FGV ainda vê juro em um dígito, mas ciclo menor
Economistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ainda acham provável a taxa de juros cair a um dígito, mesmo depois da delação premiada que atingiu o presidente Michel Temer. Alguns deles consideram possível que a crise política tenha efeitos líquidos desinflacionários, obrigando o Banco Central (BC) a cortar a Selic mais que o previsto.
Nos últimos dias, os pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV refizeram as contas para tentar medir o impacto do escândalo político na economia. Também promoveram um debate de conjuntura com algumas de suas melhores cabeças sobre como o governo, em especial o BC, deve reagir.
Livio Ribeiro, especialista no setor externo do Ibre, afirma que o choque político representa um “novo regime” – ou seja, um evento com proporções suficientes para mudar o cenário econômico e produzir um salto no risco Brasil e na cotação do dólar.
“É difícil definir o que seria esse novo regime, mas fizemos alguns cenários preliminares”, afirma Ribeiro. No básico, construído a partir do CDS (medida de risco) médio dos dias 18 e 19 de maio, a taxa de câmbio ficaria em R$ 3,51 em 2017 e em R$ 3,60 em 2018. No cenário básico anterior, a taxa de câmbio ficaria em R$ 3,22 em 2017 e em R$ 3,32 em 2018.
Os economistas Silvia Mattos, Julio Mereb e Bruno Ottoni, além de Ribeiro, refizeram as projeções do Ibre para a inflação a partir desse novo cenário básico para o câmbio. Chegaram a um Índice de Preços ao Consumidor Amplo de (IPCA) de 4,2% em 2017 e de 4,6% no ano que vem. É uma piora em relação ao cenário básico anterior, que indicava inflação de 3,7% em 2017 e de 4,3% em 2018, mas em linha com o cumprimento das metas de inflação, de 4,5% para os dois anos.
“A desinflação continua a ocorrer, mas não de forma tão favorável quanto antes”, afirma Silvia. Nesse cenário básico, o Ibre vê espaço para a taxa Selic ser reduzida dos atuais 11,25% ao ano para 9% ao ano até o fim de 2017, permanecendo nesse percentual em 2018. Antes do choque político, a projeção era que o juro caísse a 8,5% ao ano.
No cenário pessimista, a taxa de câmbio subiria a R$ 3,70 neste ano e a R$ 3,79 em 2018. A inflação, nessas condições, ficaria em 4,4% em 2017, abaixo da meta, mas em 4,8% em 2018, acima dela. Os juros teriam espaço para cair a um dígito, mas parando em 9,5% ao ano.
José Júlio Senna, do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, avalia que o choque político irá levar o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC a uma postura mais cautelosa em reunião na semana que vem. “O Copom se vê diante de um brutal aumento da incerteza”, diz. Por isso, deverá abandonar as hipóteses de corte entre 1 ponto percentual e 1,25 ponto percentual sinalizadas anteriormente, optando por um movimento mais cauteloso, de 0,75 ponto percentual, afirma.
Já o economista Samuel Pessoa, também do Ibre, chama a atenção para o fato de que a atividade econômica já não ia tão bem e que, com o choque político, poderá ter uma nova desaceleração. “O Banco Central já estava atrás da curva”, disse Pessoa, usando um jargão que nessa situação significa que o BC se atrasou em fazer cortes de juros.
Pessoa argumenta que, antes do novo choque, o Ibre já tinha feito uma revisão qualitativa na sua projeção para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, embora a taxa de expansão anual tivesse sido mantida em 0,4%.
Antes, o Ibre previa uma recuperação constante ao longo do ano, em “escadinha”. Agora, o Ibre projeta uma expansão de 1% no primeiro trimestre ante o período imediatamente anterior, muito concentrada na agricultura. Depois desse bom começo, haveria queda de 0,1% no segundo trimestre, expansão de 0,1% no terceiro e alta de 0,2% no quarto.
Isso faz com que, no quarto trimestre, a taxa de expansão anual fique em 1,6%, mais fraca que os 2,3% antes estimados pelo Ibre. “Temos uma economia andando de lado, e o novo choque é contracionista”, diz Pessoa. “A inflação deve cair mais e, sem mais cortes de juros, o risco é ficar bem abaixo da meta.”
Fonte: Valor