Extensão das concessões de infraestrutura
Os contratos de concessão de obras e serviços públicos representam uma estratégia de atuação do Estado no sentido da composição dos interesses das empresas concessionárias com os interesses gerais da sociedade na obtenção de utilidades essenciais para a vida coletiva. É, portanto, da essência de tais contratos a adoção de soluções compromissórias, que procuram conciliar a eficiência e o investimento de recursos do setor privado com a tentativa de promover o acesso do maior número possível de pessoas a bens e serviços fundamentais.
Assim, de um lado, os contratos devem prever obrigações de prestação de serviço adequado e de manutenção, ampliação e modernização da infraestrutura oferecida aos usuários, mediante cobrança de tarifas módicas. De outro lado, devem conter garantias de preservação do equilíbrio econômico-financeiro entre encargos e remuneração das concessionárias, visando à proteção dos investimentos contra possíveis expropriações, mas também à criação de um ambiente saudável que assegure a continuidade das obras e serviços e a atração de novos investidores. Esses objetivos, já muito relevantes em razão das limitações orçamentárias do Estado diante de suas outras tarefas (saúde, educação, segurança pública, defesa nacional), tornam-se imprescindíveis em conjunturas de aguda recessão econômica e severa restrição fiscal, como a que o país atravessa atualmente.
Ocorre que os contratos de concessão são negócios jurídicos de longo prazo, sujeitos a uma miríade de circunstâncias – políticas, regulatórias, econômicas e até naturais – que podem afetar o seu equilíbrio econômico-financeiro. Diante de um evento de tal ordem, cabe ao Poder Público, como gestor desses contratos, adotar medidas que restabeleçam o sinalagma contratual corrompido. Tais medidas podem consistir no aumento das tarifas, no aporte de recursos do tesouro ou em renúncia fiscal, na redução proporcional dos encargos da concessionária ou na extensão do prazo do contrato. Caberá à administração adotar aquela que mais bem atenda às finalidades inerentes aos princípios da modicidade tarifária, da continuidade de serviços públicos adequados e da eficiência administrativa.
A extensão dos contratos pode ser a alternativa mais eficiente e que mais bem realiza os princípios constitucionais e legais reitores da matéria
Com efeito, o compromisso com a modicidade das tarifas pode desaconselhar o seu aumento. A responsabilidade pela continuidade da prestação de serviço adequado pode não recomendar a redução dos encargos da concessionária. Por fim, situações de grave crise nas finanças públicas podem inviabilizar a realização de aportes diretos pelo tesouro ou a concessão de benefícios fiscais à empresa. Assim, entre fazer recair o ônus sobre os usuários dos serviços (caso das duas primeiras soluções) ou sobre os contribuintes como um todo (caso das duas últimas), a extensão do termo contratual pode surgir como a solução que realiza o interesse público da forma mais eficiente. Afinal, tarifa e encargos serão mantidos intactos, sem ônus financeiro para o Estado, cabendo à concessionária os recebíveis tarifários do período prorrogado a título de reequilíbrio contratual.
Não constitui óbice à extensão a tradicional menção ao princípio da licitação, nem a medida merece qualquer censura ao ângulo da moralidade administrativa. Veja-se que não se está aqui a cogitar da extensão do contrato por mera avaliação de conveniência e oportunidade administrativa, sem qualquer contrapartida da concessionária. A extensão contratual para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em nada poderia interferir com o valor das propostas dos partícipes do certame licitatório, nem tampouco poderia significar qualquer estímulo a eventuais licitantes que dele não participaram. De fato, não se está diante de vantagem suplementar supervenientemente concedida à concessionária, mas de verdadeira providência substitutiva de contrapartida financeira que lhe é devida, adotada como maneira de preservar os interesses de usuários e contribuintes, evitando onerá-los de forma desnecessária.
Também não constitui impeditivo à extensão aqui tratada precedente específico do Superior Tribunal de Justiça, que proscreveu a ampliação do prazo de concessões de linhas de ônibus para impedir a “prorrogação indefinida de contratos de caráter precário,” cuja aplicação ao setor de infraestrutura constituiria caso isolado (Recurso Especial nº 1.549.406, rel. Min. Herman Benjamin). Por evidente, além de motivadas por razões econômicas devidamente comprovadas, as prorrogações contratuais não podem ter caráter indeterminado, nem se aplicam a contratos precários.
Ao contrário, no campo das concessões de infraestrutura, além de precedidos de licitação, os contratos têm prazo certo e eventual prorrogação se dará apenas pelo interregno estritamente necessário a preservar os direitos das concessionárias. Observados esses parâmetros, a extensão dos contratos pode ser a alternativa mais eficiente e que mais bem realiza os princípios constitucionais e legais reitores da matéria.
Gustavo Binenbojm é professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, doutor e mestre em direito público pela UERJ e Master of Laws (LL.M.) pela Yale Law School (EUA)
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Fonte: Valor