Cresce busca por profissional mais digital
Contratado no meio de janeiro, o gerente de marketing e varejo, Marco Avólio, veio de uma carreira de mais de 10 anos no mercado de bens de consumo, em companhias como a Unilever e a Brasil Kirin.
Novas plataformas de compras, aplicativos de carona, transações bancárias mais rápidas. Por trás das cada vez mais variadas facilidades digitais disponíveis estão empresas que nasceram na internet ou correm para se adaptar ao novo contexto. Dentro dessas companhias estão profissionais com expertise em novas tecnologias e produtos digitais – que hoje ganham espaço, chegam ao alto escalão e, na contramão da crise, são disputados no mercado.
Caio Chedid, gerente das práticas de tecnologia da informação e digital da empresa de recrutamento executivo Robert Walters, conta que muitas das empresas de serviços digitais apresentaram crescimento de dois dígitos no ano passado. Por conta disso, elas tiveram que ir ao mercado para contratar para vagas novas, em oposição a maior parte dos outros setores que fizeram apenas substituições pontuais. E a tendência deve continuar neste ano.
Achar esses profissionais, no entanto, é hoje um desafio para a consultoria, pois os profissionais podem estar em diversos setores, ter variadas formações e precisam combinar capacidade técnica com conhecimento de negócios. Mesmo desenvolvedores hoje preferencialmente precisam falar inglês e entender o negócio para o qual estão programando. “Do contrário eles não serão reconhecidos nem poderão crescer dentro da empresa”, diz Chedid.
Em cargos executivos, o entendimento profundo de tecnologia é um ponto essencial para que o profissional seja respeitado pelo resto da companhia. “Um CEO de uma empresa digital que nunca programou ou não sabe conversar com o desenvolvedor acaba tendo um grande turnover. Se for alguém que é referência no mercado, ele vai acabar com os melhores profissionais, porque eles vão confiar que a pessoa está aberta para novas tecnologias e vai entender esse lado da empresa”, diz.
Com formação em ciência da computação e uma carreira no mercado financeiro, Eldes Mattiuzzo se tornou no ano passado presidente da Youse Seguros, empresa digital controlada pela Caixa Seguradora. Mattiuzzo começou a carreira como trainee do Unibanco e fez MBA na Universidade de Stanford, no Vale do Silício, onde teve contato com a cultura de empreendedorismo digital da região.
De volta ao Brasil, deixou o banco para fundar a Bidu, uma corretora on-line de seguros onde ficou por quatro anos até fazer a transição para o conselho de administração e receber o convite para tocar a operação da Youse. Lançada ao público em julho de 2016, a seguradora foi idealizada separadamente da controladora Caixa, justamente para evitar que os processos mais tradicionais “contaminassem” a nova operação. “Uma seguradora digital exige desenhar produtos efetivamente para a internet”, diz Mattiuzzo.
Na sua visão, a trajetória de carreira que sempre mesclou negócios e tecnologia foi essencial para encarar o desafio. “A formação me ajuda muito a fazer uma liderança não só estratégica mas também técnica, para atrair e saber avaliar grandes profissionais da área”, diz. Mesmo sem ele mesmo colocar a “mão na massa” e programar por conta própria, é importante entender profundamente os conceitos usados e como as tecnologias funcionam. “Não é apenas dizer ´eu quero isso, se virem´. Eu sei que caminho vamos seguir”, diz.
Na Youse, que hoje tem 150 profissionais e deve chegar a 200 até o fim do ano, Mattiuzzo vê a importância de contratar pessoas que tenham familiaridade com a tecnologia também em áreas administrativas, como RH. Mesmo profissionais de seguros precisam conhecer a área para se adaptar à cultura e ao modelo de negócio mais ágil, com menos hierarquia e que requer mais interação entre as áreas. “Esse profissional vai ter que transitar e saber conversar com a turma de TI, produto e marketing digital, então é fundamental ter certa vivência na área de tecnologia. Não é fácil achar essas pessoas”, diz.
A especialista na área de digital da Russell Reynolds Associates, Tatyana Freitas, conta que na empresa de recrutamento executivo foi criado em 2012 um grupo interdisciplinar chamado “digital transformation”, formado por headhunters de diversas áreas em operações de vários países para trocar informações e buscar profissionais com esse perfil. “Se eu tenho um colega na indústria que precisa de uma posição digital, trabalho junto com ele. A prática de digital tem enfoque mais no setor de tecnologia, mais vai invadir todas as áreas”, diz.
A própria definição do que é um “profissional digital” suscita muitos entendimentos e pode causar confusão, diz Tatyana. Hoje as áreas de atuação mais obviamente ligadas a essa expertise são as relacionadas ao consumidor final, como e-commerce, marketing digital e tecnologia da informação. “Mas também pode ter a ver com uma determinada tecnologia para melhorar um processo interno. Além do mais, as empresas têm níveis de maturidade digital diferentes”, diz. No geral, explica, o olhar digital enxerga o que a tecnologia pode contribuir para a empresa além do hardware necessário para fazê-la funcionar no dia a dia.
Uma pesquisa recente da empresa de recrutamento Fesa, conduzida pela Flemming Associados, falou com 65 altos executivos de empresas de tecnologia no Brasil e mostrou que até mesmo eles estão correndo para se adaptar à transformação digital. Metade (51%) acha que suas companhias deixam a desejar na hora de assumir riscos e pouco mais da metade (57%) considera que a empresa tem uma estratégia digital clara e coerente.
Além das competências técnicas, o perfil do profissional que vai participar dessa transformação está muito relacionado a habilidades comportamentais. “É preciso flexibilidade, saber lidar com ambiguidade, ter curiosidade e conseguir se adaptar. Não é um negócio que você vai estudar hoje e saber mais que o outro, porque amanhã ele já vai ser diferente”, diz Tatyana, da Russell. Muitas vezes os headhunters precisam convencer a empresa a considerar pessoas de setores diferentes, ou com menos anos de experiência do que o pedido. No caso do e-commerce, por exemplo, Tatyana vê muitos profissionais que fizeram carreira em empresas nativas digitais antigas, como o Submarino, se espalharem por outros setores mais tradicionais que hoje querem se modernizar.
Na 99, empresa que desenvolveu um dos primeiros aplicativos de táxi no país e hoje ampliou a atuação para incluir serviços de carona, o ano vai ser de expansão, decorrente de um aporte de investimento da chinesa DiDi Chuxing. A startup abriu 250 vagas no início deste ano, em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, para a equipe de tecnologia e áreas de negócio como finanças, marketing e jurídico.
Se para as vagas técnicas o foco é a expertise de desenvolvimento para mobile, na área administrativa a diretora de RH, Carla Baroni, conta que a companhia está aberta a profissionais que não necessariamente vieram de outras empresas de internet. É preciso, no entanto, se encaixar no momento de crescimento da empresa, que está dobrando de tamanho em equipe. O processo de recrutamento foi reformulado e hoje inclui cinco entrevistas, que envolvem profissionais de diversas áreas, além de um desafio técnico no caso dos desenvolvedores. “Todo mundo se envolve muito para garantir que a pessoa tenha ´fit cultural´”, diz.
Contratado no meio de janeiro, o gerente de marketing e varejo, Marco Avólio, veio de uma carreira de mais de 10 anos no mercado de bens de consumo, em companhias como a Unilever e a Brasil Kirin. A 99 é sua primeira empresa digital, o que para ele significa um novo formato de gestão, com resultados mais rápidos. Mas a adaptação tem sido suave, em especial por ele sempre ter atuado em projetos de inovação, como entrada de novos produtos e reposicionamento de marca. “Isso ajuda a ter agilidade na resposta. Mas a essência do marketing é a mesma, depende da necessidade das pessoas, só muda a forma de se comunicar”, diz.
Fonte: Valor