Estrangeiro dá espaço a previdência na dívida
O espaço deixado por investidores estrangeiros no estoque de Títulos públicos tem sido ocupado por entidades de previdência. O movimento, na avaliação de especialistas, pode atenuar o potencial de instabilidade na gestão da dívida pelo Tesouro Nacional em momentos de maior turbulência como o vivido desde o estouro da nova crise política, com a ressalva de que os Títulos públicos não estão livres de depreciações.
O recuo na fatia de não residentes, de cerca de 20% em meados de 2015 a 13,4% (R$ 419,94 bilhões) em maio, é atribuído por muitos a aversão ao risco, principalmente após a perda de grau de investimento do país. A nova fotografia da distribuição da dívida por tipo de investidor, entretanto, não é de todo mal na atual conjuntura brasileira. Pelo menos em tese, isso significa que o risco de saída de capital é menor diante da participação já baixa dos estrangeiros.
O segmento de previdência, por sua vez, tem aumentado a participação e chega atualmente a 26,2% (R$ 820,34 bilhões) do estoque, maior nível em pelo menos dez anos, segundo dados de maio do Tesouro Nacional. As entidades do setor costumam ter um perfil de longo prazo e, portanto, são menos influenciadas por oscilações temporárias nos preços dos ativos.
As instituições previdenciárias são compradoras “natas” de papéis atrelados à inflação, explica o diretor de investimentos da Fundação Cesp (Funcesp), Jorge Simino. No caso da Funcesp, com patrimônio de R$ 26 bilhões, 60% da carteira está alocada em Títulos públicos ligados a índices de preços, como NTN-B (IPCA) e NTN-C (IGP-M). Para efeito de comparação, o crédito privado chega a 7% do total e outros 13% estão em ações.
A entrada de capital por adesão aos fundos de pensão é superior à saída de recursos com pagamento de benefícios. Com isso, eles tornam-se “acumuladores líquidos” de dinheiro para investir. As fundações também são investidoras de longo prazo e, portanto, menos suscetíveis a variações de humor no mercado.
No pregão de 18 de maio, em meio ao turbilhão desencadeado pela divulgação da conversa entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, Simino afirma que poucos ajustes foram feitos na carteira. Naquele dia, os ativos domésticos tiveram a pior sessão desde a crise de 2008. Na Funcesp, entretanto, Simino diz que as posições foram mantidas, pois não valeria a pena vender papéis em meio ao movimento de zeragem de posições no mercado.
Pelo contrário, ele conta que surgiram algumas oportunidades de compra nos dias seguintes. Em geral, diz, a fundação evita se expor em títulos com prazos mais longos que 2026. Mas, com a baixa nos preços, aproveitou para comprar um lote pequeno de NTN-B com vencimento naquele ano.
Simino não se mostra otimista com o cenário e ainda não enxerga catalisadores que possam levá-lo a ampliar as compras. Ele diz que o momento agora é de “esperar e ver”, e buscar oportunidades pontuais. “Para sair do wait and see, é preciso de um fato que possa modificar o cenário e a interpretação desse fato pelo mercado, seja pelo lado da venda ou da compra”, diz.
A aquisição de ativos por estrangeiros também foi bastante comentada após o estouro da crise. A participação de não residentes no mercado de renda fixa tem caído desde a época em que o Brasil perdeu o grau de investimento pelas principais agências de classificação de risco.
Com uma posição mais leve hoje, esses investidores até puderam aproveitar os preços mais baixos do mercado. “Num momento de estresse, [a baixa participação do estrangeiro] é um fator que pesa menos”, diz o economista-chefe do Rabobank Brasil, Maurício Oreng. “Se a posição técnica estivesse muita alta, com a participação de estrangeiros no pico, uma deterioração de fundamentos teria mais chão para andar e a posição técnica pesaria mais”, acrescenta.
O economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, afirma que a vulnerabilidade seria maior se o estrangeiro estivesse concentrado em investimento de curto prazo, em níveis superiores às reservas internacionais ou à participação de locais.
A distribuição atual dos detentores de dívida não é garantia de estabilidade no mercado. “Se os investidores começarem a ver mudança no cenário com aumento de dúvidas sobre a solvência fiscal no Brasil, o mercado terá estresse”, diz Oreng, do Rabobank. “A posição (na dívida) é um pouco mais confortável, mas o juro vai abrir e os títulos vão perder valor nesse caso”, acrescenta.
Para Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco, é preciso considerar que a participação de estrangeiros no total da dívida está bem abaixo não apenas do padrão recente, mas também do que se observa em outros emergentes. Considerando apenas os títulos denominados em pesos do governo do México (“bonos”), os não residentes detêm uma fatia de 62,5% do total, de acordo com números de meados do mês passado.
“Do ponto de vista de diversificação, a participação maior do estrangeiro era um fenômeno positivo”, afirma Honorato. “Vejo essa mudança da distribuição dos detentores mais como um sinal de piora do apetite por risco.”
Fonte: Valor