Comunicação: reconhecimento como direito humano fundamental é recente
Ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como um direito humano fundamental, por parte de organismos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
A importância de comunicar foi reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece que todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
De 1948, quando a declaração foi feita, até agora, o fluxo de informação e comunicação é cada vez maior. A mídia passou a ocupar um lugar ainda mais central na vida pública. Por meio dela, é possível saber o que ocorre em diferentes partes do mundo, as pessoas formam opinião e valores, inclusive sobre diferentes grupos da sociedade, como mulheres, negros e homossexuais.
Por essa importância, ao longo das últimas décadas, a comunicação passou a ser reconhecida como um direito humano fundamental, por parte de organismos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Já países como Equador e Bolívia recentemente incluíram a comunicação como direito humano em suas constituições.
Assim, do mesmo modo que é compreendida como um instrumento para acesso a outros direitos, como à saúde e à educação, é preciso perceber que o direito à comunicação inclui o direito ao acesso à informação, mas também o direito de transmitir informações, explica o professor da Universidade de Brasília (UnB) Fernando Paulino.
A possibilidade de criar e propagar informações próprias, sem depender de mediadores, motivou a criação da Agência de Notícias das Favelas (ANF), considerada a primeira no mundo a produzir notícias diretamente de favelas. O idealizador da entidade, André Fernandes, conta que, na década de 1990, começou a disparar e-mails para jornalistas, como forma de denunciar o que estava acontecendo nas favelas, a exemplo de violações de direitos que sequer chegavam ao conhecimento do público.
A ideia da ANF surgiu porque eu via os direitos básicos, fundamentais dos moradores das favelas não serem garantidos, relembra Fernandes, avaliando que, hoje, a agência também consegue pressionar os veículos tradicionais para que reportem o que ocorre nesses locais.
A comunicação garante direitos porque faz com que o cidadão se torne autor da sua cidadania, faz com que aqueles que não tinham voz passem a ter, diz Fernandes. Uma possibilidade que tem se tornado mais viável com a ampliação do acesso à internet.
O idealizador da ANF cobra mais espaço e reconhecimento para a mídia independente. É importante que os próprios governos reconheçam esse tipo de mídia, para que não fique só a opinião dos grandes veículos de imprensa, afirma Fernandes.
No Brasil, a comunicação não está descrita na legislação como um direito, mas como um serviço que pode ser prestado tanto por entes públicos quanto privados. A sua inclusão no rol de direitos fundamentais é uma das propostas que constam no Projeto de Lei da Mídia Democrática. O projeto, apoiado por dezenas de entidades da sociedade civil, quer estabelecer como princípio da comunicação social eletrônica a promoção e garantia dos direitos de liberdade de expressão e opinião, de acesso à informação e do direito à comunicação, destaca o texto.
Isso significa que o Estado teria o papel de propor medidas para que a comunicação fosse acessível a todos. O contrário disso é a percepção da comunicação como um produto a ser negociado o que ocorre, por exemplo, ao se pagar pelo acesso à internet. Nesse caso, a ausência da definição da internet como direito ou mesmo serviço público faz com que as operadoras não sejam obrigadas a garantir a universalização da rede em todo o território nacional.
A concepção do direito à comunicação embasou a mudança na lei que organiza o sistema argentino. A nova regra, que ficou conhecida como Lei de Meios, foi produzida a partir de regramentos internacionais fixados pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e por leis antimonopolistas existentes em diversos países, entre eles, os Estados Unidos.
De acordo com a lei argentina, a atividade realizada pelos serviços de comunicação audiovisual se considera uma atividade de interesse público, de caráter fundamental para o desenvolvimento sociocultural de população, pelo que se exterioriza o direito humano inalienável de expressar, receber, difundir e investigar informações, ideias e opiniões.
Integrante da Coalização para a Radiodifusão Democrática, articulação da sociedade civil que deu início à formulação e proposição da nova lei argentina, Néstor Busso conta que, para garantir esse direito, os Estados devem assegurar diversidade e pluralidade de meios. Isso porque, de acordo com ele, a lógica de mercado é a concentração e a hegemonia de um discurso único. Para assegurar diversidade e pluralidade, as políticas públicas devem colocar limites aos poderosos e à concentração e, ao mesmo tempo, promover a expressão dos setores mais frágeis da população.
Antes da Lei de Meios, a comunicação era tratada como um negócio que deveria ser usufruído apenas pelo Estado e pela iniciativa privada. As organizações sem fins lucrativos não tinham permissão para receberem outorgas. Agora, o espectro eletromagnético foi dividido igualmente entre pessoas de direito público estatal e não estatal, organizações privadas e organizações sem fins lucrativos.
Para garantir a ocupação desse espaço, também foram fixadas políticas de apoio financeiro e incentivo à produção de conteúdos por parte dos povos originários do país e pelas universidades, entre outros segmentos.
Entretanto, segundo Néstor Busso, a lei argentina, não está totalmente implementada. Muitos obstáculos se apresentam para a sua implementação plena, apesar de já terem passado cinco anos da sua aprovação.
Muitos desses obstáculos têm sido colocados pelo setor empresarial. No caso da Argentina, o grupo Clarín, maior da região, moveu diversas ações judiciais para evitar a aplicação da lei e, com isso, a entrega de parte de suas concessões.
No Brasil, os empresários também discordam de propostas de regras com o teor da que foi aprovada na Argentina. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slaviero, as empresas entendem como válida a discussão de uma lei para atualizar as normas legais do setor. O problema, nesses países, é que foi feita uma lei com viés autoritário e retrógrado, avalia. Ele também aponta que situações como a posse de diferentes veículos pelo mesmo grupo, a chamada propriedade cruzada, já teria sido superada pela tecnologia.
Embora reconheça o direito à comunicação como um grande desafio mundial, a Unesco percebe movimentos que caminham nesse sentido, inclusive no Brasil. Coordenador do setor de Comunicação e Informação da Unesco, Adauto Cândido Soares aponta como positiva a existência de iniciativas como a Lei de Acesso à Informação sancionada no Brasil em novembro de 2011.
A gente percebe a sociedade batalhando por banda larga, por acesso rápido, por uma internet veloz, justamente porque essa internet veloz possibilita mais informação e mais comunicação. A gente percebe também que o país tem uma mídia pública estabelecida, com uma quantidade enorme de rádios e TVs públicas, aponta.
Para ele, embora o direito à comunicação ainda não tenha sido reconhecido, há um ambiente favorável para o avanço dessa agenda no Brasil.
Fonte: Agência Brasil