Dependência econômica é fator de vulnerabilidade da mulher à violência
Especialistas ouvidas em seminário promovido pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados destacaram que a dependência econômica é fator de vulnerabilidade da mulher à violência.
O seminário Mulher, trabalho e renda: desafios para a autonomia econômica feminina e sua função no combate à violência doméstica ocorreu nesta terça-feira (29).
Procuradora regional do Trabalho, Adriane Reis foi uma das que fizeram o alerta. Ela citou dados do Fórum de Segurança Pública mostrando que em 2020 houve 1.350 feminicídios, e dados do Instituto Igarapé constatando que 67% das vítimas de feminicídios eram mulheres negras. Ela salientou ainda que houve aumento de 45% dos feminicídios de mulheres negras entre 2000 e 2020.
A procuradora acrescentou que, em 2021, o número de feminicídios se manteve: cerca de 1.300 casos. Em 70% deles, a vítima tinha entre 18 anos e 44 anos mulheres em idade reprodutiva, que muitas vezes têm dificuldade de encontrar independência econômica. O que falta: serviços públicos, como creches, escolas em período integral? O que falta para dar apoio a essas mulheres?, questionou.
Adriane Reis destacou ainda que a Lei Maria da Penha garante a relação de trabalho para a vítima de violência doméstica por seis meses, quando necessário o afastamento do local de trabalho, mas não diz quem paga o salário nesses meses. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a mulher, nesse período de afastamento, tem direito ao auxílio-doença. Mas seria muito importante ter isso claro na legislação, para que esta mulher não dependa de uma decisão judicial para ter assegurada sua renda e sua subsistência e assim ter maior facilidade para romper com o ciclo de violência, afirmou.
Trabalho informal
Já a procuradora da Mulher na Câmara dos Deputados, deputada Tereza Nelma (PSD-AL), ressaltou que a informalidade no trabalho é muito maior entre mulheres do que entre homens no Brasil, e sobre elas pesa ainda a responsabilidade integral com os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos.
Ela defendeu políticas públicas estatais para incentivar a inserção e permanência das mulheres no mercado de trabalho e o compartilhamento do trabalho de cuidado das crianças.
A parlamentar chamou a atenção ainda para a desigualdade entre mulheres de diferentes regiões, classes e raças. Segundo o Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], aumentou a proporção de mulheres que são chefes de domicílio de 47% em 2019 para 49% em 2021, acompanhada da diminuição da participação de mulheres negras à frente dos negócios de 50,3% em 2019 para 48,5% em 2021, comparou.
Empreendedorismo
Coordenadora Nacional de Empreendedorismo Feminino do Sebrae, Renata Malheiros observou que é difícil empreender no Brasil, mas para a mulher é mais difícil, e os motivos seriam culturais. Pesquisas do Sebrae mostram que as mulheres empreendedoras se dedicam 17% menos horas para seus negócios do que os homens empreendedores, e a gente não está numa rede, lendo, tomando um suquinho. A gente está cuidando de criança, de casa, disse.
Por isso, na avaliação dela, é essencial discutir temas como divisão de tarefas, creche universal e políticas públicas de apoio.
Conforme Renata Malheiros, as pesquisas do Sebrae mostram ainda que, apesar de as mulheres empreendedoras serem 16% mais escolarizadas (anos de estudo) do que os homens no Brasil, elas recebem 22% menos. A gente é mais escolarizada, mas ganha menos, porque se dedica menos horas e porque empreende em setores menos intensos em inovação e tecnologia, afirmou, destacando que esta também é uma questão cultural.
Ela defende estimular as meninas a seguirem carreiras nas áreas de ciências exatas, que trariam mais retorno financeiro.
A coordenadora do Sebrae disse que hoje metade das empresas abertas no Brasil são abertas por mulheres, mas observou que elas são empurradas para o empreendedorismo por necessidade, o que torna a situação mais precária. A gente precisa fazer com que as mulheres empreendam mais por oportunidade, que é um empreendedorismo mais forte, com mais possibilidade de sobreviver, acrescentou.
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) defendeu o fortalecimento do Sebrae para apoiar as mulheres microempreendedoras.
Vulnerabilidade feminina
Vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Mônica Monteiro também chamou a atenção para a vulnerabilidade econômica feminina.
Segundo ela, das 73 milhões mulheres clientes da Caixa, 66 milhões têm renda mensal de até R$ 2 mil. Dos 21 milhões de famílias que estão no Auxílio Brasil, mais de 2/3 (17 milhões) são chefiadas por mulheres e muitas por mãe solo [que assume de forma exclusiva todas as responsabilidades pela criação do filho, informou.
Ela acrescentou que, durante a pandemia de Covid-19, foram elas que mais perderam empregos e tiveram dificuldade de retornar ao mercado de trabalho.
Mônica Monteiro disse que o banco criou o programa Caixa Pra Elas para oferecer orientação sobre prevenção à violência, promover educação financeira e empreendedorismo, e oferecer produtos e serviços específicos para mulheres. Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Luiza Barbosa reiterou que, durante a pandemia (entre o terceiro trimestre de 2019 e o terceiro trimestre de 2020), os homens tiveram queda de 5% de participação no mercado de trabalho, enquanto as mulheres tiveram queda de 7,3% nessa participação.
Para mulheres com filhos, a queda foi maior (7,8%) e para homens com filhos, menor (3,8%). Segundo ela, a desigualdade de gênero também está no fato de que mulheres fazem o dobro de afazeres domésticos do que os homens.
Trabalhadoras domésticas
A pesquisadora do Ipea também destacou que o emprego doméstico é uma ocupação tipicamente feminina no Brasil. Em 90% dos casos, o ofício é desempenhado por mulheres, sendo que mais de 60% delas são pretas ou pardas, têm baixa qualificação e renda, alta informalidade e pouca mobilidade intergeracional.
Segundo Ana Luiza Barbosa, as trabalhadoras domésticas são o suporte para que mulheres mais escolarizadas possam trabalhar fora e progredir, o que cria e aumenta ainda mais a desigualdade entre as mulheres.
Ela citou ainda estudos mostrando que a entrada das mulheres no mercado de trabalho gera crescimento econômico e outros mostrando que uma maior diversidade nas lideranças implica aumento de produtividade nas empresas. E mencionou fatores que podem atenuar desigualdade de gênero, como arranjos mais flexíveis de trabalho (trabalho híbrido) e o compartilhamento com os homens do cuidado com os filhos.
Diarista há 28 anos, Luzia Neves contou que ingressou na atividade por necessidade, após se tornar mãe solo aos 19 anos. A parte mais difícil foi deixar meus filhos sozinhos, com vizinho, para poder trabalhar. Deixar filho doente, não poder acompanhar, nunca levei filho na escola, reunião, nada, lamentou.
Atualmente, ela é empreendedora no aplicativo Chame a Lu aplicativo de contratação de diaristas do Distrito Federal, que tem apoio do Sebrae e será lançado em dezembro.
As trabalhadoras vinculadas ao aplicativo terão benefícios que a maior parte das diaristas não têm, como seguro de vida, plano de saúde e incentivo à carreira, com remuneração maior para menor quantidade de horas trabalhadas, já que a remuneração será por hora, e não por dia.
Crise de cuidados
Pesquisadora e Doutora em Economia, Luana Passos afirmou que está em curso uma “crise de cuidados”. Por um lado, as mulheres estão mais presentes no mercado de trabalho e têm menos disponibilidade para esse trabalho não remunerado. Por outro lado, as projeções são de aumento da demanda de cuidado com idosos de 80 anos ou mais.
Segundo ela, a crise advém da cultura patriarcal, no qual a divisão sexual do trabalho atribui às mulheres apenas o cuidado. A pesquisadora afirmou que os homens e o Estado têm que assumir suas atribuições para superar a crise, com mudança cultural e políticas públicas para a provisão de cuidados por exemplo, por meio de renda para cuidado, licença parental (dividida entre pais e mães) e ampliação da política de creches e de serviço domiciliar de cuidado de idosos.
Já Rodolfo Canônico, representante da ONG Family Talks, acrescentou que a educação parental deve fazer parte da política pública, para que haja mais envolvimento dos homens no cuidado e redução da desigualdade de gênero.
Ex-secretária adjunta de Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência Social, Tatiana Severino, por sua vez, chamou a atenção para a aprovação recente da Lei 14.457/22 (advinda da MP 1116/22), que institui o Programa Emprega + Mulheres.
Entre outros pontos, o texto prevê o pagamento de reembolso-creche para homens e mulheres e a obrigação de manutenção de creches pelo Sistema S (serviços sociais autônomos).
Fonte: NULL