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Maior parte do PIB virá da normalização de estoques

Na contramão do mercado, economista-chefe do Itaú tem visão otimista e vê crescimento de 1,5% em 2017
Na contramão do ceticismo que predomina neste momento entre seus colegas, o novo economistachefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, acredita que a economia brasileira crescerá 1,5% no próximo ano e 4% em 2018. No mercado, a mediana das opiniões prevê 0,58% e 2,3%, respectivamente.

Na visão de Mesquita, a maior parte do crescimento virá da normalização dos estoques, um componente que normalmente contribui pouco para o PIB. Em entrevista ao Valor , ele disse que os componentes tradicionais do PIB – consumo, investimento, gasto do governo, exportação menos importação – devem avançar apenas 0,6% em 2017, mas ele aposta que a recuperação dos preços das commodities e uma forte alta da produção agrícola ajudarão a impulsionar a atividade.

Seu cenário pressupõe que as reformas propostas pelo governo sejam aprovadas e “uma versão relativamente light” de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. Eis os principais trechos da entrevista: Valor: Por que a economia não está se recuperando?

Mário Mesquita: Há uma combinação de fatores atuando para segurar a economia. Um muito citado é o grau de alavancagem das famílias e das empresas, que está reduzindo. [A alavancagem] chegou ao máximo lá na virada do ano, mas vem caindo, mas esse é um processo que tem que continuar.

Valor: Quais são os outros fatores?

Mesquita: Houve impacto grande do aumento da inflação no ano passado sobre o poder de compra das famílias. Isso também tende a melhorar à medida que a inflação caia. Os preços de commodities, que haviam caído muito também, agora começam a subir e ajudam o Brasil, mas o efeito contracionista inicial foi bastante intenso. A queda de preços de commodities que a gente viveu nos últimos anos foi um pouco mais espaçada no tempo, mas na intensidade foi parecida com o que a gente teve no pósLehman [Brothers, banco americano que quebrou em setembro de 2008 e deflagrou a crise mundial]. Mais recentemente sugiram alguns complicadores. Valor: Quais? Mesquita: A questão financeira dos Estados. É natural que o funcionário público de um Estado, cujas finanças estão frágeis, tenda a retrair seus hábitos de consumo. Isso é mais intenso no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, os Estados que estão com problemas mais intensos, mas, enfim, acho que acaba se manifestando em outros lugares. A crise das finanças públicas subnacionais também ajuda a segurar a recuperação.

Valor: O que se dizia é que a falta de confiança de empresários e consumidores, durante a gestão Dilma, paralisou a economia. Mas a confiança voltou e a atividade continua fraca.

Mesquita: Por que tem esse descolamento entre confiança e produção? Porque você ainda está vivendo processo de ajuste de estoques. A produção está rodando aquém da demanda, o que significa que você está ajustando estoques. Esse processo não vai durar para sempre. Em alguns setores, o ajuste parece estar terminando. Valor: Por exemplo? Mesquita: A produção automotiva em novembro teve crescimento expressivo. Pode haver fatores pontuais associados a isso? Sim, mas de qualquer forma foi um aumento na casa de 20%, no mês, com ajuste sazonal. Isso é bastante forte. Nossa visão é que ano que vem a economia cresce. Valor: Quanto? Mesquita: É uma projeção de crescimento acima do consenso de mercado: 1,5%. O crescimento dos componentes tradicionais do PIB – consumo, investimento, gasto do governo, exportação menos importação – é de apenas 0,6%. Valor: De onde virá a expansão? Mesquita: A maior parte do PIB vai vir de uma normalização da situação de estoques. A gente só vê crescimento mais intenso em 2018, porque aí os efeitos da flexibilização da política monetária, que está em curso, vão atingir a economia de forma mais intensa.

Valor: Qual é sua projeção para 2018?

Mesquita: Crescimento de 4%. Não cresce nada parecido desde 2010, quando se expandiu 7,5%.

Valor: O senhor está sozinho nessa visão otimista. Entre os que estão prevendo crescimento entre zero e 0,5%, ninguém está vendo um motor do crescimento. O senhor acha que o ajuste dos estoques, por si só, já leva a economia acima disso?

Mesquita: O estoque já contribuiu no passado até de forma mais intensa para a expansão do produto. É um componente do PIB que, na média de longo prazo, é próximo de zero, só que ocasionalmente tem um efeito bem significativo, especialmente, neste momento de virada. Temos essa visão construtiva olhando outros fatores também. Valor: Quais são esses fatores? Mesquita: Os preços de commodities têm correlação positiva forte com investimento, e eles estão se recuperando. A produção agrícola no ano que vem deve crescer também. É um fator importante, não só pelo impacto direto, mas porque tem efeito multiplicador em algumas regiões do país. Agora, esse cenário pressupõe que as reformas sejam aprovadas, uma versão relativamente light do Trump.

Valor: Como seria um Trump light?

Mesquita: Um Trump que foque mais na expansão e na desregulamentação de setores da economia americana do que em alguma guerra comercial, que evite algum atrito diplomático com a China, por exemplo. Claro que, se essas condições não se verificarem, se a crise política intensificar, se o advento do Trump gerar confronto geopolítico, um momento de aversão ao risco, o cenário se complica. Há muito tempo que a economia brasileira não cresce. Não quer dizer que ela não possa voltar a se expandir.

Valor: O hiato do produto (a diferença entre PIB potencial e PIB efetivo) está em quanto?

Mesquita: Estimamos que o hiato esteja muito aberto, na casa de 5 ou 6 pontos. Mesmo que o PIB potencial seja muito baixo, o PIB efetivo está rodando abaixo disso. Se você olhar a utilização da capacidade na indústria e a taxa de desemprego, verá que esses são indicadores que corroboram essa visão de um hiato do produto aberto. É a recessão mais longa e profunda da nossa história. Mesmo que o PIB potencial seja menor do que já foi, isso tende a abrir o hiato.

Valor: Na sua visão, qual é hoje o PIB potencial do país?

Mesquita: Algo entre 1,5% e 2%. Infelizmente não é muito mais do que isso. Pode voltar a crescer se a gente fizer reformas, se tornar a economia mais competitiva, mais produtiva, aberta. Sempre digo que PIB potencial não é DNA; é algo que pode ser alterado mediante políticas adequadas. Algumas políticas que o governo vem adotando contribuem para aumentar o PIB potencial. Valor: Quais políticas? Mesquita: Algumas, setoriais, que não têm tanta mídia quanto a PEC do teto dos gastos ou reforma da Previdência, mas que são importantes, como essa mudança no pré-sal, na governança das estatais. Tudo isso deve contribuir para um crescimento maior da economia no longo prazo.

Valor: A alta de 4% do PIB em 2018 que o senhor prevê é apenas cíclica, isto é, não veio para ficar?

Mesquita: É eminentemente cíclica. Não tem relação com o PIB potencial. A gente vai ter que ver o impacto dessas medidas do governo. Se aumentar o investimento, se a produtividade voltar a crescer, aí o PIB potencial vai ser sensibilizado. Por enquanto, ainda não é isso.

Valor: O senhor acha que, do ponto de vista fiscal, a PEC do teto de gastos vai resolver o problema?

Mesquita: Ela viabiliza a estabilização da dívida, desde que seja efetivamente implementada, não no curtíssimo prazo, mas a médio prazo – de 2020 a 2023, dependendo do crescimento da economia -, mas o teto depende da reforma da Previdência para ser viável. A PEC do teto dos gastos vai levar a um debate orçamentário muito mais qualificado do que o que a gente se acostumou a ter porque de fato vai ter restrição. Um debate orçamentário em que você sempre pode aumentar a estimativa de receita e com isso acomodar os diversos pleitos existentes na sociedade é sui generis, para dizer o mínimo.

Valor: Há um ceticismo muito grande ainda sobre a capacidade do setor público de cumprir a PEC.

Mesquita: Talvez até por conta da economia em recessão, do malestar da sociedade, criou-se uma onda de ceticismo muito grande. O ceticismo em relação a esta gestão tem etapas. A métrica, a barra, está sempre subindo. Então, primeiro dizia-se que “o governo não vai conseguir ter uma boa equipe econômica”. Aí, montou-se uma equipe econômica excelente, a melhor que temos em muito tempo. Depois, foi dito que “não, a equipe econômica é excelente, mas ela não vai conseguir influenciar as decisões do governo”. Aí, vemos que, sim, ela influencia. A seguir, disseram que “não, tudo bem, a equipe econômica é boa e ela influencia as decisões do governo, mas não vai conseguir passar nada no Congresso”. Aí, o governo vai lá e consegue passar quase tudo que propôs até agora ao Congresso. Agora, é assim: “Passou, mas não vai implementar”. Então, fica difícil. É muito difícil, depois do que aconteceu com a ex-presidente Dilma, você ter um presidente da República que ignore a PEC do teto. Ignorar uma emenda constitucional é uma atitude muito grave e de altíssimo risco. Mudar a Constituição também porque, no momento em que um governo resolver alterar a regra do teto, os investidores, os preços dos ativos, vão reagir antes e, portanto, as condições para você fazer essa alteração vão ser as piores possíveis.

Valor: Mas o teto não resolve sozinho a crise fiscal.

Mesquita: Tem que aprovar a reforma da Previdência. Os estudiosos já mostraram a necessidade de fazer isso. Num mundo ideal, não precisaríamos fazer a reforma da Previdência, não estaríamos vivendo a transição demográfica etc. Só que a gente está. Então, devemos isso às gerações futuras, que é ter um sistema de previdência que funcione. Se a reforma não for aprovada, isso vai estressar o regime fiscal porque as outras despesas vão ter que ser contidas de maneira muito forte.

Valor: A reforma proposta pelo governo não é ambiciosa demais?

Mesquita: É uma proposta ambiciosa, assim como a PEC do teto também era. E essa PEC foi aprovada, diga-se de passagem, com um texto mais forte que o original. Valor: Em que sentido? Mesquita: A PEC foi fortalecida durante a tramitação. Imaginavase no mercado financeiro, por exemplo, que a duração da vigência do teto [20 anos] pudesse ser encurtada num processo negocial com o Congresso, mas nada disso aconteceu. É possível que na questão da Previdência ocorram alterações na regra de transição. Fala-se numa rampa para transição, talvez, uma mudança na idade mínima. O governo acerta ao fazer uma proposta ambiciosa. Valor: Por quê? Mesquita: Porque você não pode entrar num processo de negociação a partir de um ponto em que você não tenha nenhum espaço para recuar. A alternativa para você não fazer a reforma da Previdência seria um aumento bastante intenso e agressivo da carga tributária, que a sociedade, também, por meio de seus representantes eleitos, parece que não quer fazer. Há uma alternativa ainda pior. Valor: Qual? Mesquita: Um crescimento desmedido da dívida pública, que acaba sendo resolvido de forma agressiva para com os milhões de poupadores que temos aqui no país. Ou você inflaciona a dívida ou faz uma restruturação mais ou menos compulsória. Não tem saída. Os Estados que estão vivendo crises mais severas mostram o que acontece quando você faz um ajuste fiscal forçado. Perdem o controle da situação e acabam fazendo, enfim, dessa forma que está acontecendo, com influência do Judiciário, arresto de receita etc. É extremamente danoso para a atividade econômica e a vida social. É esse cenário em escala federal que se quer evitar.

Valor: A economista Vilma Pinto, do Ibre/FGV, calcula que, em dez anos, a despesa primária federal vai ter que cair cinco pontos percentuais do PIB, a menos da metade do que se gasta hoje, para que se respeite o teto de gastos. Na prática, terá que cortar gastos que, embora discricionários, são obrigatórios do ponto de vista político.

Mesquita: Cinco pontos percentuais do PIB, mas que PIB? Se você retoma a confiança na solvência do Estado, cria ambiente favorável para, por exemplo, flexibilização monetária. Isso cria um ambiente que pode permitir à economia crescer mais. O PIB pode ser maior e, com isso, o gasto em termos absolutos e reais também será maior, mas não em proporção do PIB.

Valor: O governo, pressionado pela falta de crescimento, tem adotado e anunciado algumas medidas, como a criação de uma nova faixa do Minha Casa, Minha Vida e mudanças em regras do cartão de crédito. Qual é o efeito real disso?

Mesquita: Pode ter efeitos tópicos prover algum alívio de curto prazo, mas os grandes vetores de recuperação são a altas dos preços de matérias-primas; a flexibilização monetária, que depende da perspectiva para inflação. A própria queda da inflação vai ajudar a restaurar o poder de compra do consumidor. Na virada do ano, teremos aumento de salário mínimo em torno de 6,5%, com inflação rodando cada vez mais baixa. Esses fatores vão ser mais importantes para os próximos 12, 24 meses.

É muito difícil, depois do que ocorreu com a ex-presidente Dilma, ter um presidente que ignore a PEC do teto” Se você retoma a confiança na solvência do Estado, cria ambiente favorável para flexibilização monetária” Valor: O governo anunciou também medidas para amenizar a situação financeira das empresas e também tributária.

Mesquita: Essa angústia é compreensível. O desemprego está alto. O que não dá é para voltar, por exemplo, com o BNDES hospital. Acho que esse tipo de erro o governo não vai cometer. Já vimos esse filme de forma intensa nos últimos anos e deu no que deu.

Valor: Uma válvula de escape importante seria a aceleração dos programas de concessões e alguma privatização. Mas existe a dúvida: com o BNDES reduzindo significativamente seu aporte nesses projetos, existiriam realmente interessados em investir neste momento no Brasil?

Mesquita: Pode ter investimento externo em infraestrutura. O que tem que ser equacionado é o risco cambial. Porque o investidor investe dólar ou iene ou yuan e quer receber na mesma moeda. Há uma visão generalizada na sociedade contra associar preços locais à taxa de câmbio. Acho um exagero. É engraçado que as pessoas têm muita resistência a isso em projetos de infraestrutura, mas a energia de Itaipu é dolarizada, os preços dos combustíveis são dolarizados. A nova política de preços da Petrobras deixa isso claro, mas para investimento em infraestrutura não pode atrelar ao câmbio. Não sei por que uma tarifa de pedágio de uma estrada que leve a um porto não pode ter uma relação com a taxa de câmbio, ainda que suavizada, a médias móveis, enfim. Sem resolver esse problema, de fato, vai ser difícil atrair capital estrangeiro, mesmo com todas as oportunidades que existem aqui.

Valor: Os investidores não podem simplesmente fazer hedge, como fazem as empresas nacionais?

Mesquita: Podem fazer, mas eles dizem sempre que custa caro, mas em tese pode fazer. Acho que a pior solução é tentar transferir esse risco cambial para o Tesouro, uma tendência natural aqui no país.

Valor: Economistas de perfil liberal, como Afonso Celso Pastore e Eduardo Loyo, têm defendido a aceleração da queda dos juros, mas o Banco Central resiste ao optar por caminho mais cauteloso. Como vê isso?

Mesquita: Quando o Copom começou com corte 25 pontos básicos, era a decisão correta naquela ocasião. Depois, mesmo que o Copom tenha sinalizado que havia risco grande de continuar no ritmo de 25, a nossa visão era que aceleraria para 50 por causa da decepção com a atividade e, mais importante, o que isso implica para a perspectiva de inflação, que é o norte, sempre, do BC. O problema é que, no meio do caminho, houve a surpresa eleitoral nos EUA, aumentou a volatilidade no mercado, especialmente cambial. O Banco Central, que estava reduzindo a posição dos swaps cambiais, teve que atuar na outra ponta, e esses desenvolvimentos nos convenceram de que de fato continuaria a cortar no ritmo de 25. Foi o que acabaram fazendo. Foi a decisão correta com as informações que tinham disponíveis naquele momento. O trabalho que eles fizeram até agora foi extremamente bem conduzido e exitoso, no sentido de ancorar as expectativas.

Valor: Qual é o peso que o senhor atribui hoje à crise política no cenário de incerteza?

Mesquita: Muito difícil fazer um vaticínio sobre o desenvolvimento da Lava-Jato, suas repercussões políticas etc. Mas as consultorias políticas atribuem probabilidade bem alta de o governo concluir o mandato. Agora, isso não tem nada a ver com a política monetária.

Valor: Mas não afeta, não é um elemento de incerteza?

Mesquita: À medida que a crise política contribua para retrair os gastos de consumo e/ou investimento, isso vai influenciar o cenário macro. Agora, o que não pode acontecer e não vai acontecer com esse Banco Central é a preocupação com o entorno político afetar o processo de deliberação. Porque aí é o caminho para dar errado.

Fonte: Valor

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