Milionários vêm educando seus filhos para a vida
Renato Bernhoeft
10/08/2006
O título deste artigo pode parecer, num primeiro momento, algo contraditório. Especialmente tratando-se de milionários que, ao longo de sua vida, acumularam fortunas de provocar inveja a qualquer mortal além de um aparente, e perigoso, “conforto” para seus herdeiros. Mas alguns destes destacados ricaços acabam de destinar a maior parte de sua fortuna para entidades filantrópicas e uma porcentagem bem menor tem sido deixada para seus filhos.
Isto é pelo menos o que vem ocorrendo em alguns países do Hemisfério Norte, onde a cultura familiar de educação dos filhos tem características muito diferentes do universo latino. E para tanto basta observar os mais recentes exemplos de Bill Gates, Warren Buffett, Stanford Weill e Anita Roddick. Para quem não conhece os dois últimos, vale o registro que um é presidente emérito do Citigroup Inc. e a segunda, fundadora da bem-sucedida empresa inglesa Body Shop International Plc., vendida em 2005 à L´Oreal S.A., pelo valor de 1,2 bilhão de dólares.
Uma das afirmativas mais marcantes com certeza é a de Buffett, que acumula atualmente US$ 44 bilhões. Segundo ele, que está deixando aos filhos Peter, Howard e Susan apenas 15% do total conquistado, “eles receberão o bastante para que possam fazer qualquer coisa, mas não o suficiente para não fazer nada”. Estes mesmos princípios e proporções foram seguidos por Gates, Stanford e Anita.
É evidente que decisões como estas podem ser interpretadas de várias maneiras. Vão desde um comportamento desprendido com o dinheiro – pelo menos à partir de alguns milhões de dólares acumulados -, até um duro revés para candidatos ao folclórico “golpe do baú”.
O noticiário sobre o tema tem sido até um pouco cáustico, pois entre outras abordagens a “Bloomberg News” de Londres insinua que “nunca houve, na história, uma época pior para ter um progenitor multimilionário”. Chega até a insinuar que os novos megaricos estão inaugurando uma nova tendência, que é a de deserdar seus filhos.
Mas alguns estudiosos que começam a se interessar pelo assunto localizam neste comportamento uma profunda alteração nos procedimentos dos antigos milionários que fracassaram na transferência de suas fortunas para seus filhos. Ou, no mínimo, não os educaram adequadamente para a vida. E muito menos para administrar a fortuna recebida.
Um exemplo atual que é citado como alguém que insiste em envolver os filhos na gestão dos seus negócios, e que vêm enfrentado sérios revezes, é Rupert Murdoch, magnata do mundo das comunicações. Disputas ferozes entre filhos, genros e novas esposas do fundador tem alimentado as colunas de fofocas e corroído parte do patrimônio além de dificultar a vida das empresas.
Analistas indicam três possíveis explicações para esta nova tendência. Caso você deseje que seus filhos se dêem bem na vida e assumam o seu destino com sonhos e realizações próprias, a instrução é provavelmente mais importante do que a fortuna que herdarão. Em economias maduras e mercados competitivos, as pessoas inteligentes e bem formadas conseguem viver muito bem, e melhor, com recursos e capacidades próprias.
Reportando tanto aos ensinamentos de Freud, pai da psicanálise, como até mesmo a vã filosofia dos botequins da vida, continua valendo a premissa que uma fortuna recebida sem esforço pessoal, ou uma dose de conquista, é o caminho mais fácil para o fracasso e a ruína psicológica. O velho ditado “dinheiro não agüenta desaforo” continua muito atual, especialmente para quem não tem noção de como ele foi conquistado.
Por último, uma tendência atual de valorização da meritocracia. A sociedade atual tende a valorizar muito mais as pessoas, as fortunas e as conquistas ganhas por meio de um trabalho árduo e criativo, onde a imaginação e o espírito empreendedor foram determinantes. A fortuna herdada só gera figuras inquietas, mas nem sempre criativas e empreendedoras.
Os comentários dos analistas indicam ainda que, para aliviar sua consciência e terem um reconhecimento que ultrapasse sua própria existência, haverão cada vez mais ricos doando suas fortunas para instituições filantrópicas.
Resta confiar que esta tendência não seja apenas um modismo e que ela também passe a fazer parte da cultura dos nossos milionários. Ou seja, que nossos empreendedores e empresários de sucesso compreendam que preparar filhos para a vida é muito mais do que transferir fortunas. Em alguns casos continua sendo tornar-se pais mais presentes na vida dos seus descendentes.
Renato Bernhoeft é fundador e presidente da Bernhoeft Consultoria Societária
E-mail renato@bernhoeft.com
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Fonte: Valor