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Direitos reprodutivos e saúde da mulher

Vivemos numa sociedade moderna onde é cada vez mais comum as mulheres serem mães mais tarde, em idade considerada avançada em relação ao cenário de apenas trinta anos atrás. Muitas vezes a maternidade é adiada para que a mulher possa investir mais em sua trajetória profissional, pois a mulher teme não crescer profissionalmente como gostaria ao se ausentar para gozar de sua tão necessária licença maternidade.

Essa mudança de cenário traz também um notável aumento de casos de infertilidade, para os quais há tratamento, porém estes custam caro e não são cobertos pelo Sistema Único de Saúde (“SUS”) em todos os munícipios brasileiros e muito menos pelos planos de saúde.

O SUS até oferece tratamento de infertilidade em sua rede, porém as filas são muito longas e demoradas, e nem todas as cidades do país tem centros de reprodução humana assistida. Em recente decisão proferida pela 2ª Vara da Fazenda Pública de Chapecó em Santa Catarina, o Estado foi condenado a fornecer procedimento de fertilização in vitro (“FIV”) a uma mulher que não conseguia seguir com gestação natural por problemas de saúde e idade avançada (40 anos). Segundo entendimento da magistrada, a idade e o diagnostico médico da mulher fazem com que a FIV seja a primeira escolha de tratamento para essa paciente, mesmo que o procedimento seja classificado como eletivo.

É exatamente sobre isso que vamos falar nesse artigo. Para um casal com diagnóstico de infertilidade, seria mesmo esse procedimento uma escolha? Na grande maioria dos casos, sem a FIV a tão sonhada maternidade/ paternidade pode não vir a acontecer nunca.

Um outro ponto a se pensar, é que nem sempre a infertilidade está ligada a idade avançada do casal. Com o avanço tecnológico que vivemos, é cada vez mais comum a infertilidade acometer casais jovens. Estamos constantemente expostos a telefones celulares, plásticos, fast food, dentre outros elementos da vida moderna que afetam muito nossa saúde. Isso sem falar do estresse, que faz parte da vida de todos nós e que também causa grandes impactos na saúde.

A medicina reprodutiva oferece toda uma gama de tratamentos e possibilidades para quem se depara com a infertilidade, mas infelizmente esses tratamentos custam muito caro e não são acessíveis à grande maioria da população. Não sou médica e não vou adentrar nessas questões, pois não tenho a qualificação técnica necessária para tanto.

Porém, como quem teve a sorte de passar por um tratamento de infertilidade e teve sucesso nele, sonho com o dia que esse tratamento seja acessível a todas as mulheres que desejam ser mãe e não conseguem isso por vias naturais.

Hoje em dia temos grandes empresas que custeiam o tratamento de congelamento de óvulos para suas funcionárias, para que elas possam planejar melhor o momento em que desejam se tornar mães, mas ainda são poucas empresas e pouquíssimas mulheres que conseguem utilizar efetivamente esse benefício.

Embora o congelamento de óvulos não seja garantia de uma gestação no futuro, posso dizer por experiencia própria que ele pode ajudar muito e fazer a diferença, sobretudo se ele for feito até que a mulher tenha 35 anos, pois segundo a medicina, é nessa idade que a fertilidade feminina entra em declínio e aí temos uma diminuição na qualidade e na quantidade desses óvulos.

Os direitos reprodutivos da mulher devem ser respeitados por todos e sobretudo por nós mesmas, ao questionar os profissionais de saúde que nos acompanham sobre a nossa saúde fértil. Me lembro que há 15 anos atrás questionei um médico que me acompanhava sobre a possibilidade de congelar óvulos, e ele não me encorajou, pois disse que não adiantava muito.

Não se pode negar que a medicina evolui muito e muito rápido, mas penso que a conscientização das mulheres e dos médicos sobre a importância da nossa saúde reprodutiva é vital não só para nós, como também para a sociedade como um todo.

Abro aqui um parêntese para contar um pouco mais da minha experiencia pessoal: eu acabei trocando de médico e há mais ou menos 9 anos congelei meus óvulos. Na época eu estava numa boa idade para fazê-lo, e acabei descobrindo que tinha uma reserva ovariana baixa, o que me tornava aproximadamente 8 anos mais velha do que eu efetivamente era em termos de fertilidade. Sou eternamente grata por ter feito esse procedimento, pois graças a isso hoje eu sou mãe. Quando chegou o momento de querer engravidar eu tentei por vias naturais, mas acabei precisando da FIV, e que bom que ela existe!

Na época que eu congelei óvulos ninguém falava sobre isso. Estávamos em 2016 e eu não tinha uma amiga que tivesse passado por isso, e as celebridades também não abordavam esse assunto. Passados quase 10 anos, hoje me alegro quando vejo que as mulheres falam mais abertamente sobre esse assunto, mas ainda precisamos evoluir muito.

Para começar, os tratamentos deveriam ser mais acessíveis e a infertilidade deveria ser efetivamente tratada como a doença que ela é, e seu tratamento não deve ser visto meramente como uma escolha, mas sim como um direito a ter sua saúde preservada e cuidada.

Sei que temos um longo caminho a percorrer para que isso se torne realidade, mas cabe a nós como mulheres ecoar que a nossa saúde também inclui nossa fertilidade e nossos direitos reprodutivos.

Mariana Ferraz
Sócia de Pellon & Associados

Advogada sócia de Pellon e associados
Com LLM em Corporate Law pela New York University
Presidente do Grupo Nacional de Trabalho de Responsabilidade Civil da Aida Brasil

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