O seguro e a crise
A ponta do iceberg no setor se chama, sem dúvida, AIG. Mas a situação da atividade seguradora internacional é bem mais complicada. A quebra da AIG e o rombo que surge cada vez que há uma abertura de suas contas tem tomado boa parte do espaço destinado ao assunto na imprensa. Afinal, seria impensável, dois anos atrás, que uma companhia valendo mais de US$ 200 bilhões pudesse estar metida numa enroscada como essa. Pois estava e quebrou.
O problema é que não só ela, mas outras grandes – e um dia, sólidas – seguradoras vão entrando em planos de salvação patrocinados pelos respectivos governos ou apresentando resultados ruins em seus balanços. Mesmo as mais sérias sentem na pele, ainda que menos, o resultado de investimentos mal feitos.
Mas não é apenas isso que afeta os seus resultados. As catástrofes naturais também cobram seu preço e a exposição a riscos, como furacões, tempestades, terremotos, secas, etc, pesam em seus balanços, diminuindo exponencialmente os lucros ou transformando-os em prejuízos, às vezes na casa dos bilhões de dólares.
O cenário se repete com as resseguradoras, que são as empresas que dão suporte ao mercado primário, representado pelas seguradoras. Boa parte das maiores resseguradoras do mundo sente os efeitos da crise de crédito e da sinistralidade decorrente dos fenômenos naturais. Seus balanços estão longe dos resultados de um ano atrás e mais de uma companhia tem seu futuro seriamente ameaçado, pelo menos com o mesmo desenho que tem hoje.
A conseqüência direta desse quadro ruim é a diminuição da capacidade de retenção de riscos do mercado mundial de seguros e resseguros. Com menos dinheiro em caixa e pouca possibilidade de encontrar investidores dispostos a colocar seu dinheiro num negócio de risco, que ainda por cima não tem muita transparência até mesmo para os iniciados, seguradoras e resseguradoras não terão como oferecer a mesma capacidade de retenção ofertada até agora.
A primeira decorrência lógica dessa situação é o aumento do preço dos seguros em geral. Como não há mais tanto dinheiro para suportar as operações, o dinheiro existente será mais seletivo e caro.
A segunda é mais cruel. E pode impactar a colocação dos grandes riscos brasileiros. Tendo menos dinheiro para assumir a mesma quantidade de riscos já existentes, o mercado será mais exigente, oferecendo capacidade para os clientes mais tradicionais e conhecidos, em detrimento de empresas localizadas nos países emergentes, como é o caso do Brasil.
Até o fim de dezembro, o País não tem que se preocupar com isso. Mas a partir daí será necessário renegociar os contratos de resseguros em vigor, atualmente liderados pelo IRB, que na data não terá mais o monopólio do resseguro brasileiro como moeda de troca.
Num mercado aberto, chora menos quem pode mais. Ainda que o IRB continue sendo o grande ressegurador nacional, não tem mais as vantagens que o monopólio lhe dava e lhe permitia ser o dono de um dos maiores limites de aceitação automática de riscos de incêndio do mundo. Esse contrato, ao longo dos anos, diminui de valor, o que tem lógica, muito embora os riscos brasileiros tenham crescido e necessitem de maior proteção de seguros.
Com uma enorme crise em curso e o aumento da sinistralidade dos riscos de origem natural e a conseqüente diminuição do dinheiro à disposição das seguradoras e resseguradoras, bem como da quebra ou das dificuldades financeiras de várias companhias, o País poderá vir a ter dificuldades para colocar parte de seus riscos no mercado internacional.
Se isso ocorrer, o aumento do preço dos seguros será o menor de nossos problemas. Muito mais sério é não ter proteção de seguros para garantir obras indispensáveis para o desenvolvimento sustentável da nação. Mas, entre assumir riscos nos países ricos e riscos aqui, não tenham dúvidas: as seguradoras e resseguradoras ficarão com a primeira opção.
Fonte: O Estado de São Paulo