Mudança nos dados pode levar a revisões no PIB
A revisão metodológica que transformou em crescimento as quedas registradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no comércio e nos serviços em janeiro aumentou a relevância da divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central do Brasil (IBC-Br) referente a fevereiro. O dado que será apresentado hoje – para qual se estima alta de 0,6%, conforme a média de 17 estimativas colhidas pelo Valor Data entre consultorias e instituições financeiras – pode dar sinal mais claro sobre a temperatura da atividade e chancelar as revisões para cima sinalizadas no fim da semana passada das projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre.
A mudança significativa nos dados de janeiro do comércio e dos serviços – de queda de 0,7% para alta de 5,5% e de recuo de 2,2% para aumento de 0,2%, nessa ordem – feitas na semana passada pelo IBGE já levaram Itaú e GO Associados a afirmar que vão revisar o PIB do 1º trimestre e devem provocar alteração também na série do Banco Central (BC), diz o economista Luiz Castelli, da GO Associados, já que o indicador incorpora os resultados das pesquisas em sua metodologia. A queda de 0,26% em janeiro, ele calcula, deve passar a alta de 0,8% – o primeiro número positivo desde junho de 2016.
“Serviços e comércio vão dar contribuição melhor do que se esperava para a atividade no primeiro trimestre”, ele avalia. A projeção da GO para o PIB do período, de 0,3% na comparação com os três últimos meses de 2016, com ajuste sazonal, vai ser revisada para cima nas próximas semanas. A mudança na metodologia também colocou em viés de alta a projeção do Itaú para o PIB do primeiro trimestre, de 0,5%. Para o IBC-Br de fevereiro, a instituição estima alta de 0,3%.
Na divulgação da PMC, na quarta-feira, o gerente da coordenação de serviços e comércio do IBGE, Pedro Quinstslr, informou sobre a correção dos pesos das atividades que compõem a pesquisa, razão da mudança brusca nos dados do primeiro mês do ano, que ocorreu depois de uma alteração no cálculo do ano-base da PMC, 2014. Em vez de fazer uma média ponderada da receita do varejo ao longo de 12 meses para encontrar o peso de cada uma das atividades, como foi feito no cálculo do ano-base de 2011, foi usado apenas o resultado final da Pesquisa Anual do Comércio (PAC) de 2014.
Quinstslr afirmou que o problema ocorreu por falta de tempo e recursos. Mais tarde, no mesmo dia, o diretor do IBGE, Roberto Olinto Ramos, descartou qualquer tipo de erro técnico do instituto. Questionado sobre possível influência do governo para maquiar os dados, negou a prática e ressaltou que o IBGE é “um órgão sério” e afirmou que esse tipo de comentário seria “infantil” ou “de alguém que errou a projeção e diz que o IBGE está sujeito a interferências”.
Para o economista-chefe do banco Haitong, Jankiel Santos, as mudanças nos números refletem aperfeiçoamento metodológico, e não sucateamento da instituição. “A falta de recursos para o órgão gera problemas na criação de novas estatísticas, como medição de estoques. Não creio que atrapalhe as pesquisas existentes”.
Sua projeção de alta de 0,7% para o IBC-Br de fevereiro levaria a um carregamento estatístico nulo no primeiro trimestre. Contudo, diante das revisões metodológicas dos indicadores do IBGE, ele diz, “não será surpresa se o IBC-Br apresentar uma variação muito mais elevada e reforçar a perspectiva crescente de que o PIB apresentará variação positiva no primeiro trimestre”. “O que aliviaria barbaramente a pressão sobre o governo quanto à eficácia das medidas econômicas adotadas até então”.
As projeções para o indicador do BC estão de fato dispersas, variando de retração de 0,3% a alta de 1,4%. Na comparação com o mesmo mês de 2016, a média indica recuo de 2,3% para o indicador.
Diante do crescimento de 1,4% do varejo ampliado em fevereiro, da alta de 0,7% dos serviços e do incremento de 0,1% na produção industrial, a expectativa da GO Associados para o dado de fevereiro é de avanço de 0,55% sobre janeiro. A alta, diz Castelli, será puxada especialmente pelo consumo e pelos serviços, já que a indústria deve manter o ritmo bastante gradual de recuperação.
Para março, avalia o economista, os sinais do setor são mistos. De um lado, a confiança da indústria continuou em alta e a emissão de papel ondulado cresceu na comparação com fevereiro. O fluxo de veículos pesados nas estradas, por sua vez, recuou, assim como a produção de veículos medida pela Anfavea. “Março deve ser um mês de estabilidade ou ligeira queda”, diz ele. Já o comércio e os serviços podem ser beneficiados pelo início da liberação das contas inativas do FGTS.
Os dados da indústria mostram um recuo de 0,2%, na margem, em janeiro, e alta de 0,1% em fevereiro. Esta série não teve a mesma revisão metodológica que afetou varejo e serviços, mas o IBGE já avisa que em algum momento serão também recalculados, embora não informe quando.
Diante das mudanças do IBGE, alguns economistas observaram que ficou difícil analisar com precisão o que de fato ocorre com a atividade neste começo de ano. Ainda assim, atendo-se aos dados oficiais, o que pode resultar disso é um primeiro trimestre mais positivo do que o antecipado. Muitas casas de análise, evitaram comentar os dados, ainda tentando entender o novo quadro.
O economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, expressou surpresa em relatório. Ele mostra dois gráficos com os indicadores de atividade ajustados por sazonalidade antes e depois das revisões feitas pelo IBGE e escreve: “Se antes não entendíamos por que estas últimas (curvas de serviços e varejo) continuavam a cair tanto, agora não entendemos por que crescem tanto”. Montero lembra que há razões metodológicas, mas pergunta: “A questão é saber onde está o real retrato da economia. Em todo caso, dúvidas por dúvidas, melhor estas. O IBC-Br talvez ajude a elucidar essa leitura”.
Fonte: Valor