Cena política mantém incerteza nos mercados
O comportamento dos mercados de câmbio e renda fixa ao longo do primeiro dia inteiro de julgamento no TSE, que pode definir o futuro do governo Temer, foi sintomático do grau de incerteza que paira nas mesas de operação. No fechamento, tanto o dólar quanto os juros futuros ficaram próximos da estabilidade, mas em patamares bem mais altos que os marcados no começo do pregão. Ou seja, investidores passaram a exigir mais prêmio de risco com a sessão no TSE em andamento, no clássico modo defesa.
Se falta consenso sobre o benefício ao cronograma das reformas com uma eventual saída de Michel Temer da Presidência, operadores concordam que, mais do que nunca, o momento requer posições leves, sem apostas em uma única direção. E por menor que estejam, as carteiras devem ficar relativamente estáveis enquanto a discussão sobre as reformas continuar à sombra das dúvidas sobre quem comandará as negociações do ajuste fiscal.
Os relatos nas mesas de operações indicam confiança na aprovação das reformas, mas mesmo operadores questionam a relativa tranquilidade dos preços. A sensação é que há mais “torcida” do que convicção de que os projetos de ajuste das contas públicas passarão pelo Congresso Nacional. “Pode até haver reforma, mas ninguém sabe quando. O que se sabe é que será bem menos eficaz que o que se previa”, diz um profissional de uma gestora.
Outro gestor resume o sentimento atual. “Não dá para apostar contra, porque os ativos têm mantido um sangue frio. Mas apostar numa queda forte do dólar e dos juros de mercado neste momento também parece bem fora da curva”, afirma. “Na dúvida, fico zerado.”
Sobre o julgamento do TSE, a percepção de alguns operadores é que a absolvição por um placar de cinco a dois daria a Temer força para obter, na Câmara dos Deputados, o impedimento de denúncia a ser oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente precisa de pelo menos um terço dos votos da Câmara para impedir que a denúncia seja levada ao STF.
Para o economista da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto, os mercados enxergam com “bons olhos” o ganho de tempo do governo, que, segundo ele, abriria espaço para a continuidade da atual política econômica. Mas o economista alerta não haver cenário de “céu de brigadeiros”, diante da expectativa de que o governo sofra ataque de “todos os lados” caso sobreviva. Nesse contexto, a volatilidade dos mercados deverá aumentar.
“A tranquilidade [de agora] nos mercados não é consistente”, diz Campos Neto. O risco de instabilidade, segundo o economista, se deve à percepção de que o equilíbrio para o avanço das reformas é frágil. “Olhando a situação atual, a permanência de Temer pode ser positiva, mas nada é garantido.”
Com o cenário ainda turvo, quem altera posicionamentos o faz apenas com o intuito de diminuir risco. “Reduzimos exposição em bolsa e encurtamos a posição em juros. Estamos focando na parte bem curta de juros. Preferimos ´jogar´ onde há mais convicção”, afirma Marcos Mollica, sócio-gestor na Rosenberg Associados.
Depois do vaivém ao longo do dia, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2021 – que captura a percepção de risco estrutural à economia – marcou 10,47% no fim da tarde de quarta-feira, quase estável ante o ajuste anterior (10,45%), mas 10 pontos-base acima da mínima intradia, de 10,37%.
Já o dólar comercial terminou em leve baixa de 0,12%, negociado a R$ 3,2732, depois de chegar a cair 0,38% durante os negócios. A cotação se manteve no estreito intervalo entre R$ 3,25 e R$ 3,30 no qual tem operado há quase três semanas.
Além da atuação do Banco Central, que tem mantido ofertas de swaps cambiais tradicionais em operações de rolagem, o câmbio tem como suporte a melhora de variáveis ligadas aos fundamentos, com destaque para as contas externas. É essa evolução favorável que leva o BNP Paribas a calcular que o real é a moeda latino-americana mais depreciada em relação ao dólar. Pelas contas de Gabriel Gersztein e Gustavo Mendonça, que integram a área de estratégia do banco francês para a região, o real tem espaço para se valorizar 13,2% ante o dólar. A taxa nominal teórica que equilibra a conta corrente no longo prazo é de R$ 2,90 por dólar, de acordo com os profissionais.
Para os estrategistas, a diferença entre o atual preço do dólar (R$ 3,27) e a taxa de longo prazo (R$ 2,90) pode ser atribuída em grande parte aos mais recentes ruídos políticos. “Ainda assim, acreditamos que no prazo mais longo as reformas vão ser aprovadas, o que combinado com uma balança comercial robusta deve fazer o câmbio convergir a seu preço de equilíbrio.”
Fonte: Valor