O verdadeiro teste de Barack Obama
Quando ouvimos um senador americano, membro da Comissão de Finanças, convidar os banqueiros a cometerem suicídio, sabemos que o nível de hostilidade no país está alcançando o perigoso nível de “Fogueira das Vaidades”, no qual empunham os forcados. É perigoso por muitos motivos, mas acima de tudo porque essa verdadeira hostilidade contra a AIG pode sobrepujar as ainda difíceis, porém crucialmente importantes, tarefas que temos de cumprir nas próximas semanas para estabilizar a crise financeira.
Deixe-me ser específico: se uma pessoa não gosta de ler que os corretores da AIG receberam milhões em bônus depois que a empresa – 80% da qual é de propriedade dos contribuintes americanos – acumulou a maior perda trimestral na história da Via Láctea, realmente não vai gostar do plano de resgate bancário que será apresentado em breve pela equipe de Obama. Esse plano começará usando os US$ 250 bilhões ou mais deixados nos fundos Tarp para começar a remover os ativos tóxicos dos bancos. Mas, no final, para alcançar a escala de restauração bancária necessária, provavelmente precisaremos de mais US$ 750 bilhões.
O plano faz sentido, e, se for executado corretamente, pode inclusive dar lucro para os contribuintes. Mas nesse clima de hostilidade, será necessário cada centavo de capital político no cofre de porquinho de Barack Obama – assim como nos cofrinhos de Michelle, Sasha e Malia – para vender isso para o Congresso e para o público.
A tarefa não pode ser só dele. Qualquer um que tenha interesse na estabilização e reforma do sistema terá de fazer sua parte. E isso começa com os corretores da AIG que receberam US$ 165 milhões em bônus. Eles têm de voluntariamente devolvê-los. Todo mundo hoje em dia faz sacrifícios de uma forma ou de outra, e os corretores da AIG certamente não podem ser exceção. Não queremos que o governo anule os contratos – o regime da lei é o motivo para as pessoas ao redor do mundo quererem investir em nossa economia. Mas os contribuintes não devem ficar sentados sem fazer nada quando os bônus são pagos aos executivos que operavam um esquema de seguros que teria feito Bernie Madoff sorrir. A melhor saída é os banqueiros da AIG fazerem um sacrifício pelo país e desistirem dos bônus.
Eu moro em Montgomery Country, Maryland. Os professores aqui, que ganham em média US$ 67 mil por ano, recentemente votaram por voluntariamente abrir mão do aumento salarial de 5% que foi acertado no contrato para o próximo ano, economizando para nosso sistema de ensino US$ 89 milhões – para que os programas e os contratos do professores não sejam cancelados. Se os professores de escolas públicas podem fazer um sacrifício pelos alunos e pelos colegas professores, os corretores da AIG podem fazer um sacrifício pelo país.
Não vamos esquecer, a AIG estava basicamente administrando um fundo de hedge desregulado dentro de uma empresa de seguros com nota de risco de crédito AAA. E – como Madoff, que vendia ações fantasmas – a AIG vendia, de fato, seguro fantasma contra a inadimplência das hipotecas subprime empacotadas e outros títulos de dívida – seguro que a AIG não tinha nem perto do capital necessário para dar suporte quando os bônus rebentaram. Era um fundo de hedge sem garantias. É por isso que os contribuintes tiveram de pagar o seguro pela AIG – para que seus clientes bancários e governamentais não entrassem em rápido declínio e causassem ainda mais prejuízos.
Infelizmente, todo o dinheiro que já gastamos com a AIG e com os bancos foi só para impedir o colapso total do sistema. Foi só para manter o corpo vivo. É por isso que para curar o sistema provavelmente exigirá usar o restante dos fundos Tarp, além dos US$ 750 bilhões que o governo avisou o Congresso, no novo orçamento, que pode vir a necessitar.
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Os contribuintes não devem ficar sentados sem fazer nada enquanto os bônus são pagos às pessoas que operavam o esquema da AIG
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O melhor que posso entender, o plano de recuperação do governo – que deve ser apresentado em breve – será algo parecido com isso: O governo americano criará uma linha de crédito para a compra dos títulos hipotecários tóxicos nos balanços patrimoniais dos grandes bancos. Eles serão comprados por um ou mais fundos de investimento público-privado nos quais os contribuintes serão, em efeito, sócios dos fundos de hedge e dos grupos de emissões privadas. Os fundos de hedge estão lá para oferecer sua especialização na precificação e na negociação dos ativos. Os contribuintes estarão lá para garantir – gulp – que os fundos de hedge não percam dinheiro se tomarem os riscos iniciais e para também emprestar dinheiro para eles fazerem algumas das compras. Os contribuintes vão se beneficiar dos lucros dessas sociedades.
Uma vez que os bancos venderem seus ativos tóxicos, muitos necessitarão de capital, porque, embora possam carregar esses ativos nos seus livros contábeis a US$ 0,85, eles inicialmente podem ter de vendê-los por menos. Então, o governo provavelmente terá de injetar capital em mais bancos para mantê-los solventes, mas quando os bancos começarem a livrar seus balanços desses ativos tóxicos, provavelmente vão atrair o capital privado que necessitam e liberar o governo de ter de injetar mais recursos.
Isso vai funcionar? Só podemos ficar na torcida. Mas sei disso ao certo: a menos que os bancos sejam curados, a economia não pode decolar, e essa reabilitação bancária não ocorrerá sem outra grande e ampla rede de segurança criada pelos contribuintes.
A única pessoa com poder para promover algo desse tamanho é o presidente Obama. Os banqueiros e o Congresso terão de ajudar; cada cidadão terá de aceitar conviver com isso. Mas, no final, Obama terá de convencer as pessoas que essa é a solução menos injusta e mais eficiente. Será seu primeiro grande teste de liderança. E chegará em breve, no cinema – e num banco – perto de você.
Fonte: Gazeta Mercantil