Extensão do conceito de responsabilidade civil
Um dos temas de maior desenvolvimento dentro do direito civil vem a ser a extensão do conceito de responsabilidade civil, isto por conta da proficuidade e multiplicidade de danos causados pelas novas atividades de nossa moderna sociedade.
Aqui, sem grandes pirotecnias jurídicas, se pode registrar novos danos e novas potencialidades de danos, que podem advir de atividades, como por exemplo:
-manipulações genéticas;
– novas tecnologias;
– internet;
– mídias sociais;
– alimentos transgênicos;
– novas substâncias, suplementos alimentares e medicamentos em pesquisa científica.
Há, também, um manancial de novos potenciais danos a surgir de:
– uso de drones;
– uso de automóveis sem motorista (projetos em grande ebulição);
– aparelhos celulares e outros criadores de campos eletromagnéticos (poluição eletromagnética invisível – electrosmog).
– robótica, de uma maneira geral.
Além deste movimento crescente de expansão dos limites da responsabilidade civil, para recônditos nunca antes imaginados, há, também, fenômeno inverso e que se soma, para o aumento destes limites, qual seja: a redução do espectro dos eventos dignos de serem classificados como caso fortuito ou força maior – que são, justamente, eventos que por sua imprevisibilidade e inevitabilidade excluem a ocorrência da responsabilidade civil, ou seja, do dever de indenizar.
Isto porque, com os avanços tecnológicos, até mesmo os eventos naturais (tempestades, furacões, terremotos, tsunamis – clássicos exemplos de caso fortuito ou força maior) deixam de o ser por conta de sua possibilidade de previsão e da evitabilidade da severidade de suas consequências.
Neste cenário de ampliação de dimensões de responsabilidade civil e de restrição de suas exclusões, aparece, cada vez mais, a importância do seguro que cobre tais eventos possíveis, lícitos, futuros, independentes da vontade do segurado… o seguro de responsabilidade civil, em todos os seus segmentos e vertentes.
Este novo “estado da arte” da responsabilidade civil culmina, recentemente, com uma nova teoria, assustadora para aqueles que podem vir a assumir mais riscos, na hipótese de sua concretização jurídica.
Esta vem a ser a “teoria da responsabilidade civil sem dano”, antes completamente impensada, face ser o DANO o elemento que se diz essencial para que haja o dever de indenizar…
Aqui deve se registrar que foram os danos contra a natureza, que chamaram a atenção para o debate das estruturas tradicionais de responsabilidade civil e de gestão de riscos.
Diante da evidência de que tais danos (ambientais) extrapolam os níveis de interesse pessoal e local, atingindo, na maioria das vezes, o coletivo e o intergeracional, logo se observou que as estruturas jurídicas ditas tradicionais não mais conseguiriam impedir a ocorrência deste tipo de dano, nefasto em sua lesividade difusa.
Nas palavras de Bruno Leonardo Câmara Carrá, em artigo veiculado recentemente no site CONJUR:
”Essa perda de compasso com a realidade — mais uma evidência de que os fatos andam sempre à frente do Direito — foi descrita por Ulrich Beck. A sociedade de risco (Risikogesellschaft) teorizada pelo sociólogo alemão recentemente falecido colocava em evidência o fato de que os perigos produzidos pela civilização contemporânea não podiam mais ser definidos no espaço ou no tempo: o risco é inevitável, globalizado, umbilicalmente ligado ao nosso modo atual de vida. De consequência, seu gerenciamento, considerando o modelo atual de causa e efeito passou a ser visto como obsoleto.
Nesse cenário, dois instrumentos passaram a protagonizar a gestão dos “novos danos”, a saber, os já bem conhecidos princípios da prevenção e da precaução… Ele estabeleceu, assim, um paradigma novo para dar uma proteção ex ante, a interesses de ordem coletiva ou futuros. Um “simples” perigo, ainda que sem provas científicas conclusivas, já estaria a autorizar a adoção de medidas jurídicas para impedir que o próprio dano deixe de acontecer.
Estavam postas, assim, as bases para a criação de um modelo de responsabilidade civil diferente (?). O inédito grau de lesividade, que nos faz vítimas quotidianas de incontáveis fatores de risco, estaria a impor uma radical mudança na noção mesma de responsabilidade (?). A responsabilidade civil não poderia mais ficar limitada à ideia de uma reprimenda a posteriori na forma de reparação civil (?). Sim, foi o que começaram a responder certos autores. Seria imperioso, disseram, que a responsabilidade passasse a disciplinar ex ante os próprios eventos danosos, de forma a preveni-los e não apenas ressarci-los.
Surgia então um modelo de responsabilidade civil diferente, no qual a ameaça de uma dano já permitiria a aplicação de sanções jurídicas que passariam a ser por ela abrangidos. ..”
Assim, o que se defende, dentro dessa modalidade peculiar de responsabilidade civil, é que a reparação dos danos deixaria de ser sua função primordial, e esta nova responsabilidade civil, completamente alterada em sua essência, teria por finalidade o estabelecimento de regras de comportamento e de modo consequencial a aplicação de sanções eficazes para aqueles que viessem a transgredi-las.
Seria a potencialização máxima do gerenciamento de riscos, mas com viés sancionador, para aqueles que deixassem de o fazer e de o observar…
Esta é a nova teoria que se espalha pela Europa, mas que ainda não encontrou eco em nosso país e que, por intermédio deste artigo, levamos a conhecimento de nossas leitoras, estimulando-as a refletir sobre o tema e sobre as suas consequências para nossas vidas como cidadãos e como profissionais do seguro.
Quem viver, verá… um novo mundo está a surgir, e a rapidez e disrupção são a sua tônica.