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Pandemia mostrou que é preciso qualificar os trabalhadores informais

O mercado de trabalho, enfim, parece reagir ao choque causado pela pandemia do coronavírus. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou no último dia 31 que a taxa de desemprego no Brasil caiu para 10,5% no trimestre encerrado em abril, o menor nível desde 2016.

Nas entrelinhas do resultado, porém, há notícias pouco animadoras. O rendimento médio do trabalho está quase 8% menor do que um ano atrás. Isso indica que há mais gente ocupada, mas com salários piores, em média.

Tudo temperado a uma inflação ainda acima dos dois dígitos (11,73% em 12 meses) e enorme participação de empregos informais na quantia final de ocupados.

Especialista em mercado de trabalho, a economista Cecilia Machado mostra preocupação com o cenário.

Com a necessidade de manter juros altos por mais tempo para combater a subida dos preços, ela teme que a recuperação não se sustente por tanto tempo.

Além disso, a informalidade deixa trabalhadores à mercê dos sacolejos do ambiente econômico. Resultado: mais dificuldade na recomposição da renda do trabalhador.

A professora da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV conversou sobre a situação do emprego no país com o podcast Educação Financeira desta semana.

Os melhores trechos da conversa estão no texto a seguir.

G1 – Quais são as semelhanças e as diferenças dos efeitos, no mercado de trabalho, entre a última crise — de 2015 e 2016 — com essa, da pandemia?

É uma experiência que lembra um pouco a crise passada. Tivemos uma escalada muito grande do desemprego, com muita expansão fiscal, um problema inflacionário bastante persistente e uma política monetária mais restritiva. Mas o choque da Covid foi diferente não pela parte fiscal, mas porque tivemos choques de oferta. O que temos visto no mercado de trabalho é que foi a mais devagar das recuperações. E ainda temos uma dinâmica inflacionária que faz a política monetária ser mais restritiva.

Eventualmente, esses ganhos no mercado de trabalho podem ser diluídos. De fato, a taxa de desemprego tem caído. Mas ainda não vimos um retorno de renda, da massa salarial de rendimentos do trabalho. A recuperação tem essas duas caras: de um lado, tem a recomposição dos postos de emprego e, de outro, da massa salarial ainda abaixo da inflação.

G1 – Mas o desempregado que sai da crise atual é diferente do desempregado da crise passada?

De um lado, temos agora um mercado de trabalho mais dinâmico, mais flexível, depois das reformas. Isso é consistente com uma dinâmica de recuperação mais rápida. De outro, a economia depois da Covid também é diferente. A pandemia causou várias rupturas no mercado de trabalho. Será que o setor de serviços, que mais emprega no país, vai voltar ao mesmo nível que estava anteriormente? A persistência de hábitos formados durante a pandemia dificulta essa reação.

Veja a economia americana. Lá, o número de vagas abertas é maior do que a população que procura emprego. Há um descasamento no mercado de trabalho, porque nem todo posto de trabalho é apropriado para o trabalhador que está procurando emprego.

Hoje, talvez você não precise de um trabalhador para prestar um serviço, mas para gerenciar um aplicativo, coordenar uma entrega. Ele precisa se adaptar a uma nova realidade e precisa ter uma base sólida mínima para conseguir fazer essa transição. É um período de ajustamento.

G1 – Qual é o legado dessas mudanças no mercado de trabalho?

A pandemia favoreceu a progressão de carreira e os ganhos salariais da população mais qualificada. Isso se reflete também em ganhos de produtividade para a economia como um todo. A economia se tornou mais digital, mais automatizada, e, para alguns trabalhadores, a pandemia melhorou muito as relações de trabalho.

Mas outros postos de trabalho deixaram de existir, precisam se ajustar. O legado que essa situação deixa é de pensar na reinserção dessas pessoas. Isso nos coloca a pensar em políticas de longo prazo, em toda a nossa formação de capital humano no país. Será que estamos dando a chance desses trabalhadores se adaptarem a uma nova realidade? Talvez no curto prazo precisaremos de formas de compensação. Pensar em programas de qualificação para os profissionais que não conseguem se reinserir, por exemplo.

G1 – Qual é sua maior preocupação com o ambiente de trabalho no Brasil?

No momento, é a recomposição da renda. Algumas profissões passaram a ser muito mais demandadas, como todas as tecnológicas, e outras passaram a ter uma demanda baixíssima.

O grande desafio é saber como vai acontecer a recomposição salarial média, a depender da demanda. Será preciso um olhar atento para essa reorganização da economia e para a requalificação profissional dessas pessoas.

G1 – Alguns especialistas chamam atenção para o desemprego entre os mais jovens. O mercado tem dado preferência para trabalhadores com experiência. Qual é a sua análise sobre essa questão?

Muitos estudos acadêmicos mostram que os jovens que se formam em uma recessão, em geral, têm uma trajetória pior no mercado de trabalho. Quando se trata de emprego, não é porque você esperou por uma vaga por muito tempo que está aumentando sua chance de arrumar um emprego. Pelo contrário: quanto mais tempo, mais difícil.

E, obviamente, quando você tem um mercado de trabalho com muita ociosidade, a taxa de sucesso para o jovem também é mais baixa. Quanto mais rápido sairmos de qualquer depressão econômica, melhor.

G1 – Estamos em ano eleitoral. Que propostas ou programas de governo você gostaria que estivessem sendo discutidos pelos candidatos?

O principal ponto é a informalidade. Convivemos com essa questão por décadas, porque, no final das contas, é uma margem de ajuste da falta de formação profissional da população. É um problema estrutural, relacionado à nossa educação e à produtividade da força de trabalho. Com a pandemia, vimos que, quando temos uma crise econômica muito séria, os informais não conseguem trabalhar e o suporte econômico precisa ser muito grande para resgatá-los.    

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