Empresas ajustam produção para vender recordações
Para as vovós mais conservadoras pode soar como um verdadeiro sacrilégio. Mas a indústria de alimentos e bebidas está fazendo um esforço enorme para tentar reproduzir receitas feitas em casa e resgatar o sabor e o prazer da comidinha preparada por mães e avós – na versão em caixinha ou embalada a vácuo. Do suco de laranja às geléias e bolos, as empresas ajustam as linhas de produção e reforçam o marketing para vender fórmulas caseiras em escala industrial.
Batizada lá fora de “comfort food”, a nova tendência está sendo chamada por aqui de alimentos e bebidas emocionais. Vai na contramão da preocupação excessiva com produto saudável e de baixas calorias. O que importa é o prazer, a nostalgia e até a sensação de aconchego que uma comida ou bebida podem proporcionar. Sem culpa.
O primeiro lançamento da gigante Coca-Cola na área de sucos desde que adquiriu a Sucos Mais foi justamente nessa linha. A empresa acaba de lançar o sabor laranja caseira de Minute Maid Mais. “Depois dos funcionais, agora é a vez dos produtos emocionais”, afirma Andréa Mota, diretora de marketing de bebidas sem gás da Coca-Cola. “Queríamos fazer um produto que trouxesse lembranças ao consumidor.”
Mas embalar em caixinha uma laranjada que assume o sobrenome “caseira” não é tarefa fácil. Depois de dez meses e vários protótipos, a Coca-Cola desenvolveu um suco menos ácido – embora a laranja seja um dos sabores preferidos é também um dos de maior rejeição no paladar brasileiro – e com gominhos de laranja.
Desta vez, a corriqueira pesquisa que a Coca-Cola faz antes de lançar seus produtos, mostrou que o apelo emocional deveria ser o caminho. “O produto industrializado quer conversar de forma mais afetiva com o consumidor”, diz Dario Caldas, do Observatório de Sinais, consultoria em tendências.
O objetivo das empresas ao desenvolver e apostar nesse tipo de produto é transmitir a valorização do simples, da sensação do frugal e bem-estar e a volta ao passado idealizado.
Mas e a enorme distância que separa o caseiro feito em casa do caseiro industrial? Para Caldas, o consumidor atual não é ingênuo e vai comprar a idéia consciente dessa diferença. “Pode não ser o produto feito pela vovó, mas desperta essa lembrança”, diz. “Apesar de elementos inconscientes que despertam o lado emocional e sensorial do consumidor, a compra é consciente.”
As empresas estão até aperfeiçoando seus modelos produtivos e de distribuição para vender o “caseiro industrial”. As geléias Queensberry, por exemplo, são produzidas de forma que fiquem o mais parecidas possível de um produto feito em casa. “Caseiro é diferente de artesanal, o que a gente quer é fazer o mais próximo possível do caseiro, mas em escala industrial”, diz Cristiano de Moraes, diretor comercial.
As linhas de produção foram adaptadas com esse fim. As geléias são fabricadas em pequenos lotes, para ficarem mais próximas do produto feito na panela. A empresa investiu R$ 1 milhão em um novo equipamento, que garante uma agitação mais lenta e conserva melhor os pedaços de frutas. “A produtividade fica comprometida, mas só assim conseguimos tentar reproduzir a geléia feita em casa”, diz. Um dos sucessos de vendas da marca é a geléia de laranja, com receita baseada nas “orange marmalade”, tradicionais geléias das avós inglesas.
A Casa Suíça, fabricante nacional de bolos, tem a mesma preocupação. A empresa não trabalha com estoque. Os bolos só são produzidos depois que chega o pedido para que cheguem ao varejo o mais fresco possível – e mais parecido com o produto feito em casa. A companhia tem uma parceria de distribuição com a Wickbold, fabricante de pães, para que a distribuição também seja ágil e os bolos cheguem fresquinhos ao varejo.
A rede de restaurantes Ráscal foi buscar nos quadrinhos uma referência nostálgica: a torta de maçã da vovó Donalda, adorada por Tio Patinhas, Donald e a Margarida, personagens de Walt Disney. A sócia da rede, Liane Ralston Bielawski, sonhava em comer uma torta fofa e alta como a dos desenhos – imbatível nos concursos de culinária dos arredores de Patópolis. A torta real, que leva um quilo e meio de maçã, é a mais vendida entre as cerca de 18 sobremesas diferentes do restaurante. “Muita gente reconhece a torta”, diz Liane.
Os doces, aliás, são os campeões do apelo emocional, de aconchego e do culto ao passado. E o chocolate, claro, não poderia estar de fora dessa lista. A linha mais vendida de produtos da Kopenhagen é justamente a clássica, que inclui produtos como Nhá Benta, criada em 1950, Lajotinha e Língua de Gato. Entre janeiro e setembro, a linha respondeu por 43% das vendas totais. “São vários os casos de pais e avós que apresentam o produto aos filhos e netos e também consomem para relembrar a infância”, diz Renata Vichi, vice-presidente da rede. “Esses produtos são intocáveis, só modernizamos as embalagens.” A marca comemora 80 anos em 2008 e a estratégia será baseada nesse clima saudosista.
Além da indústria, o varejo também começa a olhar para a tendência. Paulo Lima, diretor de inovação do Grupo Pão de Açúcar, diz que a empresa tem investido em lojas que consigam transmitir essa sensação de aconchego – embora a rede também esteja indo para o outro extremo, com a compra da rede atacadista Assai. O novo conceito cabe bem em lojas de maior poder aquisitivo, como o Pão de Açúcar do Shopping Iguatemi.
O uso de mais madeira nas lojas e mesas para expor os produtos ao invés de gôndolas metálicas são recursos usados para que o consumidor se sinta em casa. “O varejo frio e racional continua existindo, mas as lojas que conseguem trazer emoções e criar um ´link´ afetivo são muito importantes”, diz Lima.
Fonte: Valor