Investimentos em infraestrutura demandam mais ajustes e reformas
Os especialistas que dissecaram o Programa de Aceleração de Investimento (PAC) no seminário promovido hoje pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) chegaram à conclusão que o plano definha pelas restrições orçamentárias e o ambiente de negócios hostil ao setor privado. Os economistas Raul Velloso, Gil Castello Branco e Cláudio Frischtak foram unânimes em apontar a necessidade vital de realização de reformas estruturais para retomar a capacidade de crescimento econômico do país.
Temos um Estado capturado pelo corporativismo e clientelismo. Ou o país abraça as reformas ou não teremos futuro. Podemos nos tornar uma nova Grécia afirmou Frischtak, no diagnóstico contundente que apresentou.
A baixa capacidade de execução de projetos de infraestrutura no país tem como exemplo mais flagrante a área de saneamento, em que foram previstos investimentos de R$ 62,1 bilhões, no período de 2007 a 2014. Apenas R$ 4,22 bilhões desse montante foram efetivamente aplicados, o que representa meros 6,8% das ações previstas, de acordo com os dados levantados pela Associação Contas Abertas. Esse desempenho pífio na área de saneamento é uma das principais razões para a disseminação do mosquito aedes aegypti, vetor de doenças como dengue, zika e chikungunya.
Cláudio Frischtak classificou essa situação como vergonhosa e alertou para os custos elevados decorrentes da assistência à população afetada. Ou seja, enquanto o governo gasta quantias vultosas para atender os doentes, as obras que poderiam prevenir ou minorar esse grave problema de saúde pública não foram executadas. Em saneamento, o país na realidade retrocedeu, na medida em que não conseguiu responder a um processo de urbanização acelerada, e as implicações para a saúde da população são por demais evidentes, está dito no estudo realizado por sua consultoria.
Na ponta oposta à parcela diminuta dos investimentos em saneamento, o levantamento realizado pela entidade Contas Abertas identificou a área habitacional, que teve um nível de execução de obras superior em 173,4% às previsões iniciais do PAC. A ressalva de Gil Castello Branco é que o governo inclui nessas estatísticas os financiamentos habitacionais concedidos com recursos do FGTS, o que infla os resultados. De qualquer maneira, os dados demonstram que o PAC caminhou para fortalecer a área habitacional enquanto ficaram em segundo plano as obras de infraestrutura em outros segmentos.
No evento que teve como tema oficial os investimentos em infraestrutura e seus impactos, ficou claro que o desempenho dos projetos ambiciosos lançados pelo governo a partir de 2007 não foi suficiente para que o Brasil alcançasse sequer o mesmo nível de outros países emergentes. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com os estudos apresentados, a média brasileira de investimentos nessa área foi de 2,18%, no período de 2007 a 2014. No caso do México, Peru e Chile, o patamar foi da ordem de 4% a 6% – ainda muito longe da China, que chega a investir cerca de 12% do seu PIB.
A trajetória brasileira já foi diferente. No período de 1971 a 1980, a média de investimentos em infraestrutura foi de 5,42% do PIB, que se reduziu para 3, 62%, nos anos de 1981 a 89, e para 2,29% no intervalo de 1990 ao ano 2000. No período de 2001 a 2015, que abrange o lançamento do PAC, esse patamar ficou em 2,14% do PIB. Apenas para a manutenção da infraestrutura existente seria necessário investir em torno de 3% do PIB, de acordo com os cálculos apresentados. E para que o país efetivamente modernizasse esse setor fundamental, a estimativa de Frischtak é que os investimentos teriam que atingir algo entre 5% a 6% do PIB durante nada menos do que vinte anos.
Corporações
Espremido entre as despesas obrigatórias do Orçamento da União, sob constante pressão de demandas corporativistas, os investimentos do governo federal foram minguando ao longo dos últimos anos. No debate em que tive a oportunidade de atuar como mediadora, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) afirmou que os poucos recursos disponíveis para o Estado investir são disputados por grandes corporações de funcionários públicos. A sociedade tem que aprender a reagir a essas pressões, afirmou.
O mesmo diagnóstico foi feito pelo deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que ainda avançou: As corporações, sobretudo do setor público, tomaram conta do parlamento. Segundo ele, o Congresso Nacional não consegue mais controlar os gastos do Judiciário e do Ministério Público, rendido às pressões das galerias constantemente ocupadas por representantes dessas áreas, em defesa de carreiras funcionais. A saída antevista por Ricardo Barros é a desvinculação total de receitas tributárias e a desindexação de despesas. Raul Velloso também confirmou: O setor público brasileiro está entregue às corporações de funcionários.
O presidente da Cbic, José Carlos Martins, manifestou a preocupação com a melhoria do gasto público para que seja possível abrir espaço para investimentos em infraestrutura, capazes de gerar produção e emprego. A entidade que preside quer colaborar com esse debate na sociedade brasileira. Velloso, por sua vez, defendeu que o modelo econômico mais adequado deve se assentar em investimentos e não no consumo, como ocorreu no Brasil em anos recentes. Também não há saída, segundo ele, se o setor privado não entrar para valer nos investimentos em infraestrutura.
Não tem sentido hostilizar o setor privado, numa atitude quase esquizofrênica criticou, ao defender o incentivo às concessões e às Parcerias Público-Privadas (PPP) como caminho para contornar as fortes restrições fiscais enfrentadas pelo governo.
Nas contas de Raul Velloso, o país pode encerrar este ano de 2015 com um déficit primário muito próximo ao que foi registrado no ano passado, quando chegou a R$ 111,2 bilhões, o que incluiu o pagamento das chamadas pedaladas fiscais. Ele comentou a perspectiva mencionada pelo deputado Ricardo Barros, com base em estudos da Comissão de Orçamento, de que o Brasil poderá ser obrigado a conviver com déficits primários da ordem de 1% do PIB ao longo dos próximos dez anos.
A confirmação desse cenário extremamente adverso significaria enfrentar, na avaliação de Velloso, uma expansão ainda mais explosiva da dívida bruta do país, com consequências previsíveis, como a fuga de capitais. Em hipótese tão extremada, a solução poderia vir pelo caminho mais perverso, com um cenário de hiperinflação, que corroeria valores e faria um ajuste doloroso para a sociedade. As reformas estruturais são a resposta, na opinião dele e dos demais participantes do encontro, para se buscar saídas mais racionais e com menores custos sociais.
Fonte: G1