EconomiaNotícias

Delfim Netto: As consequências vêm depois

Foram as mudanças institucionais aprovadas pelo Congresso Nacional que deram à Polícia Federal e ao Ministério Público os instrumentos para realizarem com eficiência as suas missões. Elas se revelaram importantes para a desmontagem dos incestos entre “políticos” do Executivo e do Legislativo com grandes organizações do setor privado.

A Operação Lava-Jato é um processo de aprendizado da utilização concreta daqueles instrumentos, o que explica alguns dos seus excessos. Mas foi por obra da política e dos mecanismos que ela criou, que a Lava-Jato pode transformar-se num ponto de inflexão na história do Brasil. Depois dela, o país nunca mais será o mesmo. Causou, talvez, alguns inconvenientes de curto prazo, mas abriu uma ampla avenida de cooperação legítima e ética entre o Estado e o setor privado num jogo cuja soma, a experiência mostra, é positiva. Adicionou um elemento permanente à nossa capacidade de construir um desenvolvimento econômico robusto, inclusivo e sustentável.

É lamentável que no “imbróglio” em que nos metemos passou-se a condenar o exercício da política, e não os “políticos” que o fizeram. Isso é um erro que dá lugar a aventureiros e propostas de mudanças radicais que, a história mostra, sempre terminam no caos.

Depois da Operação Lava-Jato, o país nunca mais será o mesmo

É evidente que todas as acusações do MPF deverão ser tecnicamente analisadas com a presunção de inocência e amplo direito de contraditório. E, se houver provas objetivas, os maus feitos deverão ser penalizados. Ninguém discute: na República, ninguém é inimputável, nem delatores, nem delatados. Nem mesmo os acusadores de ofício, se for provado algum desvio de conduta.

Dada a gravidade da situação, parece plausível que o Supremo Tribunal Federal – que sacralizamos na Constituição como o “garante” do equilíbrio da independência e harmonia entre os Poderes da República e da paz social da nação -, sem abandonar os “princípios”, paute a sua ação ponderando cuidadosamente as consequências de longo prazo das suas decisões.

A situação econômica está melhorando lentamente graças às medidas tomadas pelo governo Temer. Até seus críticos mais ferozes têm dificuldade crescente de negar esse fato. Não é nada extraordinário: uma boa política econômica, apoiada numa safra agrícola excepcional e em um estímulo bem imaginado para o consumo das famílias, deu partida a uma recuperação cíclica que pode produzir um crescimento próximo de 1% em 2017. Graças à enorme capacidade ociosa na indústria, talvez possamos ter uma recuperação de 2% ou 3% em 2018, dependendo do crédito e do Câmbio.

A nova denúncia contra Temer (e dois ministros) tem altíssima probabilidade de ser recusada, como foi a anterior, mas colocará dúvidas e incertezas que poderão abortar a recuperação da economia, com gigantesco prejuízo para a sociedade brasileira. Deveria ser evidente que, respeitando os “princípios” (pois Temer poderia ser investigado a partir de 1º de janeiro de 2019, respondendo no juízo de primeira instância como um cidadão comum, sem proteção de foro), a sua suspensão até 31 de dezembro de 2018 deveria ter recebido maior reflexão. Incontroláveis consequências possíveis da confusão na Câmara de uma denúncia “conjunta” provavelmente acabarão de volta ao STF.

A grande pergunta é: por que tanta preocupação com um resultado positivo do governo Temer, apesar de uma pouca popularidade, da selvagem oposição ideológica de alguns e da pouca inteligência e sensibilidade de outros, cujos partidos estão na “base”? A resposta é: porque ela poderá ser um fator decisivo na escolha do próximo presidente em outubro de 2018.

Tudo indica que nas eleições de 2018 teremos pelo menos uma dúzia de candidatos. Sem um centro atrator, a dispersão de votos abre uma possibilidade surpreendente: o eleito será o resultado aleatório de um lance de um “dado com 12 faces”! No segundo turno poderemos ter que escolher, aleatoriamente, entre dois candidatos igualmente imprestáveis, mas beneficiados pela sorte.

Não tenhamos ilusões. A batalha eleitoral decidirá se a política econômica, que poderá estar produzindo resultados razoáveis e visíveis em outubro de 2018 – crescimento entre 2% e 3%; redução do nível de desemprego; taxa de inflação na meta; taxa de Juros de um dígito e politica fiscal responsável -, continuará, ou se teremos o retorno do populismo que oferecerá o “lago azul” e a volta ao “passado glorioso” produzido pela política voluntarista que nos levou ao buraco em que estamos.

A dramática incapacidade do Congresso de aprovar uma reforma eleitoral minimamente melhor do que a atual só vai acentuar os seus defeitos (o número de partidos talvez diminua, mas não ficará abaixo de 15 e continuaremos a votar em X e eleger Y!). O descrédito dos políticos, gerado pelo primitivo oportunismo eleitoral, transformar-se-á no descrédito da política e sugerirá “salvadores da pátria” como solução.

Apenas o reconhecimento da sociedade do relativo sucesso da atual política econômica poderá dar um “peso maior” a uma das faces do “dado dodecaédrico” e minimizar os riscos da volta ao experimentalismo tosco que continua a sugerir que o mesmo remédio produzirá efeitos diferentes!

Fonte: Valor

Falar agora
Olá 👋
Como podemos ajudá-la(o)?