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Meter a colher é acolher

Muito se fala sobre o aumento da violência doméstica durante o período de isolamento social. E ele realmente está acontecendo, no Brasil e no mundo todo. Mas, não me atrevo a citar números, pois estamos falando de um assunto que, mesmo em dias normais, já é extremamente subnotificado. No entanto, essa barreira não minimiza sua importância – segundo a OMS, o Brasil é o quinto país do mundo que mais mata mulheres e, na maioria dos casos, o agressor é alguém de sua família – principalmente o marido, namorado ou ex. Ou seja: aqui no Brasil, nós, mulheres, corremos mais risco dentro de casa do que nas ruas.

Porém, vamos deixar a estatística de lado e trocar os números pelos nomes, ou melhor, pelas “flores”. Girassol é uma mulher de vinte e poucos anos que passou os últimos anos sem poder sair de casa a não ser para levar a filha para a escola. Se levasse mais de 14 minutos para ir e voltar, começava a apanhar na rua. Os vizinhos sabiam, o posto médico sabia, a escola sabia, mas, ninguém nunca fez nada. Passados cinco anos, uma vizinha lhe deu R$ 20,00 e disse para ir com sua filha ao fórum. Foi assim que ela chegou ao abrigo sigiloso.

Rosa Vermelha se mudou para outra cidade para morar com o namorado. Tudo estava perfeito até ela engravidar. Começaram os xingamentos, as ameaças, os tapas e puxões de cabelo. Em uma briga por ciúmes, ela foi espancada no banheiro e não gritou para não assustar a filha, que estava brincando na sala. No mesmo dia foi com a criança para a casa de uma amiga e de lá pediu ajuda para a mãe, que a recebeu de volta em sua casa.

O marido da Cacto nunca bateu nela, mas, talvez a tenha machucado ainda mais com toda a violência psicológica, moral, patrimonial e sexual que cometeu e que nunca foi entendida como tal. Até que ela descobriu um caso extraconjugal e teve a coragem de pedir a separação. Ficou dois meses sem levantar da cama, sendo cuidada pelo seu filho de 12 anos e seu irmão.

Girassol, Rosa Vermelha e Cacto são mulheres reais que podiam entrar para a vergonhosa (e subnotificada) estatística dos 13 feminicídios diários que acontecem no Brasil. Contudo, não entraram.

Além de toda a coragem e força de superação, todas contaram com o apoio de uma vizinha, amiga, mãe, filho e irmão. É por isso que escrevo esse texto. Para lembrar da nossa responsabilidade e do nosso poder de ajudar quem está nessa situação.

Precisamos aprender a escutar sem julgar, acolher e oferecer apoio. O ciclo da violência doméstica é muito perverso e é comum que a mulher se sinta cada vez mais sozinha. Vamos mostrar que estamos ao seu lado.

Se a mulher quiser denunciar, ofereça-se para acompanhá-la na delegacia e durante todo o processo, convide-a para ficar na sua casa e esteja ao seu lado ao longo dessa difícil jornada. Se você for formada em Direito, também pode se voluntariar para aconselhar mulheres que recorrem a aplicativos como Juntas, Mete a Colher e Justiceiras.

 Girassol, Rosa Vermelha e Cacto reescreveram suas histórias. O que começou como um conto de fadas e virou terror, se transformou naquelas histórias que esquentam o coração e nos enchem de esperança. É com muita admiração e alegria que compartilho com vocês que elas romperam o ciclo da violência, se tornaram amigas, se reergueram e, através do trabalho, alugaram suas próprias casas com seus filhos.

E assim seguirão em frente…escrevendo e protagonizando suas próprias histórias, prontas para ajudar quem está onde elas já estiveram um dia.

Renata Rizzi

Renata Rizzi é sócia-fundadora da utopiar, uma uma start-up social de moda que, através da capacitação e geração de renda de mulheres que estão ressignificando suas histórias de violência doméstica, produz e vende peças sustentáveis cheias de beleza e leveza.

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