Fatia de rendimento para pagar dívida deve cair abaixo de 20%
Como efeito da queda dos Juros e com a perspectiva de reação do mercado de trabalho à frente, economistas já vislumbram uma redução do patamar de comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas abaixo dos 20%, nível inédito no país desde 2011. A maior sobra de dinheiro no bolso das famílias promete dar impulso ao consumo, esperado para ser um dos vetores do crescimento do PIB em 2018.
A diferença entre as taxas de Juros do crédito livre – aquele oferecido pelos bancos em diversas modalidades de produtos, independentemente das políticas de direcionamento de crédito do governo – e o custo de captação das instituições financeiras está em queda desde fevereiro, após um crescimento constante desde meados de 2013, acentuado a partir de 2015, com a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff.
“Em 2015, os Juros se descolam da Selic porque a capacidade de repagamento das pessoas físicas e jurídicas estava sendo questionada, por conta da recessão, sob impacto da queda de faturamento das empresas e das renda disponível das famílias”, afirma Fabio Silveira, da MacroSector.
Com o aumento da recessão e do desemprego, as pessoas acabaram migrando para créditos de mais alto risco, como cartão de crédito e empréstimo pessoal, que têm taxas de Juros mais altas, explica Gustavo Arruda, economista do banco BNP Paribas, sobre a guinada do spread a partir de 2015.
Segundo Arruda, esse fenômeno conjuntural, resultante da crise, também explica porque o endividamento total das famílias está em queda, enquanto o comprometimento da renda com o pagamento de dívidas se mantém estável, em patamar elevado. “O movimento de desalavancagem da dívida total não se refletiu em pagamento menor de parcela porque o brasileiro teve que se endividar com uma dívida muito mais cara”, diz o economista.
O endividamento das famílias – relação entre o saldo das dívidas assumidas e a renda em 12 meses – está em queda desde setembro de 2015, quando chegou a um pico de 46,1%. Em maio, dado mais recente disponibilizado pelo Banco Central, o indicador estava em 41,5%, no vigésimo mês consecutivo de redução e nível mais baixo em seis anos.
“À medida que as famílias pagam suas dívidas e não tomam dívidas novas, o endividamento assume uma trajetória de queda mais acentuada”, diz João Morais, economista da Tendências.
Já o comprometimento da renda das famílias com o pagamento do serviço das dívidas tem se mantido em patamar relativamente estável, entre 21% e 22%, desde 2011. Em maio, o indicador estava em 21,3%, acumulando quatro meses de queda – o pior ponto da curva, 22,7%, foi registrado em setembro de 2015.
Analisando o comprometimento da renda de maneira mais detalhada, separando entre pagamento de principal e de Juros, o efeito da piora no perfil de endividamento se torna mais evidente, acredita Arruda. Enquanto o comprometimento da renda com amortização de principal vem caindo desde o fim de 2014, a carga de Juros se mantém em alta firme desde 2005, observa.
“Em termos históricos, pode-se dizer que o comprometimento da renda ainda está estável, mas colocando uma lupa nos últimos meses, enxergamos o início de uma trajetória de queda, que deve persistir nos próximos meses, com a continuidade da baixa de spread e com a melhora do perfil do crédito, que está voltando a crescer com linhas de melhor qualidade”, afirma Morais, da Tendências.
A consultoria espera que o comprometimento da renda deve cair abaixo dos 20% ainda este ano, com intensificação da trajetória de queda no fim de 2017. A estimativa da Tendências é de que, ao fim do ano, as famílias estejam gastando 19,8% de sua renda com o pagamento de dívidas, caindo a 18,7% em 2018. A projeção tem viés de baixa, pois ainda não havia incorporado a revisão de projeção para a Selic no ano e a melhora de perspectiva para a massa salarial, com a recuperação do mercado de trabalho.
Já o BNP Paribas projeta o comprometimento da renda caindo ao nível de 19% mais para o fim de 2018. “Esse processo de desalavancagem se traduziria em mais de 1% do PIB em renda líquida para as famílias, provavelmente impulsionando o consumo e o crescimento em geral em 2018”, escreveu Arruda em relatório. O banco projeta um crescimento do PIB de 3% no próximo ano, enquanto o consenso do mercado está em 2%, conforme o boletim Focus.
Menos otimista, Silveira, da MacroSector, acredita que uma queda mais significativa do comprometimento da renda das famílias deve ficar para 2019, embora deva haver melhora já no próximo ano. “Normalmente, quando os Juros caem, o efeito na economia começa seis a nove meses, mas pelo fato de a economia estar desorganizada, vai levar um ano para o efeito começar a aparecer”, afirma o economista. Para ele, o Banco Central poderia ter sido mais rápido no corte de Juros.
Para José Márcio Camargo, da Opus Gestão de Recursos, a queda de spread pode se acelerar se a Taxa de Longo Prazo (TLP) for aprovada pelo Congresso Nacional. “Se isso acontecer, esse spread vai diminuir de forma bastante significativa, ou seja, a taxa de Juros de mercado vai estar muito mais próxima da Selic do que no passado recente”, prevê. Defensores da TLP acreditam que a nova taxa do BNDES aumentará a potência da política monetária, porque uma parte maior do crédito estará atrelada a taxas de mercado.
Fonte: Valor