Crise política ainda não assusta economistas
A tensão no cenário político voltou a aumentar nas últimas semanas, mas não a ponto de deixar a maior parte dos analistas muito preocupados em relação ao impacto sobre a economia. Como a tramitação da agenda fiscal no Congresso não foi afetada e a coalizão de apoio a Michel Temer parece ainda intacta, a saída de Geddel Vieira Lima da Secretaria de Governo e a crise entre o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o Supremo Tribunal Federal (STF) causaram relativamente pouco ruído, pelo menos por enquanto.
É verdade que a deterioração do quadro político chama a atenção de bancos e consultorias, e há quem tenha reduzido a projeção de crescimento para 2017 por causa da piora desse cenário, como fez a Oxford Economics. A consultoria rebaixou a estimativa de expansão de 0,8% para 0,4%, avaliando que um ambiente político mais turbulento deverá ter impactos significativos sobre a economia, embora transitórios.
Boa parte dos analistas, porém, tem adotado uma visão mais pragmática, como diz o economista-chefe da Mauá Capital, Alexandre de Ázara. Ele nota que as perspectivas hoje são de que o Congresso aprovará uma reforma da Previdência em 2017, “com mais ou menos dor”. O projeto que limita o crescimento dos gastos da União, por sua vez, deve passar no segundo turno no Senado já na semana que vem, diz Ázara.
O economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, também destaca os avanços ocorridos nos últimos seis meses em relação ao andamento das reformas. “O quadro é mais positivo do que se poderia imaginar”, diz ele, também destacando que o projeto do teto de gastos deverá ser aprovado pelo Senado na próxima semana. “E o projeto de reforma da Previdência já foi enviado ao Congresso.”
Kawall avalia que, mesmo com o surgimento de crises como a que levou à demissão de Geddel e o embate entre Renan e o STF, a agenda de medidas fiscais não deixou de andar no Congresso. No caso do conflito envolvendo o presidente do Senado, ele aponta uma “mobilização fortíssima” do mundo político e do próprio Supremo para superar o impasse e normalizar o funcionamento do Congresso. A ideia de que o Banco Central (BC) será mais flexível na condução da política monetária, depois da divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), também tranquilizou o mercado nesta semana, diz Kawall.
David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America Merrill Lynch (BofA) no Brasil, também viu com alívio a sinalização, por parte do BC, de que a autoridade monetária deve acelerar o ritmo de corte de juros no ano que vem. Para ele, o principal risco para o país hoje não está no campo político, e sim na falta de reação da economia, que poderia elevar a demanda por medidas adicionais de ajuste se a situação não melhorar em 2017.
Na avaliação de Beker, o aumento da volatilidade diante do noticiário político conturbado não traz, necessariamente, riscos para a atividade, desde que não ameace a aprovação de reformas. Por enquanto, diz ele, nenhum dos episódios recentes parece ter ameaçado a base do governo no Congresso.
“O mercado está observando o cenário político do ponto de vista mais econômico, se atrapalha ou não a aprovação das reformas”, afirma o economista-chefe do Rabobank, Mauricio Oreng,
Nesse sentido, afirma ele, não há sinal de que a base relativamente coesa formada pelo governo de Michel Temer tenha sido abalada pela crise política. A saída de Geddel da Secretaria de Governo, por exemplo, não minou a aprovação da PEC 55, que estabelece um teto para o crescimento do gasto. O projeto foi aprovado em primeiro turno no Senado por ampla maioria (61 votos a 14).
O que tem atrapalhado de fato a recuperação da atividade econômica, segundo ele, é a deterioração do mercado de trabalho, que deve prosseguir ao longo do ano que vem, e o processo de desalavancagem de empresas e famílias após o forte ciclo de expansão de crédito que marcou a gestão anterior. Diante dos dados ruins para o terceiro trimestre, Oreng revisou sua estimativa para o PIB em 2017, de uma alta de 0,5% para 0,2%.
Ainda assim, alguns analistas têm dado mais importância à deterioração do cenário político. Segundo a Oxford, por exemplo, um dos efeitos da piora é o aumento da incerteza e da volatilidade. “Investidores, empresas e famílias podem ter receio de que um impopular Temer possa não sobreviver no cargo até o fim de 2018”, afirma, em relatório, o chefe de pesquisa macroeconômica para a América Latina da consultoria, Marcos Casarin, ressalvando que essa hipótese parece hoje muito improvável.
Apesar disso, a incerteza provocada por esse cenário tende a afetar as intenções das empresas de contratar e investir e as decisões das famílias de consumir, resultando em desempenho mais fraco da economia no quarto trimestre deste ano e no primeiro trimestre do ano que vem, acredita Casarin.
A consultoria de risco político Eurasia Group, por sua vez, elevou de 10% para 20% as chances que atribui a Temer não terminar o mandato. A hipótese, porém, é muito pouco provável, segundo a Eurasia, entre outros motivos por não haver clareza sobre quem sucederia o atual presidente.
Fonte: Valor