Consumo cresce em ritmo menor em 2019
O consumo das famílias cresceu pelo terceiro ano seguido em 2019 e ajudou a sustentar, mais uma vez, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Porém, as compras perderam um pouco fôlego de um ano para o outro, diante da baixa confiança das pessoas no mercado de trabalho.
Em 2019, o consumo das famílias cresceu 1,8%, a menor taxa em três anos. Por outro lado, o componente avançou acima da expansão de 1,1% do PIB total do ano passado. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O economista da Tendências Consultoria, Thiago Xavier, diz que durante boa parte de 2019 o mercado esperava que o consumo crescesse em um ritmo mais forte do que em 2018, especialmente na segunda metade do ano. Ele afirma que diversos fatores apontavam para isso, como, por exemplo, a retomada da ocupação, crédito em expansão e a notícia de liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) no meio do ano.
“Mas os meses foram passando e fomos observando as vendas nos supermercados perdendo força, uma Black Friday mais fraca, uma boa parte do FGTS não foi sacada e um aumento da inflação de alimentos concentrado final do ano, que foi puxado pela alta dos preços das carnes, limitando o poder de compra das famílias”, diz Xavier. “Isso acabou provocando uma frustração”.
Dos R$ 42 bilhões liberados pelo governo federal em 2019, somente 60% foi sacado, e apenas R$ 12 bilhões foram direcionado para o consumo, segundo dados do Itaú Unibanco.
A cautela em consumir está relacionada com o mercado de trabalho, e as sondagens de confiança refletem bem esse cenário, segundo Xavier.
“As pesquisas de confiança têm mostrado que os empresários estão um pouco mais otimistas que os consumidores. Destoa um pouco e isso se explica pela fraqueza do mercado de trabalho”, diz o economista da Tendências.
O Índice de Confiança dos Consumidores (ICC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), por exemplo, chegou a 90,4 pontos em janeiro de 2020, enquanto o Índice de Confiança Empresarial (ICE) fechou o mês com uma pontuação um pouco maior, de 98.
Vendas caem nas periferias
Thiago Berka, economista da Associação Paulista de Supermercados (Apas), afirma que as vendas do setor perderam força de 2018 para 2019. O número de unidades vendidas nos mercados de São Paulo, por exemplo, desaceleraram de um crescimento de 4,4% em 2018, para um avanço de 2,5% em 2019.
Ele explica que o número só veio mais positivo porque houve crescimento de 2% no faturamento dos mercados do interior. Já na região metropolitana de São Paulo, o setor teve uma performance ruim, registrando queda de 3% nas vendas, puxada pelo recuo das compras nas periferias paulistanas.
“Nosso índice capta tanto as vendas das grandes redes de supermercados, quanto as dos mercados de bairros, nas periferias. E, ao consolidar os dados, nós observamos que a crise ainda persiste nos extratos mais baixos da população: as vendas nos mercados das periferias caíram bastante, principalmente na Grande São Paulo”, diz Berka.
Diante dessa dificuldade, a cesta de consumo das famílias não teve mudanças em 2019, na comparação com 2019. “O brasileiro não migrou para marcas mais caras ainda. O que a gente percebe é que as pessoas estão buscando economizar, devido ao desemprego e uma renda do trabalho que não cresce”, destaca Berka.
Ele conta que a cesta de consumo continua sendo composta, majoritariamente, por produtos básicos. “Cerca de 25% da cesta é composta por produtos como arroz, feijão, açúcar, café, sal e demais componentes para cozinhar”, acrescenta.
Berka reforça que o aumento dos preços das carnes no final do ano provocou uma limitação adicional no bolso dos brasileiros. A inflação da proteína animal subiu 32,4% no ano, maior contribuição da alta de 4,31% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2019.
Renda estagnada e informalidade alta
A renda do trabalho, por sua vez, acabou não acompanhando o aumento de preços no final do ano, ainda que a inflação esteja baixa e sob controle no país. No quarto trimestre de 2019, o rendimento médio mensal dos brasileiros, já descontando a inflação, chegou a R$ 2.340, representando uma estabilidade em relação ao mesmo período de 2018, mostra o IBGE. Os rendimentos do trabalho estão estagnados desde o final da recessão, em 2017.
O economista da RC Consultores, Everton Carneiro, lembra que, apesar da ocupação ter crescido, o país tem criado vagas com salários menores em relação ao período pré-crise (2014). Isso é visto até mesmo na ocupação com carteira assinada que, historicamente, sempre teve remuneração melhores.
No ano passado, foram criados 997.282 mil novos postos de trabalho com carteira assinada com remuneração de até dois salários mínimos. Por outro lado, houve uma perda de 492.996 mil postos remunerados acima de dois salários, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
“Portanto, ainda que as vagas formais estejam crescendo no Brasil, elas oferecem salários mais baixos. Então o que a gente fez, basicamente, foi trocar emprego de maior salário para postos com menor remuneração. E isso significa menos dinheiro rodando na economia”, diz Carneiro.
Informalidade: 38,7 milhões de pessoas no país nessa situação no último trimestre de 2019, representando 41,1% da população ocupada. Esse número considera aqueles que trabalham no setor privado sem carteira assinada, trabalhadores domésticos sem carteira, conta própria e empregador sem CNPJ e trabalhador auxiliar familiar.
Desemprego: 11,6 milhões pessoas no quarto trimestre de 2019, uma taxa de 11% sobre a PEA. Apesar disso, houve uma queda em relação ao quarto trimestre de 2018 (11,6%). Na média anual, a taxa de desemprego caiu de 12,3% em 2018, para 11,9% em 2019, segundo o IBGE.
Investimentos
Para a economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Juliana Trece, a confiança no mercado do trabalho só vai voltar quando as empresas retomarem com mais força os seus investimentos, ampliando o emprego formal e dando mais sustentabilidade à expansão do consumo.
Em 2019, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, investimentos) cresceu 2,2%, contra um avanço de 3,9% em 2018. Com isso, a taxa de investimento da economia chegou a 15,4% no ano passado – em 2013, no entanto, era de 21%.
“Para que o consumo seja mais sustentável no longo prazo, é necessário que a taxa de investimento fique mais alta”, avalia Juliana.
Segundo ela, os dados do perfil das compras das famílias reforçam que a expansão do consumo ainda não é sustentável, já que ele ainda está muito concentrado nos serviços, como aluguéis, telefonia, educação, plano de saúde.
De acordo com a pesquisadora, o consumo de bens, sobretudo o de duráveis, como carros e eletrodomésticos, é o melhor indicador de consumo sustentável.
Em 2019, a taxa de crescimento da compra de duráveis foi até maior (5,2%) do que a expansão dos serviços (2%). O maior aquecimento do mercado de crédito à pessoa física estimulou um pouco mais o setor. Mas a contribuição de bens duráveis para a expansão do consumo ainda é pequena e insuficiente para dar mais sustentabilidade à economia.
“Se as pessoas estão confiantes no mercado de trabalho, por exemplo, elas podem, de repente, comprar um carro novo que é um bem mais caro e que a pessoa só vai comprar se tiver uma certa garantia. Se não tem confiança, no mercado de trabalho ou no que vai acontecer na economia, a pessoa segura esse gasto”, reforça.
Expectativas
Os economistas entrevistados esperam, até o momento, que os investimentos ganhem um pouco de mais força este ano, criando um espaço adicional para o aumento do consumo, que deve continuar sendo o principal pilar principal da expansão do PIB. Eles listaram o que pode contribuir e/ou o que pode dificultar a expansão das compras este ano. Veja abaixo:
Devem ajudar:
Inflação e taxa de juros básica em patamares mais baixos
Mercado de crédito à pessoa física mais aquecido
Nova rodada de reformas
Bom retorno das concessões e privatizações do governo federal
Podem dificultar:
Efeito do coronavírus na China reduzindo exportações e importações do Brasil, bem como expectativas de crescimento do PIB do país
Não aprovação ou frustração das reformas
Frustração com as concessões e privatizações.
Fonte: NULL