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Os mileuristas definem novo padrão de consumo

Eles se vestem com estilo, são educados, informados e pobres. Muitos deles conhecem a cozinha desconstrutivista de Ferrán Adriá, mas a 150 km do restaurante do chef do El Bulli, no centro de Barcelona, eles só podem pagar ? 4 euros pelo almoço. Eles têm sites, livros, programas culinários dedicados a eles e compõem um grupo social que está sendo disputado pelos candidatos das próximas eleições gerais espanholas de 9 de março. “Os mileuristas ganham ? 1 mil euros ao mês. Uma hipoteca custa 1 mil euros ao mês. Como se alimenta um mileurista?”, pergunta o candidato ao governo da Catalunha Joan Herrerra em anúncios nas estações de metrô.
Herrerra está se referindo a uma população que não é pequena. Segundo dados oficiais, há quase 11 milhões de assalariados que não ganham mais de ? 1.100 euros mensais no país – o aluguel de um apartamento em uma cidade como Barcelona é de no mínimo de ? 600 euros. Desse total de mileuristas, muitos são jovens, mas o mileurismo não abarca apenas essa faixa etária. É um fenômeno transversal que cruza outras tribos e segmentos – famílias com a renda comprometidas em hipotecas ou até pessoas cuja aposentadoria não chega ao final do mês.
Os jovens são o grupo que chama mais atenção entre os mileuristas pelo seu nível de qualificação. Eles seguiram a cartilha, escutaram seus pais e o plano não está dando certo. Estudaram, falam idiomas, fizeram cursos de especialização, e têm experiência de vida, não são calouros. Tudo isso não lhes garante um salário mais gordo e nem sempre há trabalho.
Eles são os 320 interessados que responderam em três horas ao anúncio pedindo vendedores para uma loja de roupas. É uma designer gráfica de 33 anos, com dez anos de experiência, contratada de uma agência de publicidade que ganha 1 mil euros ao mês – quando trabalhava no chapelaria de um restaurante também ganhava ? 1 mil euros. É um pós-graduado em relações internacionais, bilíngue, que trabalha num call center das onze horas da noite às sete da manhã.
O mileurismo é hoje um estilo, forçado, de vida. Segundo Guillermo Boces, da Apfel Studio, uma empresa que pesquisa tendências, um autêntico mileurista só toma café em cafeterias que tenham jornais (eles só podem comprar a publicação aos domingos). Eles têm um guarda-roupas com roupas listradas e de cores pouco usuais (as que sobram nas liquidações), não podem ir ao dentista (o único tratamento não coberto pelo seguro social do Estado) e bebem vinho de caixa pelo qual pagam entre ? 2,50 euros a ? 4 euros.
Mileurista não vê televisão nem vai ao cinema, ele assiste a filmes, notícias e séries em sites como o alluc.org. “O computador e o modem são a família do mileurista”, diz Boces. Ele observa que o comportamento do mileurista deixou às claras uma nova lógica de consumo: roupas, vôos aéreos e computadores eram considerados artigos de luxo. Hoje não. Luxo é uma casa. “Consumir, para o mileurista, é um jogo complexo entre escolhas caras e baratas”.
A expressão mileurista foi criada há dois anos pela publicitária Carolina Alguacil depois de ver técnicos agrícolas, engenheiros e licenciados em letras com salários que não correspondiam a suas profissões. “Desde a emergência do termo, a situação do mileurista se tornou crônica, foi aceita pela sociedade. Hoje há um aumento do número de mileuristas com a imigração”, lembra Antonio Nuñez, diretor de planejamento da S,C,P, F, uma das agências de publicidade mais inovadoras da Espanha, donas das contas da BMW e Ikea. Certamente Nuñez não é um mileurista, mas entende o cérebro desse tipo social. “Os hábitos de consumo mileurista são um retrato da precariedade e incerteza da sua situação econômica. Eles não podem entrar em financiamentos, um carro está fora do seu alcance e eles devem postergar a vida conjugal – o que prejudica a venda de produtos para a casa”, diz.
Mas há uma distinção a ser feita. Os mileuristas que vivem na casa dos pais têm um orçamento um pouco mais solto. Destinam suas rendas ao entretenimento e podem consumir acessórios de grifes como óculos e cintos da Dolce & Gabbana ou Diesel.
As lojas do grupo Inditex – Massimo Duti e Zara – ou a cadeia de lojas Mango estão a seu alcance. Nuñez cita ainda as marcas de calçados Camper, Nike, Adidas, Onitsuka Tiger e Converse, mas diz que “essas marcas dão poucas pistas sobre a real situação do mileurista. Na Espanha você pode ir vestido como um dândi e dormir num apartamento de 60 metros quadrados com outros seis mileuristas”, diz ele.
Como explica o jornalista Alfredo Ruiz no seu livro “Guapos y Pobres” (“Bonitos e Pobres”, Editora Ático), os jovens dessa geração podem não ter o acesso a produtos e serviços sofisticados, mas eles têm ampla informação sobre isso, como nunca antes. Um mileurista reconhece um bom design de produto e de embalagem, mas quer tudo isso a preço baixo.
A criadora da agência de investigação de tendências D-Mentes, Berta Segura, conhece os mileuristas “de raiz”. Estes substituíram marcas como a Converse pela genérica espanhola Victoria, usam jeans sem marca e camisetas compradas no mercadinho do bairro sobre as quais fazem grafites. “É a criatividade que salva esse mileurista”, diz Berta. Para ela, estratégias de comunicação para o “mileurista de raiz” devem ser radicalmente transparentes – como fez a rede espanhola de roupas Desigual.
No ano passado, a Desigual propôs que os mileuristas que se apresentassem com seu contracheque às lojas, ganhariam 15% de desconto. Na primavera, a marca anunciou que os consumidores que aparecessem nus na loja do centro de Barcelona poderiam sair dela com tudo que conseguissem vestir.
Nuñez, da S,C,P,F cita a estratégia positiva e provocadora da operadora “Simyo” na qual uma garota diz: “eu não me prendo a um cara. Como vou me prender a uma operadora de telefonia?”. Ele afirma que para se aproximar dos mileuristas espanhóis é melhor evitar apelos racionais (de puro preço), como fazem as companhias aéreas irlandesas e inglesas Ryanair e Easyjet. Ele sugere o uso da simpatia e do carisma como faz a Vueling.
Em função desses consumidores, os brechós chiques e os outlets têm se multiplicado dentro das cidades européias, conta Joan Vinyets, antropólogo da agência “Piece of Pie”. As feiras de trocas são cada vez mais disputadas e o consumo pode estar ganhando uma face mais humana – algo positivo em meio à frustração mileurista.

Fonte: Valor

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