Município pacato e menos desigual atrai pessoas qualificadas
Nas férias de julho, o grupo Chorões da Velha Guarda apresentou-se na avenida principal de Águas de São Pedro, ao lado da prefeitura. No repertório, sucessos consagrados como “Aquarela do Brasil”. Orlando Cirino, 67 anos, funcionário aposentado do Ministério da Fazenda, graduado em Administração de Empresas e em Ciências Contábeis, comandava a percussão. Faz três anos que Cirino está no grupo e cinco que vive com a esposa em Águas de São Pedro, o menor município do Brasil, com 3,9 quilômetros quadrados e 2,4 mil habitantes. Na cidade, conhecida por suas fontes de águas medicinais, o transporte público é gratuito e a coleta de lixo é diária.
Águas de São Pedro passou a ostentar recentemente outro título: município que mais atrai mão-de-obra qualificada no Brasil, conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento. Sem zona rural e nenhuma indústria, a cidade sobrevive basicamente do turismo, o que torna um pouco estranha a nova classificação.
No caso de Águas de São Pedro (SP), Cabedelo (PB) ou Balneário Camboriú (SC) – algumas das dez cidades que mais atraem mão-de-obra qualificada no país – não é a oportunidade de emprego que comanda a migração. Os cidadãos, que já estão aposentados ou que se submetem a viajar todos os dias para chegar ao trabalho, mudam em busca de qualidade de vida.
O Ipea elaborou um índice de mão-de-obra qualificada líquida, que compara imigrantes e emigrantes de um município com nível educacional superior completo ou incompleto. Além do dinamismo do mercado de trabalho, o estudo revelou que na hora de mudar de residência os cidadãos também consideram fatores como menor desigualdade social, menor nível de violência, proximidade do litoral e temperatura amena.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores Daniel da Mata, Carlos Wagner Oliveira, Cedric Pin e Guilherme Rezende cruzaram os dados de migração do Censo 2000 com informações sobre salários, escolaridade, população, saúde, localização e desigualdade de renda. Os números foram obtidos no Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil (Ipea, Pnud e FJP) e na base de dados do Ipea.
“Migrantes qualificados procuram cidades com menor desigualdade de renda e menor número de homicídios, ou seja, uma instabilidade social menor”, diz Mata. Fatores como invernos e verões menos rigorosos, menor intensidade de chuvas e maior número de médicos por mil habitantes também atraem essa mão-de-obra.
O pesquisador ressalta, no entanto, que o desempenho do mercado de trabalho ainda detém o papel primordial para a migração entre os municípios. Em um ranking que considera apenas os municípios com população superior a 1 milhão de habitantes, São Paulo aparece como a cidade que mais atrai mão-de-obra qualificada, seguida por Rio de Janeiro e Brasília.
Mata acredita que, no futuro, poderá haver uma reversão em São Paulo, que tenderá a perder mais gente qualificada do que atrair. Isso pode acontecer pelo “congestionamento” da capital paulista, que prejudica a qualidade de vida dos moradores. O cidadão optaria por cidades pujantes, mas com menores problemas sociais. Campinas, por exemplo, já é a 7ª colocada no ranking dos dez municípios com mais de 1 milhão de habitantes que mais atraem mão-de-obra qualificada. Detalhe importante: é a única cidade da lista que não é capital de um Estado.
A análise regional do ranking revela que o comportamento no Sul e Sudeste é bastante homogêneo, com algumas cidades perdendo mão-de-obra qualificada para outras. O Centro-Oeste, que se beneficia do crescimento da agricultura, é receptor líquida de mão-de-obra qualificada.
No Nordeste, as capitais atraem mão-de-obra qualificada, impulsionadas pelo crescimento econômico. As três maiores capitais -Salvador, Recife e Fortaleza – figuram no ranking das dez cidades com mais de 1 milhão de habitantes que mais seduzem pessoas com nível superior completo.
“O cidadão pobre decide migrar mais por fatores que o expulsam da localidade de origem do que por fatores de atração da região de destino. Com migrantes de maior poder aquisitivo, ocorre o oposto”, diz Mata. O indicador do Ipea também revela as cidades que mais expulsam mão-de-obra qualificada. A campeã é a pequena São Luís, em Roraima, focada em agricultura. Em seguida, aparecem Santa Maria (RN) e Turmalina (SP).
Estão situadas em São Paulo, o Estado mais rico do país, seis das 10 cidades que mais expulsam mão-de-obra qualificada. O estudo do Ipea demonstra que os municípios competem entre si pelos “cérebros”. Um indicador de mão-de-obra qualificada líquida positivo para um município pode significar o oposto para seu vizinho. “Ainda temos que estudar melhor esse fenômeno, mas esse mau resultado pode ser conseqüência da proximidade de cidades como Ribeirão Preto ou Campinas”, diz Mata.
Fonte: Valor