Governo tende a subir impostos
O grau de recessão que o país atravessa poderia ter sido evitado, na avaliação do economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes. Bastaria o Banco Central (BC) ter adotado uma meta de inflação ajustada, que não buscasse, com a política monetária, atingir o centro da meta de 4,5% em 2017. Caso o objetivo fosse alongado para 2018, teria sido possível começar mais cedo os cortes da Selic, a taxa básica de juros.
Economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Freitas conhece bem o BC, do qual foi diretor entre 1985 e 1989. Explica que o excesso de rigor da instituição neste ano foi um recurso para reconquistar a credibilidade, que, reconhece, foi abalada na gestão passada.
Freitas não está entre os que criticam o excesso de gastos do atual governo. Se tivesse sido adotada uma política fiscal contracionista, diz, a recessão seria ainda mais aguda.
No próximo ano, ele espera que a economia volte a dar sinais de crescimento. Acha, porém, que não será forte o suficiente para que a receita do governo reaja. Nesse caso, será necessário elevar impostos para evitar que a relação entre a dívida pública e o PIB se eleve muito fortemente. Ninguém ficará feliz com isso. Mas ele argumenta que será uma alternativa melhor, ao menos, que a volta da política fiscal contracionista de 2015. Na última sexta-feira, ele concedeu entrevista ao Correio, em seu escritório, com vista para a pista do Aeroporto Santos Dumont.
Qual sua avaliação das medidas de estímulo apresentadas pelo governo?
As medidas são pontuais. Não vão ter efeito a curto prazo, mas eram necessárias. Não vão melhorar a atividade econômica já, mas estão pavimentando o terreno para quando o Banco Central (BC) baixar as taxas de juros, e passar, eventualmente, o que o governo quer no Congresso, a economia possa deslanchar mais rápido.
Quando a economia vai deslanchar?
Somente a partir de 2018. Acho que, no ano que vem, vai continuar andando de lado, com alguma melhora, mas sem perspectivas de uma retomada rápida. Nós temos um problema hoje que se chama alavancagem das famílias e das empresas. É uma crise de balanço, que demora a ser acertada, porque as empresas e as famílias têm de, primeiro, pagar suas dívidas para voltar a consumir e voltar a investir.
Alguns argumentam que a crise é mais política do que econômica. Até que ponto isso é verdade?
É óbvio que falta uma âncora política. Seria muito mais fácil se ela existisse. Mas não quer dizer que ela seria indispensável se a economia estivesse no prumo. E não está porque vários erros de gestão macroeconômica foram cometidos no passado . Isso congestionou o processo. Por exemplo, a necessidade de elevar vários preços em 2015: energia, gasolina, taxa de câmbio. O dólar subiu muito no ano passado, os preços subiram bastante, porque estavam razoavelmente congelados antes de 2015. Isso levou a uma alta de preços enorme junto com uma economia que já estava combalida pela atividade fraca, o que começou praticamente em 2012, 2013. A área econômica foi mal gerida, apesar de que a política estava conturbada havia muito tempo. Mas, se nós tivéssemos tido realmente um período de prosperidade econômica, a área política teria se achado muito mais rapidamente. Como essa prosperidade foi embora, a partir de 2013, principalmente, e só vai voltar em 2018, a área política se perdeu também nesse meio do caminho. Muita insatisfação econômica leva os políticos a ficarem indecisos. Mas estamos hoje com uma âncora econômica muito melhor. Uma gestão macroeconômica que está fazendo tudo o que tinha de ser feito. Por isso, eu acredito que, passada essa fase de recuperação, em função do balanço das pessoas e das empresas, nós possamos ter a partir do segundo semestre do próximo ano momentos de maior prosperidade, consequentemente de menor incerteza política.
As coisas corretas estão sendo feitas inclusive na política monetária?
Esse é um ponto importante. Quando começou o governo Temer, a decisão foi de manter a meta de inflação em 4,5% em 2017. Nesse momento específico, havia falta de visibilidade para quem estava entrando, porque não há visibilidade num momento em que o país vive tantas incertezas. Naquele momento específico, se o BC tivesse adotado uma meta ajustada, não teria tanta pressa de persegui-la para o ano que vem, e poderia ser mais flexível nas taxas de juros, porque, na medida em que nós temos uma crise de indivíduos e de balanços e de empresas, taxas de juros reais muito elevadas não ajudam a fazer uma cura simultânea de ambos os lados: inflação mais baixa e conserto da economia, que está fraca demais. O BC preocupou-se muito mais com a sua reputação, com sua credibilidade, já que ela havia sido perdida pela gestão anterior. Recuperando isso, as taxas caem a longo prazo. Mas naquele momento o diagnóstico não era ainda de uma crise de atividade econômica.
Como a que nós ainda estamos vivendo, certo?
Sim, como a que nós estamos vivendo. O BC poderia ter sido menos rigoroso, em vez de manter a Selic alta por tanto tempo. E o governo já poderia também pensar em dar alguns incentivos para que a atividade não caísse tão rapidamente. Por exemplo, esse pacote de incentivos que foi anunciado agora. Se isso tivesse ocorrido alguns meses atrás, talvez não tivéssemos uma situação de atividade econômica tão ruim quanto agora.
Houve demora no diagnóstico?
Não. Houve demora em ver o todo. O BC, muito preocupado em não ter reputação, olhou só para a meta central de inflação e abandonou um pouco a atividade econômica, que também é importante. Não digo que houve um problema de diagnóstico. Houve uma percepção muito unilateral do problema.
O que foi uma falha, portanto?
Sim, sob certo ponto de vista foi uma falha. Porque, além da dívida das famílias e das empresas, também há a dívida do país, que ainda está em uma trajetória insustentável. Costumo dizer o seguinte: quando o governo Temer entrou, havia um táxi em frente à sua porta com o taxímetro rodando muito rapidamente, com juros reais de 8% ano e deficit primário pela primeira vez. Quanto mais tempo o governo demora para entrar no táxi, traçando um diagnóstico certo, maior a conta que vai pagar no futuro. Juros reais elevados aumentam o custo da dívida. Se a atividade cai muito rapidamente porque você exagerou na sua formulação unilateral de taxa de juros, cai a arrecadação, e piora a relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto). Hoje, o nosso principal problema não é só despesa. É a arrecadação, que está caindo, frustrando, porque a atividade caiu demais. Já veio de 2015 caindo. Em 2015 também tivemos uma péssima gestão macroeconômica. O BC apertou demais a política monetária e o governo na área fiscal cortou e segurou dinheiro na boca do caixa, não liberou. Então houve uma recessão.
Mas isso não era necessário para garantir o superavit?
O governo de 2015 estava em uma ponte: haveria reformas e elas seriam aprovadas pelo Congresso. Mas chegou no meio do caminho e não passou nada. Pagamos todo o custo.
Devido à conturbação política, não foi?
Sim, mas não houve o outro lado da moeda. Neste ano, a gente estava correndo o risco também de pagar um custo muito elevado, com juros altos e atividade caindo rapidamente, mas o governo está conseguindo passar algumas reformas: a PEC do teto de aumento de gastos e a Previdência, ambas sem efeito a curto prazo, mas ao menos isso dá uma perspectiva de que, mais à frente, a dívida vai voltar para uma trajetória sustentável. Eu acho que não vai bastar só Previdência e teto de aumento de gastos, porque a dívida está crescendo muito rapidamente.
E do que mais precisará?
De a atividade voltar no ano que vem, e isso vai depender da confiança. Quando se sente que o governo está mais atuante, que vai conseguir a aprovação da reforma da Previdência, isso pode segurar a economia por algum tempo. Mas, se não segurar, acredito que vai ter que ter um aumento da carga tributária, em um momento em que a economia estiver com mais atividade, para você não entrar na trajetória insustentável da dívida. Não agora.
Não seria melhor cortar gastos?
Se ele pisa muito agora no freio fiscal, como foi pisado em 2015, não libera dinheiro, a economia cai mais ainda. O governo fez uma política fiscal expansionista. A própria PEC é expansionista inicialmente. Se tivesse feito uma política fiscal contracionista, seria um suicídio.
O discurso do senhor é um discurso otimista. Quando a gente começa, de fato, a ver sinais de melhora?
Nós vamos ver sinais concretos a partir do segundo semestre do próximo ano. Porque nós estamos ainda no rescaldo de um aperto monetário muito forte que foi dado na economia, apesar de nós estarmos com a política fiscal expansionista. Mas esse aperto monetário de juros real a 8% ao ano num país que está em recessão, isso colocou todo mundo de cócoras. Porque o consumidor muito endividado não pode mais pegar dinheiro emprestado. As empresas também não têm mais condições de pagar suas dívidas, se endividaram em dólares, porque foram incentivadas a se endividar em dólares. E tudo isso junto, levou o país a ficar, a curto prazo, numa conjuntura que gerou uma certa frustração. Porque a expectativa do governo Temer é que ele já pudesse recuperar o país ao final deste ano.
O que deu errado?
Primeiramente, quando o governo começou, essa visão unilateral do BC prejudicou. Segundo, com uma certa euforia, pegou uma certa confiança na indústria, comércio. Confiança é expectativa. Estavam achando que estava tudo ruim. E também o próprio Ministério da Fazenda, e aí um erro de comunicação, gerou a expectativa que no ano que vem ia crescer 1,5%. Isso foi prematuro. Começa-se um governo que diz que vai ficar bom rapidamente, depois não fica. Houve também um erro de comunicação. Então agora vem essa reversão de expectativa. O PIB neste ano vai ser -3,4% ou -3,5%. No ano que vem, a expectativa era de que crescesse 1,5%. Pode ficar zerado.
O senhor está esperando quanto para o ano que vem?
Se não houver tempestades externas, o que acho que não terá, eu acredito que o país possa crescer na faixa de 0,5% a 1%. Eu sou um otimista cauteloso, mas reconheço que, quando começou o time Temer a jogar, cada um viu o seu lado. O BC viu o lado de 4,5% e o Ministério da Fazenda viu o lado de tentar crescer 1,5%, mas os dois não estavam na mesma música. Para manter situação de 4,5%, os juros reais a 8% e crescer 1,5% não tinha uma sinfonia harmônica. Agora está ficando mais harmônica. Demorou um pouco.
O senhor acha que a política monetária tem de ser alterada agora?
Não, agora não. Agora está no processo de queda de juros. Está no caminho certo. Agora, também não pode ter movimentos bruscos, baixar a taxa de juros a qualquer preço. O BC também não pode ficar dando tiro no pé. Vamos supor que o governo Temer tivesse assumido a política contracionista, como estava sendo feito pelo governo Dilma, ele pagou todos salários atrasados, todos os aluguéis de embaixadas no exterior, quer dizer, a PEC é expansionista. Ele não colocou nada debaixo do tapete. Aumentou tudo. Isso é uma política fiscal frouxa. Agora se tivesse feito uma política fiscal muito contracionista, também só segurando o dinheiro na boca do caixa, seria um suicídio. Porque, sem reformas mais importantes, como a PEC, sem a Previdência, só segurando o dinheiro na boca do caixa, ia faltar dinheiro para o hospital, para a saúde e para a educação sem necessidade. A PEC é uma coisa importante, porque ela não pisou no freio fiscal à toa.
CPMF, o senhor acha que é o caso?
Também pode ser o caso na frente, mas não agora. Tem necessidade de aumentar nada, tem que esperar para ver.
Quando será possível fazer isso?
Qualquer aumento de atividade é suficiente. Na medida em que não tem mais fechamento de lojas, há geração de emprego. Só que investimentos só vêm quando baixarem os juros. Com taxas de juros reais de 8% ao ano, quem vai fazer investimento no Brasil com essa turbulência política que estamos vivendo até hoje? Agora, com as taxas caindo, vai ter mais investimento. Se não houver nenhuma tempestade externa. Não acredito que vai ter de novo esse colapso externo como nós tivemos em décadas passadas, porque o Brasil fez o dever de casa na parte externa. Digo o seguinte: nós não estamos quebrados em dólares, o Brasil ficou apertado em reais, o que é ótimo, porque você emite reais. O pior é ficar quebrado em dólar.
Como já ficamos…
Várias vezes. Neste ano, apesar de todos os nossos erros passados ficamos melhor em dólares; agora, em reais , devido a essas travessuras todas, o Brasil ficou mais apertado. Mas reais sempre tem solução…
O governo só prometeu pisar no freio a partir de 2018. Isso é suficiente?
Como a PEC já foi aprovada, já sabemos disso. Agora está na hora de afrouxar um pouco a política monetária para voltar a atividade. E, se voltar a atividade muito rápido, não tem necessidade de aumentar mais impostos. Mas, se a atividade não voltar rápido, para evitar uma piora na relação dívida e PIB, vai ter que aumentar alguns impostos.
Fonte: Correio Braziliense