Falta de solução para a crise vai adiar retomada
O país enfrentará um terceiro ano de recessão se a crise política não for resolvida no curto prazo. Especialistas são unânimes em afirmar que qualquer recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) depende da aprovação de reformas no Congresso Nacional e a permanência de Michel Temer na Presidência da República comprometerá esse processo. O mercado ainda avalia que o ritmo de corte de juros pode diminuir e cogita até a possibilidade de o Banco Central (BC) ser obrigado a interromper o processo com o agravamento das denúncias contra o chefe do Executivo.
A falta de sintonia entre o governo e o Congresso Nacional vai afetar a retomada da atividade e a geração de empregos, avaliam diversos analistas. “O cenário ficou mais complicado e a reforma da Previdência não deverá avançar, comprometendo a emenda do teto dos gastos”, alertou a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Ela ressaltou que aguardará alguns dias antes de revisar as projeções para o PIB deste ano, atualmente projetado em alta de 0,3%, algo que pode ficar pouco provável na atual conjuntura. “O maior desafio para as contas públicas é a reforma previdenciária. Um governo de transição precisa ao menos manter a atual política econômica para preservar uma certa credibilidade. Mas será um desafio porque, agora, ninguém vai querer bancar as reformas”, avaliou ela, apostando que vários partidos devem deixar a base governista.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é taxativo quanto à sustentação de Temer no poder. “O governo acabou, não tem chance de continuar desse jeito. A expectativa é que um novo presidente seja eleito indiretamente e consiga seguir com as reformas. Se for alguém sem traquejo político ficará difícil, especialmente porque o timing está apertado, com o segundo semestre se aproximando da agenda eleitoral de 2018”, afirmou. Sem as reformas, dificilmente o país sairá da recessão, comentou Vale. “Há muita coisa para aparecer ainda. A turbulência ficará conosco por um bom tempo. Serão dois anos bem difíceis daqui para frente”, completou.
O cenário mais provável, na avaliação de André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, é a renúncia de Temer. Para ele, a nova crise política complicará ainda mais a vida do Banco Central, que sinalizava uma aceleração no ritmo de corte da Selic. Perfeito acabou de reduzir de 1,25 ponto percentual para 0,75 ponto percentual a previsão de redução na taxa na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no fim deste mês. “Vai ter corte de juros porque existem condições macroeconômicas para isso. Mas a autoridade monetária vai ser mais cautelosa”, afirmou. O economista prevê crescimento de apenas 0,1% do PIB neste ano. “Vou manter essa previsão, por enquanto, porque já está entre as mais pessimistas”, afirmou.
Traumático
A recusa de Temer em renunciar ao posto de chefe do Executivo pode ter sido a pior decisão para a recuperação da economia, avaliou o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, o afastamento do presidente seria menos traumático para o processo de retomada da atividade. “Abandonar o posto e promover eleições indiretas em até 90 dias. Seria um prazo aceitável pelo mercado até a escolha do novo presidente da República”, disse.
Sem isso, Oreiro comentou que a falta de governabilidade somada às incertezas em relação à velocidade do rito do processo de impeachment e da cassação da chapa de Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) podem contaminar mais as expectativas do mercado. “A renúncia tem um protocolo a ser seguido. Nas duas situações, não há a menor chance de tocar as reformas. Mas o próximo presidente teria, pelo menos, alguma possibilidade de manter a ordem institucional e o estado democrático de direito até 2018”, sustentou.
Com Temer “batendo o pé”, Oreiro afirmou que a situação ficará imprevisível. “O governo está morto e não terá condições de fazer nada, com uma oposição cada vez maior”, acrescentou. Diante da não aprovação das reformas e da imprevisibilidade de equilíbrio das contas públicas, Oreiro calculou que o PIB registrará mais um ano de recessão, com um recuo próximo de 0,2%. “O dólar deve ir a R$ 3,50 nos próximos meses e a bolsa vai cair abaixo dos 60 mil pontos. Observaremos alguma aceleração da inflação e uma redução do ritmo de corte da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central”, alertou.
No primeiro trimestre, o PIB deve registrar um tímido resultado positivo na comparação com o quarto trimestre de 2016, estimou Oreiro. Entretanto, os trimestres seguintes devem recolocar a atividade em uma trajetória de declínio. “Com o aprofundamento da crise, teremos mergulho forte no segundo e terceiro trimestre”, avaliou. Com isso, a possibilidade de que o saldo de empregos formais continue negativo não pode ser descartada.
A crise política enterrou as apostas do mercado de queda de 1,25 ponto percentual na taxa básica de Juros (Selic) na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que ocorrerá em 30 e 31 de março, destacou o economista Rafael Cardos, da Daycoval Investimentos. Conforme ele, o balanço de riscos piorou o que pode levar a intensidade de corte ser mantida em 1 ponto percentual ou reduzida para 0,75 ponto percentual. Entretanto, ele não descartou a possibilidade de a equipe de Ilan Goldfajn frear a redução da Selic, o que comprometeria o processo de retomada da economia brasileira.
Efeitos minimizados
Ao chegar para uma reunião no Ministério da Fazenda, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, minimizou os efeitos da crise sobre a política monetária. Segundo ele, a autoridade monetária e o Tesouro Nacional estão trabalhando de forma “serena e firme” para acalmar os agentes econômicos. Ilan ressaltou que a queda de juros não está comprometida. “A questão que estamos atuando hoje não tem relação mecânica e direta com isso. A política monetária é uma decisão que será tomada nas reuniões ordinárias do Copom (Comitê Política Monetária) baseada nos objetivos tradicionais do comitê”, afirmou.
Sem credibilidade, reformas não avançam
A maior crise da gestão Michel Temer comprometerá a tramitação das reformas da Previdência e das normas trabalhistas. Parlamentares e analistas de mercado avaliam que a revelação de que o chefe do Executivo teria apoiado a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha minou a pouca credibilidade do peemedebista. O governo ainda será bombardeado por sindicalistas e opositores que, desde ontem, fazem protestos em diversas capitais e organizam eventos para os próximos dias.
O conteúdo das delações de Joesley Batista, presidente da J&F Investimentos, levou o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), a afirmar que as incertezas acabam com o espaço para que a proposta avance no Congresso Nacional. Conforme ele, o momento é de “arrumar a casa”, esclarecer os fatos e deixar claro que as instituições funcionam no país. “Só assim mostraremos que vivemos em um país em que a lei vale para todos. Só assim haveremos de retomar a reforma da Previdência Social e outras medidas que o Brasil tanto necessita” afirmou.
Para piorar a situação do governo, o partido do relator, o PPS, anunciou o desembarque da base aliada de Temer. O presidente da legenda, Davi Zaia (SP), afirmou que diante da gravidade das denúncias a agremiação deixaria o governo. Com isso, o presidente da República pode perder até nove votos da bancada. O número de dissidentes chega a 22 parlamentares se somado aos 13 filiados ao PTN, outro que deixou o grupo de sustentação do Executivo na Câmara dos Deputados.
O temor do governo é que mais partidos deixem a base aliada e comprometam a governabilidade e a tramitação das reformas. Reuniões entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado Federal, Enuncio Oliveira (PMDB-CE), e auxiliares de Temer ocorreram ao longo do dia para tentar mapear o tamanho do estrago na base. Os encontros continuarão nos próximos dias para que o chefe do Executivo tente segurar apoio suficiente para se manter no Planalto e para que as reformas sejam aprovadas.
Diante da crise, sindicatos e entidades que representam diversos setores da economia se posicionaram em relação ao avanço dos projetos para mudar as regras para concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e as normas trabalhistas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e as Federações das Indústrias dos estados informaram que, somente com a continuidade das reformas, o Brasil sairá da recessão e voltará a crescer.
Na opinião das entidades industriais, as reformas trabalhista, previdenciária e tributária são essenciais para o país voltar a gerar postos de trabalho e renda para os 14 milhões de brasileiros que estão desocupados. “A indústria confia que as instituições e a sociedade encontrarão as soluções para superar essas novas adversidades. O país precisa enfrentar a atual crise política com serenidade e espírito público”, destacaram, em nota.
Cobranças
A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) avaliou que, independentemente do momento político no Brasil, o Poder Legislativo tem de dar continuidade à agenda de reformas, previdenciária, trabalhista, tributária e votar a Medida Provisória nº 774, que trata do Programa de Recuperação Tributária. “O Brasil precisa dessas reformas. É o momento de colocar o Brasil e os brasileiros em primeiro lugar”, ressaltou a entidade.
Sindicalistas reforçaram o repúdio às propostas de reformas trabalhista e previdenciária e convocaram, para a próxima quarta-feira, a Marcha Nacional dos Trabalhadores. Em nota, as entidades representativas destacaram que qualquer solução democrática para a crise política e econômica nesta conjuntura passa “pela construção de um amplo e democrático acordo nacional visando à defesa de nossa democracia e à construção de um novo projeto de desenvolvimento nacional”. (AT)
Fonte: Correio Braziliense