Conselhos em tempo de crise
Houve um tempo em que as reuniões de conselhos de grandes companhias eram encontros regados a uísque e a cafezinho, onde se falava praticamente de tudo, mas muito pouco sobre o negócio. Há muito, essa fase amadora ficou para trás. Mas nem todos se deram conta do tamanho da responsabilidade de ser um conselheiro profissional. A polêmica dos derivativos superalavancados expôs o tamanho do compromisso, ao deixar evidente os riscos da atividade. Agora, teme-se uma diminuição do interesse por essa posição.
Nos casos dos prejuízos de Sadia e Aracruz , os acionistas minoritários estudam promover ação de responsabilidade civil contra os administradores das empresas – incluindo diretores e conselheiros, podendo levá-los a ter que ressarcir os prejuízos causados às companhias. As cifras são bilionárias. O movimento é liderado pela Previ, caixa dos funcionários do Banco do Brasil.
O susto foi tamanho e tão inesperado que conselheiros de outras companhias se apressaram em perguntar à administração qual a exposição a contratos derivativos e seus riscos. A responsabilidade dos executivos na gestão dos negócios sempre esteve mais clara. O debate do momento é até aonde vão os deveres dos conselheiros. “Se o conselho de administração foi relapso na fiscalização dos atos praticados pela diretoria, também pode ser responsabilizado”, argumenta Renato Stetner, sócio do Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados.
A Lei das Sociedades por Ações prevê que entre as competências do conselho está a de “fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia e solicitar informações sobre os contratos celebrados”.
Mauro Rodrigues da Cunha, presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), explicou que é natural as companhias buscarem uma composição diversificada para o conselho, com profissionais de várias áreas do conhecimento. Assim, não é obrigação do conselheiro entender com profundidade todos os riscos a que está submetida a companhia. “Mas é dever do conselho criar órgãos que atuem na fiscalização e gerenciamento desses riscos”, enfatizou Cunha. “Os casos recentes servem como um alerta para essa necessidade.”
Uma lição e tanto. Pierre Moreau, da Moreau Advogados, ao estudar os casos de algumas companhias que perderam com derivativos, deparou-se com casos em que os conselheiros sequer participavam das reuniões, apresentando votos por procuração.
Mas não há espaço no ambiente corporativo atual para omissões. Na Sadia, por exemplo, a postura adotada desde o primeiro momento foi a de afirmar que o conselho de administração não sabia a quais riscos a companhia estava exposta. A falta de ciência, porém, não serve de justificativa para negligências. “O conselho precisa aprender a perguntar o que acontecerá com a empresa se tudo der errado nos contratos assinados”, afirmou William Eid Júnior, professor de finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Os riscos eram pequenos, mas existiam.”
A companhia, por sua vez, terá de fornecer documentos e transparência para permitir o bom trabalho do conselho. Atenta a isso, a Bematech lançou o portal do conselheiro, onde os profissionais podem encontrar as informações que precisam e ainda solicitar serviços. Wolney Betiol, presidente da empresa, espera que o conselheiro atue em quatro frentes: estratégia, gestão de talentos, de estrutura e de riscos.
Jorge Lepeltier, conselheiro fiscal profissional há 15 anos, destaca que as reuniões de conselho são ambientes limitados para se avaliar profundamente a empresa. Os encontros acontecem uma vez por mês ou trimestralmente. “É muito pouco se você quer realmente saber o que está acontecendo. O melhor é visitar a empresa periodicamente, livre das pautas pré-determinadas das reuniões.”
Mas a participação ativa ainda não garante a completa gestão de riscos. Para isso, comitês e conselhos técnicos podem ser ferramentas importantes. Gilberto Mifano, presidente do conselho de administração da BM&FBovespa, destaca que, uma vez estabelecidos esses órgãos, cabe ao conselheiro verificar sua atividade e eficácia, acompanhando atas e relatórios.
Embora os recentes acontecimentos tenham exposto a necessidade de comprometimento dos conselheiros, as responsabilidades não são novas. “A regulação nessa área é a mesma há anos”, aponta Herbert Steinberg, fundador da Mesa Corporate Governance e membro de três conselhos. Para ele, o que mudará, daqui para frente, é a postura dos conselheiros diante das práticas dos administradores e a aplicação dos mecanismo de controles internos.
Além disso, a disposição dos profissionais para esse cargo é que pode diminuir. Steinberg acredita que recrutar conselheiros ficará mais difícil e possivelmente mais caro. Lepeltier também aposta em aumento da remuneração. Levantamento do IBGC de 2007 mostra que, no Brasil, os salários de conselheiro de administração variavam de R$ 5 mil a R$ 11 mil mensais e dos fiscais, de R$ 3 mil a R$ 4,6 mil.
Mifano, da BM&FBovespa, aponta limites. “Se o salário for muito alto, o conselheiro perde a independência necessária, pois a manutenção dessa renda será mais importante.”
Outro movimento esperado é a expansão do uso de seguros para administradores também no conselho, conhecidos pela sigla em inglês D&O. “Durante muito tempo acreditava-se que esse tipo de seguro não dava sinistro (não era acionado)”, disse Leandro Martinez, executivo de seguros empresariais da Chubb, líder mundial nesse produto. “Esse cenário está mudando.” Ele explicou que os seguros não cobrem atos dolosos, ou seja, intencionais.
Fonte: Valor