Portos da Europa são modelos para Santos
Os trabalhadores portuários brasileiros terão de se preparar para as mudanças que estão ocorrendo no setor. A exemplo do que acontece nos principais portos europeus, a operação, cada vez mais automatizada, reduz postos de trabalho físico e exige dos que são poupados um grau de conhecimento técnico muito maior. Os portos de Antuérpia, Ghent e Zeebrugge, na Bélgica, e Roterdã, na Holanda, são um exemplo das mudanças – e dos pesados investimentos – que ocorrem no mundo nesse setor.
Esses quatro portos europeus, juntos, geram um valor agregado de ? 40 bilhões de euros e mais de 550 mil empregos diretos e indiretos. Eles movimentam cerca de 660 milhões de toneladas por ano (cerca de uma vez e meia a totalidade movimentada no Brasil), em uma contínua disputa por carga. Todos apostam na extrema rapidez da movimentação de cargas e para isso investem continuamente em equipamentos e preparo da mão-de-obra. Roterdã, com 40 quilômetros de cais, privilegiado com águas de 20 metros de profundidade, sem comportas, é capaz de entregar à tarde uma carga que chegou pela manhã do mesmo dia, na Bélgica, Alemanha, França ou Grã-Bretanha. Barcaças, aos milhares, e trens, predominam nesse trânsito, para atender ao binômio custo-qualidade do ar.
Uma comitiva de representantes sindicais, empresários, universidades e outras entidades ligadas ao ensino profissional, todos vinculados ao porto de Santos, conheceu, no fim de novembro, esses portos de elevada produtividade. A visita teve como foco a criação, na região de Santos, de um centro de excelência portuária (Cenep).
Já transformada em lei, a entidade tem a figura de uma fundação destinada a oferecer cursos, desde gestão portuária até de manuseio de equipamentos. A âncora é a prefeitura de Santos. Única do país a contar com uma secretaria de assuntos portuários, a administração vê nos portos europeus um modelo de conhecimento.
Os quatro portos têm gestão autônoma, com capital do município ou da província em que se situam, bastante diferente do modelo brasileiro, de administração federal direta, concessões a Estados ou terminais privativos. O presidente da Autoridade Portuária de Antuérpia, Marc Van Peel, é o prefeito da mesma cidade e também preside a Antwerp-Flanders Port Training Center (Apec), instituição fundada em 1977, que promove cursos portuários, em escala internacional.
É com a Apec que a prefeitura de Santos assinou um convênio, pelo qual trabalhadores de vários segmentos e níveis do porto farão cursos na Bélgica. Há 14 cursos-padrão, que já formaram mais de 9 mil pessoas de dezenas de países. Nos últimos meses foram feitas parcerias com portos da China, Rússia, África do Sul, Índia, Senegal e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Já no primeiro trimestre de 2008 queremos enviar de cinco a dez portuários para Antuérpia, com o compromisso de treinar o pessoal local”, assegura Sérgio Aquino, secretário de portos da prefeitura de Santos.
O modelo, que envolverá instituições como o Senai e universidades, deverá ser estendido a outros portos do país, informa Jorge do Carmo Pimentel, assessor especial da Secretaria de Portos da Presidência da República. Pimentel, especializado em questões de segurança, seguiu atentamente as demonstrações de simuladores de equipamentos portuários, no estilo do treinamento para pilotos de aviões. Em cabines, são realizados os movimentos da carga, sob diferentes ambientes, de vento, chuva, à luz do dia ou à noite.
Washington Flores Júnior, diretor-superintendente da Santos Brasil, o maior terminal do porto de Santos, avalia os simuladores como instrumentos de redução de avarias na carga e de acidentes, portanto, de redução de custos operacionais, além de permitir a redução do tempo de treinamento normal em pátios.
Iguais simuladores são empregados para treinar futuros práticos de bordo. O relativamente baixo calado do rio Escalda, de 12,5 metro, que dá acesso aos portos de Antuérpia e Ghent, com comportas e muitas curvas, é simulado em aparelhos. Jan Burvenich, diretor-adjunto do porto de Antuérpia, calcula que o custo de um simulador em cerca de ?1,5 milhão de euros, “investimento que compensa nos resultados das operações”, diz.
Outros equipamentos são muito mais caros. Um equipamento portuário, tipo porteiner, que coloca ou retira contêineres de bordo, pode custar até ? 10 milhões de euros. Em uma realidade muito diferente da brasileira, o salário para um operador desse equipamento está em torno de ? 4 mil euros por mês para uma carga, em geral, de 36 horas semanais. Mulheres também dirigem equipamentos nesses portos. A média de ganhos dos trabalhadores avulsos do porto de Santos, em novembro, foi de R$ 2,646 mil (? 980 euros), enquanto para a categoria dos guindasteiros foi de R$ 4,453 mil (? 1,650 mil euros).
O impacto da moderna infra-estrutura nos portos europeus evidencia-se no complexo da ECT -Europe Container Terminal, com cinco áreas no porto de Roterdã, desde 2001 comandada por capitais chineses. São 5,2 quilômetros de cais construídos sobre aterros do rio Maas, que movimentam 5,6 milhões de teu (abreviação do inglês Twenty-foot Equivalent Unit, unidade de medida da capacidade de transporte marítimo em contêineres) por ano. A capacidade do porto é de 9,6 milhões de teu anuais.
Pieter van Dijk, da área comercial da ECT, explica que esses terminais podem receber embarcações com até 9.500 teu, calado de 18 metros, com a vantagem de atracarem em 75 minutos, após sua chegada no estuário dos rios Reno e Maas, no Mar do Norte. São também os locais aptos ao recebimento de navios com minério de ferro brasileiro, que chegam a exigir calado de 22,5 metros.
Uma embarcação desse porte não entra diretamente nos portos de seus concorrentes, como o de Antuérpia, pela limitação de calado. Se conseguissem avançar pelo rio Escalda, na Bélgica, levariam seis horas para ida e outras seis para a volta. “É uma perda de meio dia”, assinala Dijk, ao olhar para um pátio que parece movido por fantasmas. Chassis e portêineres se movimentam sem qualquer presença humana. O percurso dos chassis, cada um ao custo de ? 250 mil, é monitorado por transpônderes, sob um muito sofisticado sistema informatizado, que Pieter Van Dijk calcula em ? 200 milhões de euros. O faturamento esperado da ECT para 2007 é de ? 450 milhões de euros, com resultado líquido de ? 90 milhões de euros.
Fonte: Valor