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Os donos da rua

Diogo Dantas
Rio – O que mais se vê na rua? Carro, buraco ou flanelinha? Dúvida cruel. Mas há quem diga que flanelinha é como mato, dá em todo lugar. É assim que funciona: você entra na rua, procura por quem está te procurando. Encosta o carro, sai rápido, torce para ele não escutar o alarme, e quando ele te acha, diz com toda simpatia: Dez reais! Você interpreta: isso é um assalto, e diz que vai acertar na volta. Mas ele completa: Tem que pagar agora Dona!
O relacionamento entre motoristas e “flanelinhas” é realmente muito passional. No site de relacionamentos Orkut, comunidades exaltam o ódio desmedido sobre o pobre trabalhador do mercado informal. Na comunidade “Eu odeio flanelinha”, existem mais de 2600 pessoas cadastradas. Mas não fica por aí. O sentimento de repulsa é tão grande que muito mais gente se une na saga que tem como único objetivo praticar o velho calote sobre os guardadores ilegais. Mais de 4300 usuários se cadastraram na comunidade “Eu dou o cano no Flanelinha”.
Soa como brincadeira, mas os membros desses grupos parecem manter relações de outras vidas com os seres odiados em questão. Existem até receitas de como aplicar o golpe com maior eficiência. Repare na descrição minuciosa do Ricardo, membro da comunidade.
“O cano começa na chegada. Não olho para cara do maluco. Não atendo ao chamado dele tipo ‘Ô Bacana, bem Cuidado’. Dou uma de surdo e cego. Ele assume o papel de inexistente. Aquela tentativa deles de ajudar na manobra também não funciona pra mim. Se ele manda “vem …vem…distorce!…”faço tudo ao contrário ou ao meu tempo, às vezes até paro o carro. Na volta mesma coisa. Cego e surdo. Dou uma volta no carro pra ver se não tem algo. Entro, mantenho o vidro fechado, manobro, não ligo para as orientações da figura e saio. Se ele tiver marcando a vaga pra alguém fico parado fazendo tempo pra deixar ele mais p… da vida. Depois fico vendo a cara dele.”
Não é mesmo brincadeira. Há quem leve o desafio como uma estratégia de guerra. “A melhor tática, é a seguinte: se ele te pedir pra olhar, você diz que tudo bem! Ele pode olhar! Afinal, qualquer um pode olhar seu carro, pois ele está na rua. Assim como você olha pro carro do seu amigo ou olha uma Ferrari passando, ou seja, lógico que pode olhar. Vai fazer o que? Fechar o olho?!?! Ok! Dito isso, você entra no lugar que está indo,se diverte, enfim. Quando volta, vai para o carro com cara de bêbado irritado! Por que aí ele já fica intimidado! Deixa ele te ajudar a manobrar seu carro (como se ele soubesse algo de direção, mas ok!) Daí você, de vidro fechado, depois que saiu da vaga, finge que ta procurando moedinhas pra dar ao pobre coitado. Solta o freio e deixa seu carro engatado, já no jeito de fugir. Quando ele se distrair, nem que seja um pouquinho, você arranca!! E sai! E se quiser, ainda dá para abrir o vidro e dar um tchauzinho!”.
Sabendo diferenciar
Com a violência, não há seguro de automóvel que garanta que ao voltar, seu carango vai estar intocado. Mas tem flanelinha que garante. Seu Wilson Pereira, 53 anos, morador de São João de Meriti, trabalha como vendedor de tíquete na Tijuca. Segundo ele, mesmo que a região seja repleta de assaltos, em ‘sua’ rua nada acontece com os carros. “Aqui eu já conheço a maioria e eles respeitam os carros do guardador e não vem assaltar, pelo menos quando eu estou aqui”, garante.
Seu Wilson é um caso à parte quando o assunto é a relação complicada com os motoristas. Alvos comuns de ofensas descabidas, os guardadores regulares precisam de jogo de cintura para lidar com o descontentamento do motorista de a cada esquina se deparar com um boleto. E a receita para isso é ganhar a simpatia em um primeiro contato. “Eu chamo sempre de senhor, senhora. A gente lida com o público, então tem que falar sem ignorância. Tem que saber conversar. Ninguém gosta de ser mal tratado”, ensina.
Ao receber os clientes, Seu Wilson procura sempre deixá-los à vontade. “Não quer pagar não paga, não vou debater com ele, não arrumo problema. Mas tem uns que dão 2, 3 reais. E quem deixa faltando 20 centavos, aí a gente faz por menos uma vez”, politiza. Mas na hora de falar do trabalho de seus companheiros de profissão que ainda permanecem na ilegalidade, o guardador não mede críticas. Segundo Seu Wilson, não há vantagem em ser flanelinha. “Eles ganham menos, e são muito discriminados, as pessoas não confiam”, relata.
Mas a falta de confiança é mais pela fama do que pela falta de opção de alguns flanelinhas. O jovem Anderson Silva, de 18 anos, cuida dos carros em frente a uma padaria na Tijuca. Ele contou ao Dia Online que já conversou com vendedores de tíquete regularizados, mas que não existe divulgação de como fazer para entrar legalmente no ramo.
Outra característica do contato com os flanelinhas é a generalização do tratamento. Como não gostam de ser cobrados, os motoristas muitas vezes tratam com deseducação “flanelinhas” que, mesmo fora da lei, só tentam arrumar um trocado para sustentar a família. Anderson da Silva é casado, pai de um bebê recém nascido, e diz que muitas vezes é mal tratado por motoristas. “A maioria é mal educada sim. Você mal chega e já falam ‘Ai, pelo amor de Deus’”, conta.
Durante a entrevista, Anderson parou para atender a uma senhora que saía com o carro. Ouvida pela reportagem, ela, que não quis se identificar, disse que prefere os guardadores regularizados com o boleto. “Não gosto de pagar não. Tem uns que você vê que são regularizados, que é trabalho, outros não”, despreza.
O rendimento
Anderson tira por mês cerca de R$ 300. Wilson consegue arrecadar R$ 900. A diferença se dá basicamente pela regularidade na cobrança dos tíquetes. Cada guardador deve comprar o seu na Prefeitura. Mas a compra mínima é de oito mil unidades. Por isso, os guardadores se reúnem em sindicatos, que compram e distribuem os boletos. Cada boleto do guardador é dividido com a Prefeitura e com os chamados “donos dos pontos”, nas palavras dos próprios guardadores.
A prefeitura recebe R$ 0,80 por tíquete, e o vendedor fica com R$ 1,20. Total: R$ 2. Somado a isso, o guardador deve quitar dívida com o representante do sindicato a quem a prefeitura concede a espécie de outorga da rua, através da compra mínima de oito mil boletos, cujo valor gira em torno de R$ 5.600. Surge a questão: Quem tem 5.600 reais para pagar em oito mil tíquetes?
Sendo assim, até o guardador regularizado faz os seus bicos para ampliar a renda. Em dia de partidas de futebol no Maracanã, por exemplo, eles fazem a festa. “No domingo, trabalho de jaleco, mas sem talão. Aí os flanelas ganham o quanto puder, mas se o motorista não quiser dar não dá. Mas aí eu tiro de 50 a 60 reais por fora”, conta Seu Wilson. Sabendo de seu erro, o guardador conta que já até foi preso. “Os policiais pegam a gente e ficam rodando até o jogo acabar, depois soltam”, relata.
Seu Wilson diz que caso as ruas fossem mais rotativas, seria mais vantajoso para seu trabalho. As placas de duração do estacionamento variam entre 2 horas, 4 horas e período único. De acordo com a assessoria da CET-Rio, as placas têm o período de acordo com o local onde estão instaladas. Em regiões onde há maior comércio as placas são de duas ou quatro horas, para possibilitar que mais pessoas usufruam do local. Em orlas junto às praias, por exemplo, o período costuma ser único, para que o cidadão possa aproveitar o lazer por mais tempo.
Caso de polícia
A assessoria da prefeitura do Rio para assuntos de transporte explicou que os guardadores regularizados são apenas vendedores de tíquetes. E que os flanelinhas são de responsabilidade da Polícia Militar. Eles que recolhem os guardadores ilegais e recebem chamados sobre denúncias de extorsão. Na verdade o delito está incluído na constituição. Artigo 47, da Lei das Contravenções penais, exercício ilegal da profissão. Ou até extorsão e constrangimento ilegal.
Morador pode estacionar sem tíquete?
A CET-Rio implantou, em todo município, a partir de 21 de julho de 2004, o Projeto Cartão Morador, que instituiu normas e procedimentos para o cadastramento de veículos de moradores em logradouros regulamentados por estacionamento rotativo. A posse do Cartão Morador proporciona gratuidade ao estacionar em qualquer vaga disponível de estacionamento regulamentado pelo Sistema Rio Rotativo, localizada no logradouro de sua residência. Cabe ressaltar que, evidentemente, a posse do Cartão Morador não garante a disponibilidade de vaga nem permite o estacionamento em locais proibidos pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Saiba mais em www.rio.rj.gov.br/smtr.

Fonte: O Dia Online

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