabilidade WayCarbon com a colaboração técnica de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O estudo faz parte de um projeto maior que busca aumentar a resiliência climática dos terminais e implementar medidas de adaptação. Este é o centro de um acordo de cooperação firmado entre a Antaq e a agência de cooperação alemã GIZ. Os três portos no topo do ranking climático – Aratu-Candeias, Rio Grande e Santos serão agora estudados com mais rigor na segunda fase do projeto, diz Ana Carolina Câmara, diretora de projetos de mudança do clima na GIZ. A ideia, ao final, é gerar uma espécie de guia, para que outros portos possam se estruturar, adianta.
O mais rico deste processo é que está se estruturando como política pública, continua Ana Câmara.
Outro desdobramento da iniciativa será estimar o valor dos danos que a mudança do clima pode provocar nas instalações e operações dos portos.
Na estimativa de danos, junto à GI está o Ministério da Economia. Queremos entender quanto custa se não se promover a adaptação dos portos e qual o potencial de prejuízos, explica ela.
Sentimos a necessidade de fazer um diagnóstico. Os impactos climáticos têm potencial de prejudicar bastante os serviços praticados pelos portos. Podem acarretar paralisações de operações e danos à infraestrutura, o que seria muito ruim, disse ao Valor José Gonçalves Moreira Neto, gerente de estudos da Antaq.
Dos 36 portos públicos na costa brasileira, 21 aderiram ao convite de integrarem o primeiro estudo de vulnerabilidade e exposição a ameaças climáticas.
A metodologia adotada para a análise de risco climático levou em conta os padrões do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, e questionários aos gestores dos 21 portos analisados.
Foram definidos indicadores de exposição e vulnerabilidade, explica a geógrafa Melina Amoni, gerente de risco climático e adaptação da WayCarbon. O objetivo principal era identificar quais dos 21 portos seriam os com maior risco aos efeitos da mudança do clima, diz Melina.
Fizemos um rastreamento para entender qual a infraestrutura destes terminais e o quanto estão preparados, ou não, para as ocorrências de eventos climáticos extremos.
Portos em regiões diferentes, como Aratu-Candeias, na Bahia, ou o de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, estão entre os mais expostos a ameaças como vendavais, diz Marina Lazarini, analista de sustentabilidade e mudança do clima da WayCarbon.
O porto de Santos, em São Paulo, está em terceiro em alto risco para vendavais e em quarto para tempestades, considerando-se o pior cenário para 2050. O número de equipamentos dos portos -guindastes, por exemplo -, a quantidade de armazéns, os acessos alternativos das cargas aos terminais e até o tipo de carga foram parâmetros considerados na elaboração do ranking de riscos climáticos. Nos vendavais, os guindastes podem ser danificados ou o destelhamento dos armazéns estragar a mercadoria estocada, diz Marina Lazzarini.
Outro item considerado foram os tipos de produtos. Cereais ou açúcares, cargas denominadas vegetais, são mais sensíveis a temporais do que minério de ferro, por exemplo. Este tipo de informações foi agrupada em parâmetros que ilustraram a exposição de cada porto às ameaças.
No quesito vulnerabilidade foi considerado se o porto possui plano de contingência, tecnologias que ajudem a minimizar riscos, comitês de gestão de crise, sistemas de drenagem, orçamento para adaptação à mudança do clima e até seguros, entre outros.
O porto de Aratu-Candeias, por exemplo, tem oito guindastes e movimentou 6 milhões de toneladas anuais, em média, em 2018, 2019 e 2020.
Deste volume, 30% são cargas vegetais, sensíveis a chuvas extremas. A metodologia também considerou se o porto está abrigado em uma baía, por exemplo, o que seria uma defesa natural às intempéries – é o caso de Aratu. Isso reduz o grau de exposição ao risco do porto baiano. Rio Grande têm alto risco de tempestades segundo cenários climáticos para 2030 e 2050, diz Melina Amoni.
O porto tem 44 equipamentos de movimentação de cargas e quase o dobro da infraestrutura de Aratu. Movimenta, em média, 19 milhões de toneladas ao ano e 70% da carga é vegetal. Quase não tem ações voltadas à gestão de riscos climáticos.
Santos, o maior porto do país, têm 145 equipamentos de movimentação de carga, 503 instalações de armazenagem e movimentou 109 milhões de toneladas anuais, em média, em 2018, 2019 e 2020. Utilizou guindastes para movimentar 87,5% destas cargas. As operações do porto de Santos são muito sensíveis a ventos fortes. O diagnóstico que fizemos nos 21 portos mostra que há uma lacuna na gestão de risco do setor que não inclui a variabilidade climática em suas ações e planejamento, diz Melina Amoni.
O diagnóstico dos consultores da WayCarbon diz ainda que grandes portos, como Roterdã, na Holanda, e NovaYork-New Jersey, Los Angeles-Long Beach, San Francisco e Houston, nos Estados Unidos, têm estudado, na última década, os impactos que o aumento do nível do mar pode causar nos terminais como nas áreas urbanas. Alguns deles já desenvolveram planos de ação.
Fonte: NULL