Cresce temor de que Trump recorra a guerra cambial
Os comentários enfureceram e causaram mal-estar entre aliados. Shinzo Abe, premiê do Japão, reagiu ontem ao ataque de Trump à China e ao Japão por “apostarem no mercado da desvalorização”. Disse ao Parlamento japonês: “O tipo de críticas que estão fazendo à manipulação do iene é incorreto”.
No dia anterior, Angela Merkel, premiê da Alemanha, negou que Berlim esteja influenciando o valor do euro, após Peter Navarro, assessor de Trump, ter acusado a Alemanha de explorar um euro “grosseiramente subvalorizado”, em uma entrevista ao “Financial Times”.
Esses comentários foram o mais recente sinal do drástico abandono de práticas do passado, que começou já na campanha eleitoral de 2016, quando Trump reclamou que um dólar forte estaria prejudicando as empresas americanas.
Os presidentes dos EUA preferem há muito não comentar sobre o valor do dólar ou de outras moedas, enfatizando, em vez disso, sua confiança na solidez da moeda americana. Tradicionalmente, a tarefa de abordar questões cambiais é do secretário do Tesouro.
Desde Robert Rubin, na década de 1990, os ocupantes do cargo afirmam a sua convicção em um “dólar forte” como reflexo do vigor da economia americana.
Stephen Mnuchin, ex-executivo do Goldman Sachs escolhido por Trump como secretário do Tesouro, adotou publicamente uma abordagem mais cautelosa que a do presidente. Na sua sabatina no Senado, em janeiro, ele disse acreditar que a “força de longo prazo” do dólar é “importante”.
Mas o início caótico da gestão Trump e sua agenda, vista por muitos como protecionista, aumentaram o temor não apenas de guerras cambiais, mas também de um confronto comercial declarado.
Economistas dizem que os planos de Trump de impulsionar o crescimento por meio da redução de impostos e do aumento do gasto em infraestrutura, além da proposta republicana de criar um imposto de fronteira sobre produtos importados, tendem a levar ao fortalecimento do dólar e à elevação do déficit comercial. Eles temem que Trump possa reagir com medidas comerciais mais agressivas.
O analista Ulrich Leuchtmann, do Commerzbank da Alemanha, orientou clientes a se prepararem “para uma guerra cambial que pode ficar feia”, após o comentário de Navarro sobre o euro ter abalado os mercados. “Com sua declaração, [Navarro], na verdade, disparou o próximo tiro da guerra cambial que o governo americano trava hoje com o resto do mundo.”
Mas Trump, até agora, preferiu não dar seguimento à sua célebre promessa de campanha de declarar oficialmente a China como manipuladora cambial, uma medida potencialmente explosiva.
“Estou esperando para ver o que vai acontecer, de fato, com a política para a China”, disse David Dollar, ex-especialista em China do Departamento do Tesouro, atualmente na Brookings Institution.
Muitos especialistas esperam ter maior clareza da posição do novo governo americano na reunião de ministros das Finanças do G-20 (grupo que reúne as maiores economias do mundo) marcada para março na Alemanha. A maioria dos dirigentes dos bancos centrais argumenta que a fragilidade da moeda é uma consequência, e não um objetivo, da política monetária expansiva destinada a elevar a inflação nos respectivos países.
Masatsugu Asakawa, principal autoridade do governo do Japão na área cambial, disse que a queda recente do iene foi puxada pelo mercado e pela política monetária que visa combater a deflação. “O Japão não fez intervenções [cambiais] nos últimos anos.”
O Japão interveio fortemente no mercado de câmbio no início dos anos 2000, para desvalorizar o iene. Voltou a fazê-lo após a crise financeira de 2008 e após o terremoto e o tsunami de 2011.
Mas, apesar das especulações sobre intervenção, diante da queda do dólar para 100 ienes no ano passado, o Japão se absteve de intervir, sob pressão do governo de Barack Obama. A China também não interveio no câmbio nos últimos anos, mas acredita-se que vários países não citados por Trump – como Coreia do Sul e Taiwan – estejam gerenciando intensivamente suas moedas.
Fonte: Valor