Elipse
Deito à noite em minha cama macia. O peso dos músculos fatigados e queixosos dá lugar à leveza trazida pelo sono. Mergulho em um torpor prazeroso, ouço as crianças em off, a casa em off, a rua em off, ufa … mas que dia. Seduzida pelo início da viagem que me arrebata, gentil e, a esta altura, irreversível. A máquina humana em repouso, a CPU em standby, preocupações, agendas e neuroses suspensas até o próximo toque do despertador. Minha trégua diária. Meus sonhos. Minhas saudades transcendentes a este mundo. Meus reencontros. Minha solidão insuspeita. Meu silêncio. Minha paz. Mudo a lente. Minha perspectiva astral deliciosamente se ajustando, se ampliando; hora de transcender, meu Google Earth particular acionado. Zoom out. Volito em impulsos de golfinhos no oceano; uso as pontas dos bambuzais como catapultas, as montanhas como trampolins, tangencio a ressaca na praia, dou um rolé nas Cagarras, zapeio pelas fiações das ruas. Vento em meu rosto, respiração acelerada, pulmões escancarados. Recarrego-me no metafísico. Retorno no final da madrugada à minha cama macia. Zoom in.