O que a Europa mostra
Nos países europeus, as regras que tratam da solvência dos planos são suficientemente flexíveis para permitir que os fundos de pensão se adequem às diferentes conjunturas, mesmo aquelas mais difíceis. A ideia que está por trás dessa flexibilidade é a busca da estabilidade orientada por uma visão de longo prazo. Esta foi uma das conclusões a que chegou a delegação de 30 dirigentes brasileiros que participou do seminário internacional A Estrutura da Previdência na Europa, evento promovido anualmente pela Abrapp há quase duas décadas e este ano realizado entre os últimos dias 15 e 21, em Paris, onde foi possível contar com a intensa e muito proveitosa participação de especialistas da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Eventos desse tipo, desde o início da série nos anos 90, tem trazido muito conhecimento e, nas circunstâncias atuais, mostram com propriedade técnica como os países europeus e seus fundos de pensão, hoje com ativos que beiram os 21,7 trilhões de Euros, estão lidando com as atuais dificuldades. A adaptação das regras de solvência, tornadas mais flexíveis, foi um dos ajustes feitos. As políticas de investimento também estão mudando, quase sempre na direção da reavaliação dos riscos e da reconsideração das expectativas de retorno.
A Europa é um laboratório de experiências com o qual muito se pode aprender. Como no Brasil, o fomento é uma preocupação constante, com a diferença de que os europeus estão mais avançados no desenvolvimento de mecanismos que permitem o aumento do contingente de pessoas cobertas pela Previdência Complementar. A adesão compulsória é praticada na Holanda, Nova Zelândia e Inglaterra e, nesses países, o número de participantes já varia entre 70% e 90% da População Economicamente Ativa. A adesão automática (é incluído automaticamente no plano e, se desejar, pede para sair dele) é mais recente, mas apesar disso já permitiu chegar aos 60% de trabalhadores cobertos. De toda forma, a concessão de incentivos tributários continua sendo, como no Brasil, a opção mais comum de política fomentadora.
É no laboratório holandês que foi desenvolvido um tipo de plano que foge da dicotomia BD versus CD puro. É chamado de plano de ambição definida (AD). O que se quer é mitigar os riscos do patrocinador quando oferece um BD, mas fazendo isso sem repassá-los inteiramente aos participantes, o que parece acontecer nos planos CD. Para conseguir isso, combina características de um e de outro. Essa combinação de elementos BD e CD permite juntar o compartilhamento de riscos (intergeracionais inclusive) dos programas de Benefício Definido com a possibilidade de ajuste nos níveis de renda de aposentadoria do CD. E ainda possibilita o máximo aproveitamento dos mecanismos de compartilhamento de riscos e evitam a oferta de garantias insustentáveis que requerem a revisão de contratos individuais.
A principal diferença entre os contratos BD e AD é a possibilidade de realização de ajustes nos benefícios quando o valor dos ativos e/ou a longevidade mudam. Se a expectativa de vida crescer, a idade de aposentadoria também poderá aumentar e as pensões diminuírem. Em caso de choques negativos no mercado financeiro, os benefícios podem ser reduzidos.
A Supervisão Baseada em Risco (SBR), ficou claro no evento, é algo disseminado no continente. A SBR envolve a capacitação dos servidores dos órgãos de supervisão, sua independência em relação aos governos e ações decididas com conhecimentos dos riscos envolvidos.
Mais importante ainda, foi possível ver que a fiscalização atua no sentido de orientar para assim evitar irregularidades.
A gestão é igualmente baseada em riscos. Há a preocupação de identificar o risco o quanto antes e tratá-lo adequadamente. Nessa linha, a administração das entidades mostra-se marcantemente profissional nos fundos de pensão dos países da OCDE. É comum a composição de Conselhos com representantes de patrocinadores e participantes, bem como especialistas profissionais.
Os programas de educação previdenciária visam preparar os participantes para as mudanças, antes que elas aconteçam. Há a preocupação permanente de elevação do nível de transparência, porém com qualidade e conteúdo de informações.
Com relação aos gestores e conselheiros de fundos de pensão, a visão é de que os cursos universitários são incompletos para preparação, pois as entidades de previdência são entes diferenciados relativamente aos demais encontrados no mercado, envolvendo funções sociais e econômicas, além de atores com diferentes interesses. As mudanças são constantes e as metodologias cada vez mais sofisticadas, ensejando permanente atualização e um crescente desafio.
O seminário ofereceu também um quadro geral dos desafios que os gestores de investimentos enfrentam e as direções em que se movem. Na Europa, as alocações médias dos maiores fundos estão assim distribuídas: renda fixa (56%), renda variável (28%), investimentos em infraestrutura (1%) e outros investimentos (15%).
São as seguintes as barreiras para os investimentos em infraestrutura e um percentual tão pequeno, na ótica dos fundos de pensão de países membros da OCDE: problemas com o suporte governamental: ausência de política e comprometimento de longo prazo, falta de pipeline, fragmentações entre os diferentes níveis de governo, instabilidade regulatória e elevados custos de licitação; falta de capacidade investidora: ausência de expertise no setor de infraestrutura, problemas de escala para os fundos de pensão, barreiras regulatórias e visão de curto prazo dos investidores; e problemas com as condições de investimentos: percepção negativa sobre a validade dos investimentos em infraestrutura, falta de transparência, ausência de alinhamento entre os interesses dos fundos de pensão e os fundos de investimentos em infraestrutura.
Para o público brasileiro interessou confirmar que na Europa a terceirização de riscos é muito desenvolvida no Reino Unido, sendo que as seguradoras oferecem principalmente produtos como buy-in e buy-out. Há também soluções através do mercado de capitais: hedges de longevidade e securitização de passivos. O grupo de brasileiros mostrou no seminário acreditar que há uma barreira cultural a ser vencida com relação à transferência de riscos para as seguradoras.
Previdência básica – A longevidade é tema de grande preocupação nos países europeus, no sentido de como prover benefícios adequados sem a oneração excessiva do Estado. A taxa de reposição média (número de filhos por casal) nos países da OCDE é de 54%. Dados apresentados no seminário não deixam margem a dúvida de que crescem exponencialmente a expectativa de vida aos 65 anos para homens e mulheres, os gastos com relação ao pagamento de benefícios em face do PIB e o tempo de percepção das aposentadorias e pensões nos países da OCDE.
Os pessimistas sugerem que daqui paraa frente a expectativa de vida não deverá sofrer avanços ou até mesmo declinar, em razão dos impactos da obesidade, má alimentação, aquecimento global, etc. Já os otimistas dizem que não há limites para a vida humana, em razão dos avanços científicos.
As possíveis soluções discutidas para sustentabilidade dos modelos previdenciários são o aumento da idade para aposentadoria de 65 anos para 67 anos, em média; tratamento igual para homens e mulheres; revisão dos cálculos dos benefícios: novos entrantes vão ter que trabalhar mais tempo para obter o nível de benefício igual ao atualmente concedido. São previstos critérios mais rigorosos e redução de benefícios; prolongamento da vida laboral; e fortalecimento da previdência complementar.
Fonte: ABRAPP, em 28.05.2014.